Em tempos de crise, o caminho deve ser sempre o da esquerda

Por Varlindo Nascimento (*)

Recentemente, lendo o relato do jornalista alemão Sebastian Haffner em seu livro sobre a derrota da revolução proletária alemã de 1918/1919, foi praticamente impossível não traçar uma correlação com o momento político brasileiro e a necessidade de que a esquerda, em especial o PT, adote uma linha de ação que esteja em acordo com os anseios dos setores populares. Caso contrário, o preço a pagar pode ser muito alto.

Contextualizando o processo revolucionário alemão, tal como no caso da Rússia, a degradação provocada pela Primeira Grande Guerra na vida da classe trabalhadora criava um caldo latente de revolta contra um Estado monárquico, sustentado e legitimado pela classe burguesa. Porém, é necessário que façamos uma pequena digressão até o período de unificação da Alemanha, na segunda metade do século XIX. Constituído logo após o final da Guerra Franco-Prussiana o Estado alemão foi fruto da unificação entre uma série de pequenos Estados de origem germânica e o poderoso Reino da Prússia, que se propunha a realizar o processo de modernização do novo país sobre bases imperialistas.

Em paralelo à fundação do Segundo Reich, comandado pelo Kaiser Guilherme I e pelo Chanceler Otto Von Bismarck, era fundado também o Partido Social Democrata Alemão (SPD). Vale lembrar que, naquele momento histórico, ser social-democrata era praticamente sinônimo de socialista ou comunista. O SPD foi, desde muito cedo, um partido com forte participação parlamentar e o avanço nas condições de vida da maioria da população, em função da modernização do país e do desenvolvimento das suas forças produtivas, criou uma concepção majoritária no partido de que reformas dentro do próprio capitalismo seriam suficientes para a emancipação da classe trabalhadora.

Foi com esta concepção que o SPD chegou à guerra, e foi com ela que o partido cometeu o pior equívoco da sua história. A adesão da grande maioria dos seus parlamentares à aprovação dos créditos de guerra colocou por terra seu caráter proletário, ocasionando um processo de ruptura que tirou de dentro do partido a militância da esquerda revolucionária. A partir daquele momento o SPD era apenas mais um partido burguês, mas um partido burguês que ainda tinha o apoio majoritário dentro da classe trabalhadora.

Com o colapso da Alemanha na guerra o regime militar cedeu o controle do parlamento ao SPD para que o partido fosse o responsável pela rendição do país, o que, no futuro, serviu de narrativa aos setores conservadores contra os próprios socialdemocratas, taxados como traidores da pátria. O que ocorre é que as lideranças do partido, em especial Friedrich Ebert, acreditavam que sua chegada ao poder, mesmo que por vias tortas, teria sido a consumação do processo de ascensão da classe trabalhadora ao poder de Estado, e que isso seria, em si mesma, uma vitória revolucionária. Foi neste sentido que o SPD passou do papel de representante da classe operária para o de agente contrarrevolucionário, se apoiando nas forças mais conservadoras da burguesia e do aparato militar para massacrar e perseguir a sua própria base de apoio. É nesse contexto que se dão os assassinatos de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo.

Ao fim e ao cabo, o que a experiência da revolução alemã nos mostra é que os representantes do operariado se afastaram de um caminho à esquerda, traindo sua base, enquanto atribuíam cada vez mais poderes aos setores reacionários que, na primeira oportunidade, se voltaram contra o SPD e puseram abaixo seu governo, retomando o controle que eles haviam “aberto mão” ao final da guerra.

Podermos fazer uma correlação entre a política adotada pela socialdemocracia alemã e a possível adesão do maior partido da esquerda do brasileira (PT) a uma política rebaixada de “defesa dos valores democráticos”, tratando o termo democracia como um fim em si mesmo, quando, na verdade, a democracia deve ser um instrumento, o caminho sob qual devemos pavimentar uma sociedade livre da exploração do capital.

O debate sobre a possível adesão a uma frente ampla com setores da direita conservadora é central nessa questão, pois pode colocar o partido a reboque de setores que, de fundo, apoiam a mesma política de morte que o atual governo impõe à população pobre e trabalhadora. Neste sentido, cabe ao PT assumir um caminho diametralmente oposto àquele adotado pelo SPD um século atrás. A frente que o partido deve propor é de esquerda, comprometida com os setores espoliados da sociedade. Uma frente que dialogue diretamente com as necessidades dessas pessoas, mesmo que, num primeiro momento, isso cause um certo “isolamento” e custos eleitorais.

O PT precisa voltar a ser um partido estratégico, que tenha como ponto central da sua ação a construção de uma sociedade de novo tipo. A experiência histórica, tanto a alemã quanto a nossa, já nos mostrou que uma política de adaptação ao meio nos dará, no máximo, governos de ocasião entre crises da burguesia. Nosso caminho é um só, o da esquerda. E nossa proposta deve ser uma só, a do socialismo!

(*) Varlindo Nascimento é militante petista em Recife, bacharel em Geografia, pós-graduado em Sindicalismo e Trabalho.

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Referência:

HAFFNER, Sebastian. A Revolução Alemã (1918/1919). São Paulo. Ed. Expressão Popular, 2018.

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