Eleições Estados Unidos 2024: quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem iguais

Por Jana Silverman (*)

A nove meses das eleições nos EUA, o país se prepara para uma revanche entre os candidatos da última contenda eleitoral presidencial, em 2020.  Para a grande maioria da classe trabalhadora estadunidense, e principalmente para os trabalhadores jovens e para a população de origem árabe, existe pouca empolgação para reviver o mesmo conflito nas urnas de quatro anos atrás, uma espécie de releitura política do filme O Dia da Marmota, mas sem nenhum elemento engraçado ou leviano.  A escolha agora praticamente inevitável entre Biden e Trump vai deixar o povo norte-americano na encruzilhada indesejável de decidir entre um governante cúmplice no trágico genocídio dos palestinos na Faixa de Gaza, acontecendo agora, e um ex-presidente responsável por liderar ataques ousados contra as instituições democráticas estadunidenses.

As ilusões de ter novas opções neste duelo eleitoral se desvaneceram rapidamente, devido, em parte, à insistência do octogenário Joe Biden de não “largar o osso” político e de tentar a reeleição, apesar de suas declarações ao contrário anos atrás.  Segundo a pesquisa da CNN realizada entre 25-30 de janeiro deste ano, Biden conta com apenas 38% de aprovação para a sua gestão, com uma porcentagem recorde de 62% de desaprovação. Mesmo em face desta grande impopularidade, o corrente mainstream do Partido Democrata teve receio de desobedecer aos desejos do presidente atual e estimular o lançamento de outras pré-candidaturas.  Similarmente, a corrente mais à esquerda dentro do Partido também ficou sem pré-candidato desta vez, devido à declaração de apoio eleitoral a Biden proferido pelo senador Bernie Sanders em abril do ano passado, e a falta relativa de experiência de outras possíveis pré-candidatas, como a jovem deputada federal Alexandria Ocasio-Cortez.  Até agora, o presidente Biden já conta com duas vitórias esmagadoras nas eleições primárias nos estados de New Hampshire e South Carolina, uma tendência que provavelmente vai continuar no decorrer das demais primárias nas semanas que estão por vir.

No caso do Trump, parece muito provável que ele se esquivará de qualquer possibilidade de inelegibilidade antes das eleições, não obstante os 92 casos contra ele na Justiça Federal e nos tribunais regionais. Ele atualmente é acusado de crimes que variam entre a evasão fiscal e fraude ao abuso de poder político, e, mais gravemente, violações da décima quarta emenda da Constituição, que não permite que alguém que previamente incitou uma insurreição contra o governo possa se candidatar em eleições futuras.  Neste último caso, as decisões judiciais e administrativas contra a elegibilidade de Trump nos estados de Colorado e Maine foram questionados pelo time jurídico do ex-presidente, jogando a bola da vez no campo da Corte Suprema. E essa Corte Suprema de hoje, que conta com uma supermaioria de ministros conservadores nomeados por presidentes republicanos, não se destaca nem por sua celeridade nem por sua independência política, o que diminui a possibilidade de eles aprovarem uma decisão judicial contra um candidato republicano em tempo hábil para, assim, impactar significativamente o processo de eleições primarias que, aliás, já está em curso.

Dado o fato de o voto não ser obrigatório nos EUA, o resultado eleitoral vai depender da capacidade de mobilização das bases dos partidos Democrata e Republicano para ir e registrar seu voto nas eleições de novembro. Para os republicanos, apesar da derrota de Trump nas contendas de 2020, o ex-presidente ainda comanda uma popularidade enorme na base do partido, com 79% de eleitores republicanos registrando uma opinião favorável dele, segundo uma pesquisa YouGov realizada entre 28-30 de janeiro deste ano.  Por mais que 57% da população geral dos EUA tenha uma opinião desfavorável de Trump, ele ainda poderia vencer nas eleições sem ganhar o voto popular, devido ao sistema antiquado e antidemocrático do voto indireto (o Colégio Eleitoral), que selou sua vitória nas eleições de 2016.

Para o partido Democrata, existe um descontamento profundo com o governo Biden entre segmentos de algumas bases importantes do partido, como os eleitores jovens e os eleitores não-brancos.  Esta insatisfação decorre, em parte, do encerramento de programas sociais populares lançados por Biden na pandemia, como o oferecimento de merendas escolares de graça para todos os estudantes da rede pública, e a suspensão de pagamentos de dívidas estudantis decorridas dos altíssimos custos de matrícula nas instituições de educação superior no país, combinado com um ressurgimento da inflação de preços da cesta básica familiar, principalmente entre os anos 2021-2022.  Aliás, desde outubro de 2023, uma fração muito significativa dos eleitores democratas não concordam com o apoio político e militar irrestrito oferecido pelo governo Biden ao governo e forças armadas israelitas, responsáveis pelo genocídio em tempo real que estamos testemunhando atualmente contra o povo palestino em Gaza. Segundo uma pesquisa realizada em dezembro de 2023 pelo New York Times, 72% de jovens entre 18-29 anos de idade não apoiam a política atual do Biden com respeito ao conflito entre Israel e Hamas, e segundo outra pesquisa, de outubro de 2023, só 17% dos americanos de ascendência árabe tiveram uma opinião favorável da atuação de Biden neste quesito.  Isto poderia pôr em perigo as chances eleitorais de Biden em novembro se ele não mudar radicalmente sua política externa no Meio Oriente, dado que 62% dos jovens e 64% dos americanos descendentes de árabes votaram por ele nas eleições de 2020.

A história recente dos EUA tem nos mostrado que nenhuma das duas opções políticas atualmente em oferta atenderá plenamente as necessidades dos trabalhadores, mas também a esquerda não pode ser indiferente à conjuntura eleitoral. Muitos debates estratégicos acontecerão nas semanas e meses por vir para poder orientar uma esquerda jovem em ascenso, mas com pouca representatividade nas esferas federais da política estadunidense. A única certeza agora é que, independentemente de quem sair vitorioso em novembro, só a mobilização autônoma da classe trabalhadora vai poder preservar e ampliar a democracia nos EUA e parar o apoio estadunidense para as guerras em Gaza, Ucrânia e além.

 (*) Jana Silverman é co-coordenadora do Comitê Internacional Socialistas Democráticos dos EUA (DSA) e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC).

 

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