Por Luiz Sérgio Canário (*)
Capa do Estadão no golpe de 1964
O subtítulo do editorial é: “O PT não se desculpa por seus erros, e aqueles que o partido não pretende repetir, julga ter poder de apagar”. E a primeira linha: “Desde que o PT precipitou a maior crise econômica, política e moral da Nova República, a população esperou em vão por um mísero mea culpa.”
Para aqueles que ainda acham ser possível algum tipo de composição, para não usar a palavra maldita e tão odiada por amplos setores da esquerda, conciliação, em 2022, como em 2002, esse editorial mostra os limites dessa possibilidade: não há possibilidade. O editorial é um infindável desfile de razões para a direita se manter afastada do PT e de Lula. Usa auditorias feitas com empresas dos EUA, relatórios do TCU, delações premiadas e todo o resto do arsenal para garantir que o partido é uma quadrilha liderada por Lula. Além de trocar Pituba, bairro de Salvador, por Pirituba, bairro da capital de São Paulo, quando fala da construção de um edifício para a Petrobrás.
O editorial encerra com “… o que permite prever que a campanha de 2022, mantido o favoritismo de Lula e Bolsonaro, fará corar o próprio Pinóquio.”. A única referência ao nome do atual presidente. Se não o critica, também não defende, talvez esperando a tal terceira via, mas mantendo as pontes que liga o jornal ao bolsonarismo.
Se nem com uma sinalização como essa os arautos de uma aproximação com a direta e os defensores de uma frente amplíssima não entenderem os limites de sua posição, trataremos 2022 como 2002, e isso certamente será trágico. Não há evidências sólidas de que a direita, mesmo a gourmet, esteja disposta a nos apoiar em 2022. Alguns pequenos setores, talvez.
Mesmo em um provável segundo turno contra Bolsonaro. Acreditar que as classes dominantes deram um golpe em 2016 para tirar Dilma e colocar Temer com sua Ponte para o Futuro, prenderam Lula por mais de um ano e em seguida elegeram Bolsonaro para fazer a terra arrasada que está em construção, para depois entregar o governo para Lula e o PT deve acreditar em Papai Noel e na Mula sem Cabeça.
Em outro trecho do editorial, está: “O PT se opôs a reformas modernizantes como a da Previdência, opõe-se a outras, como a administrativa, e não oferece alternativas construtivas aos desmandos que acusa. Em campanha eleitoral, o partido se mostra incapaz de propor uma agenda positiva para o futuro, muito menos de reconhecer os erros do passado. Ao contrário, afirma que vai repeti-los, por exemplo, implodindo o teto de gastos que estancou a hemorragia fiscal deflagrada no governo Dilma Rousseff.”. A sinalização é toda completamente desfavorável ao partido. Se ganharmos as eleições destruiremos toda a “modernização” e compromissos com uma certa “responsabilidade fiscal”. Para bom entendedor fica evidente que se vamos governar fazendo o que precisa ser feito, reconstruir as bases de um estado minimamente responsável com seu povo, não nos querem governando.
Até onde iremos com essa postura de procurar construir acordos com todo mundo, inclusive com golpistas, ladrões e setores do centrão? Até onde vai a discussão sobre termos um vice-presidente de direita? A experiência com Temer não foi suficiente?
Claro que temos que buscar apoio. Mas apoio não significa rebaixar a negociação ao ponto de darmos as costas para demandas importantes de nosso povo. Não significa estabelecer compromissos de preservação de políticas macroeconômicas e fiscais que nos impeçam de atender as demandas populares. Não significa aceitarmos a continuação de um Banco Central “independente” do governo, mas dependente da banca. Se o que Lula quando fala que o “povo tem caber no orçamento” é verdadeiro, o orçamento não pode ser limitado por políticas fiscais que privilegiem o capital financeiro. Toda a política econômica deve estar subordinada exatamente a colocar em seu centro o atendimento das demandas da classe trabalhadora e do povo.
Certamente os setores da classe dominante cujos interesses o Estadão defende não irão estar dispostos a aceitar um governo Lula com o programa que ele precisa ter. E se rebaixarmos o nosso programa a ponto do Estadão mudar de posição perderemos a oportunidade de construir uma alternativa de poder popular por mais de uma geração. Acabaremos com a confiança que a classe trabalhadora e o povo têm no maior partido de esquerda e por consequência em toda a esquerda. O que estamos construindo nos últimos 40 anos se perderá. E exigirá um esforço descomunal para ser reconstruído.
Assim o caminho é o de atar fortes laços com a classe e com o povo. São esses laços que nos farão vencer as eleições em uma posição de força, sem depender de acordos rebaixados, e garantirão a força necessária para governarmos.
(*) Luiz Sérgio Canário é militante petista em São Paulo-SP