Entrevista com Fábio Rosa: “vitória da política de base” no Sinagências

Com coerência, coragem para mudar e sem concessões a inimigos, Chapa 2 vence eleição do Sinagências

Entrevista publicada na edição de outubro do Jornal Página 13

Em um emocionante pleito, os trabalhadores filiados ao Sindicato Nacional das Agências Reguladoras Nacionais (Sinagências) fizeram história ao escolherem a Chapa 2 “Protagonismo, Renovação e Luta” como a vencedora das eleições para o triênio 2023/2026. Uma vitória onde a chapa não fez concessões, a base se fez ouvir, demonstrou claramente desejo por mudanças e por uma liderança comprometida com seus anseios.

Com 66,57% dos votos, a Chapa 2, encabeçada pelo técnico administrativo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Fábio Gonçalves Rosa, emergiu como a clara vencedora e derrotou a Chapa 1 “Unidade na Regulação”.

Ao todo, 730 servidores votaram nestas eleições. O resultado não é apenas uma vitória numérica, mas das ideias e dos princípios. A nova direção é composta por servidores públicos de oito das 11 agências reguladoras do Brasil (veja quadro abaixo com o nome das agências), e defendeu lutar pela equiparação com o ciclo de gestão, igualdade salarial e jurídica entre o PEC e a carreira nova, retorno das Secretarias Sindicais nos Estados (Sesin’s), enfrentamento à captura regulatória, além de uma gestão mais participativa e compartilhada.

A diretoria e integrantes do conselho fiscal eleitos em 27 de setembro tomaram posse no dia 5 de outubro. O novo presidente do Sinagências, em entrevista ao Jornal Página 13, falou sobre o que levou a chapa à vitória e os principais desafios da nova gestão.

Página 13: A que você atribui a vitória da Chapa 2?

Fábio Gonçalves Rosa: Foi a vitória da política, da linha justa, da coerência, do trabalho de base e de rejeitar determinados pragmatismos e acordos por cima e fazer o debate com quem de fato deve ser feito: a base.

Poderia falar um pouco de quando começa a sua trajetória no movimento sindical até a construção da chapa vitoriosa?

Sou servidor da Anvisa há 13 anos. Estou filiado ao Sindicato desde 2012. Entre 2014 e 2017, participei da direção. Na gestão 2017/2020, renunciei. A gestão, neste último período, foi eleita com um programa de centro-esquerda, com um propósito, mas começou a adotar uma linha camaleônica, a dar um cavalo de pau, a andar com Michel Temer e, depois, quando vem o governo Bolsonaro, as referências começam a ser Olavo de Carvalho nas formulações e aproximação com o fundamentalismo religioso. Muitos nos chamariam de sectários neste cenário, mas o rompimento foi o que a política exigiu. Romper permitiu, em 2021, assumir a Associação dos Servidores da Anvisa, a Univisa, iniciar uma atuação forte e intensa e uma articulação nacional com as lideranças das demais agências.

Qual linha política foi adotada na Univisa?

A nossa linha foi — em vez de sinalizar para o lado de lá, de fazer acordos e concessões — dizer de fato o que precisava ser dito, fazer a crítica, a política correta e prestigiar a nossa base. Estávamos em pleno governo Bolsonaro, uma pandemia em curso. Os servidores estavam amedrontados, havia aquela onda da extrema-direita. A Anvisa foi muito requisitada, um dos focos do negacionismo. Os servidores sofriam assédio institucional por parte do governo do cavernícola, havia medo, muita ansiedade institucional. Em dezembro de 2021, quando tem a aprovação das vacinas infantis e o Bolsonaro vem para cima querendo saber o nome de quem aprovou, não nos intimidamos, fomos para cima também. Criamos uma frente de comunicação, soltamos notas contrárias a essa política, notas em defesa dos servidores. Elas reverberaram, ganharam a mídia. Demos sinalizações muito corajosas. Isso permitiu um refluxo da extrema-direita dentro da Anvisa. Com essa posição de enfrentamento, nossa base, que é progressista, democrática, de esquerda, passou a se sentir prestigiada, a se sentir representada e a resistir. Neste processo, inclusive, conseguimos ampliar a associação, trazer outros quadros. Enquanto enfrentávamos o negacionismo, marcando posição, a política do Sindicato era a de adesão total ao governo Bolsonaro. Para ter uma ideia, defenderam a Reforma Administrativa prevista na PEC 32, soltaram artigo negacionista, viraram as costas para a categoria. Esse movimento foi fatal. Enquanto eles andavam de mãos dadas com o a extrema-direita, fomos costurando a articulação nacional que culminou na formação da Chapa 2, vitoriosa no processo eleitoral deste ano.

Com base na sua eleição, você diria que o fundamental para as entidades sindicais, independentes de governos, é manter a conexão com a base e a vida real dos trabalhadores?

