É possível uma mediação com as igrejas neopentecostais?

Por Alana Gonçalves (*)

Texto publicado na edição de abril do Boletim P13 LGBTQIA+

No mês em que é celebrada a Páscoa e a ressurreição de Cristo pelos cristãos, cabe refletirmos sobre os desdobramentos da expansão das igrejas neopentecostais no território brasileiro. Seja na área urbana, a cada esquina, ou por menor que seja uma cidade na área rural, é praticamente impossível no Brasil de 2025 não encontrarmos uma unidade de igreja evangélica.

Segundo dados do censo do IBGE de 2022, existem mais templos religiosos no país do que a soma de unidades de saúde e estabelecimentos de ensino juntos. Esse dado é importante porque demonstra, em primeiro lugar, a principal ferramenta de organização das massas populares orientadas pela teologia da prosperidade e do domínio, duas concepções que (des)enrolam-se na ideologia neoliberal. O dado aponta, por outro lado, como o Estado brasileiro foi desmantelado a ponto de que a própria população recorra irrefletidamente ao acolhimento prestado pelas igrejas evangélicas, ao invés de procurar pelo serviço público que deveria prestar um atendimento profissional e especializado, seja de saúde, de assistência social ou da educação.

As igrejas evangélicas têm sido, em geral, a primeira porta para quem não quer se deixar sucumbir pelo adoecimento mental e/ou uso abusivo de drogas num contexto de aprofundamento da precarização das condições de vida da classe trabalhadora. Infelizmente, desde o golpe contra a presidenta Dilma a política de saúde mental passa por um desmonte tanto do ponto de vista de orçamento quanto de concepção, em que a extinção da Política de Redução de Danos em 2019 escancara o retrocesso da Reforma Psiquiátrica e a retomada da política de internação.

Assim como ocupa um espaço vago deixado pelo Poder Público e pela falta de atuação política da esquerda no que tange o acesso à saúde, também vemos a força da igreja evangélica na disputa de outros espaços de poder, como os conselhos tutelares e as representações nos conselhos responsáveis pelo controle social dos serviços públicos. Cada vez mais, por todos os cantos, vemos assentar as ideias e os valores difundidos amplamente pelas igrejas cristãs neopentecostais, de forma organizada e radical.

É tênue e questionável a linha em que se equilibra a militância de esquerda disposta a dialogar com os setores à esquerda que frequentam igrejas evangélicas. Às vezes o recuo para conseguir dialogar pode ser muito grande, então é preciso atentar para o quanto pretendemos esconder o que somos e as bandeiras de lutas coletivas que foram travadas historicamente para garantir o mínimo de dignidade, avaliando inclusive se vale mesmo a pena uma mediação no sentido do rebaixamento das nossas pautas para não causar desconforto entre evangélicos de esquerda.

Ao nos depararmos com tamanha organização para planejar e executar um projeto de sociedade como fazem os evangélicos, precisamos refletir com seriedade a respeito do setor minoritário entre os evangélicos que se identifica como esquerda ou simplesmente vota no PT e no Lula, mas que reproduz indiscriminadamente todos os pensamentos fundamentados no preconceito e opressão contra a diversidade, atingindo as populações indígenas, negra, LGBTQIA+, mulheres da classe trabalhadora.

O que está nítido é que do lado de lá a estratégia é radical, orgânica e bem operacionalizada. Portanto, a única alternativa do lado de cá para dar conta de fazer o enfrentamento é apresentando a nossa estratégia igualmente radical e bem organizada, através da qual construiremos uma sociedade verdadeiramente igualitária, onde o amor que tanto é pregado pelas igrejas seja respeitado na sua diversidade e que todas as pessoas possam viver dignamente da forma que são.

Uma sociedade em que a vontade do povo é soberana, em que o Estado responde às demandas e garante justiça e direitos à população, é uma sociedade em que as igrejas evangélicas pouco a pouco perderão o sentido e a força que demonstram ter na organização social hoje. ★

(*) Alana Gonçalves é militante do PT e da AE Porto Alegre/RS

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