Sindicato é sindicato, partido é partido, governo é governo. O fundamental é estabelecer um diálogo a partir das necessidades das pessoas, a partir de uma relação de representação e, daí para frente, você consegue ser ouvido, consegue discutir e trazer outras dimensões da política para sua categoria, para a sua base. Isso nada mais é do que você conectar a sua vida, o seu trabalho com o que está acontecendo no mundo. Não tenho dúvida que a nossa eleição é um recado muito expressivo contra o pragmatismo. Fomos procurados para fazer composição, fomos procurados para estar junto, para fazer aquele grande acordão do nosso campo, mas recusamos. Mesmo com todas as pressões, mantivemos a linha da coerência e a linha política que vínhamos construindo junto à nossa base. Essa coerência foi reconhecida e, hoje, estamos num processo de muita esperança na categoria. Nossa gestão está animada e preparada para poder atender às expectativas e tocar o Sindicato, as necessárias e fundamentais lutas junto com os seus trabalhadores.

Em algum momento pensaram em recuar, desistir da eleição? Não tiveram receio da derrota para a máquina sindical?

Enfrentamos uma série de percalços, sabíamos que a correlação de forças era muito desfavorável. A linha que adotamos vai contra, em certa medida, ao senso comum da política que é: eu tenho uma base de apoio e se eu venço as eleições vou começar a fazer sinais lá para o outro lado. Fizemos o contrário disto. Tínhamos muita certeza e convicção que valia a pena romper com isso, correr o risco, manter a coerência, a construção pela base e a defesa incondicional dos direitos dos trabalhadores, sem concessão. Foi fundamental enfrentar o discurso da extrema-direita, porque a nossa base se sentiu encorajada, prestigiada, viu que, se tinha quem enfrentava, poderia colar naquele enfrentamento. Durante todo o processo na Univisa, nos dedicamos a fortalecer a base e, nas eleições, trazê-la para o processo eleitoral. O resultado foi um crescimento muito grande do nosso movimento, de forma legítima. O processo começou na Anvisa, depois criamos o coletivo sindical para mobilizar outras agências e isso foi se espalhando, a esperança foi se expandindo e culminou na vitória da Chapa 2.

Quais são os principais desafios da nova gestão?

Em termos de pauta sindical, sobretudo no que diz respeito às nossas carreiras, esperamos avançar para que companheiros que foram absorvidos de diversos departamentos na criação das agências, no final dos anos 90, início dos anos 2000, sejam incorporados na Lei das Carreiras, sancionada em 2004. Eles ficaram de fora da lei e essa diferenciação de servidores é uma distorção histórica, uma injustiça, precisa ser corrigida, inclusive para resolver um problema sindical da categoria, que é extremamente rachada por essa divisão. Outra coisa tem a ver como o nosso patamar remuneratório, os salários das agências precisam ser equiparados ao patamar das carreiras do ciclo de gestão. Precisamos avançar também no fortalecimento das agências. Elas são capacidades estatais para garantir direitos, acesso e serviços à população e devem estar na agenda de desenvolvimento do Brasil do século 21. Uma vez fortalecidas, precisam se conectar com os anseios, os desejos e as demandas do povo brasileiro para que tenhamos um novo tipo de desenvolvimento, que beneficie o mercado interno, que garanta soberania e que o País não fique refém apenas do capital externo.

O que a nova direção pretende fazer para ampliar o número de filiados ao Sindicato? São 10 mil trabalhadores ligados às 11 agências de regulação e apenas 2 mil filiados.

Vamos ter que empreender um grande processo, uma campanha de filiação que não é só o ‘filie-se’, mas que recupere a legitimidade e a autoridade moral do Sindicato nas relações de trabalho e faça que seja reconhecido. Tivemos lutas enormes e importantes até 2012, mas, de lá para cá, as gestões foram burocráticas, de alianças por cima com a gestão das agências e dos governos. Houve pouco olhar para o dia a dia dos trabalhadores, questões de segurança do trabalho e problemas de assédio que a base enfrenta. Em vez de pedir um voto de confiança, vamos dar o primeiro passo, mostrar serviço. Não tenho dúvida que temos condições de promover uma grande unificação da categoria em torno do Sinagências, ampliar a nossa legitimidade e base filiada. Um dos desafios é reconectar o Sinagências ao conjunto do Movimento Sindical e das lutas populares. No último período, fomos desfiliados de forma irregular da CUT e do Fonacate, que é o Fórum Nacional Permanente de Carreiras de Estado. Esses laços serão retomados para ganharmos musculatura enquanto categoria, inclusive nas questões transversais. Para enfrentarmos o desfinanciamento do Estado, o desmonte das capacidades estatais, é preciso fortalecer a luta contra a ideologia da austeridade fiscal, do financismo. O Orçamento público não é uma peça contábil. É uma peça política. Esses recursos que estão indo para o mercado financeiro, para o rentismo e outros setores mais retrógrados da economia precisam se reverter na capacidade de investimento do Estado para o desenvolvimento econômico, social e sustentável e em qualidade de vida população para brasileira. Esse é o desafio que tem o movimento social e o conjunto da sociedade: entender que essa não é a birra de um governo contra uma ou outra categoria. É uma lógica que enreda todos os governos e só vamos conseguir avançar se disputarmos essa lógica financista, se não cairmos no senso comum de apenas achar que o governo precisa me dar. É preciso entender que do lado de lá está todo o poder de banqueiros, do capital nacional e internacional disputando como podem os recursos públicos. Se do lado de cá não estivermos organizados e muito unidos para equilibrar esse cabo de guerra, eles vão ganhar todas.


(*) redacao@pagina13.org.br

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