Júlio Quadros entrevista Pietra Dolomita, do Povo Apurinã, que investiu nos estudos acadêmicos e se manteve fiel à causa Indígena ancestral.
Kuawa Kapukaya Apurina – Pietra Dolomita
Página 13. Quem é Pietra Dolomita?
Pietra Dolomita. Kuawa Kapukaya Apurina – Pietra Dolomita- indígena do Povo Apurinã do Sul do Amazonas. Algumas das minhas referências de luta são: Valdelice Veron Kaiowá, na terra Indígena Taquara Juti em Mato Grosso do Sul e o Cacique Umanary, da Terra Indígena Camicuã, em Boca do Acre, Amazonas. Vivo no contexto atualmente urbano para estudos, estou mestra em Educação (IFSul) e mestra em Antropologia (UFPel), bacharel em Direito e licenciada em Artes Visuais. Estes são os papeis e documentos para os não indígenas, porque sou mesmo uma indígena guerreira, dos Povos Indígenas que vivem um processo de resistência desde 1500, quando chegaram as caravelas com os invasores e invadiram os nossos territórios, e disseram que não éramos pessoas, e foi preciso “uma bula papal para dizer que tínhamos Alma”. Pertenço aos Apurinã, mas existem, atualmente 305 povos indígenas, falamos 274 Línguas, e ocupamos todo o território que chamam de Brasil, e que antes era chamado de Pindorama. Os Apurinã viveram os processos de resistência, pois também sofreram extermínio, pela ação dos seringueiros, no período da 1ª e 2ª Guerras em busca da borracha e atualmente avança nos territórios a pecuária.
O Brasil e a Resistência nos dias de Hoje?
Os projetos genocidas sempre aconteceram contra os Povos indígenas, o projeto do governo Bolsonaro é mais um genocida, não é o primeiro. Primeiramente com a chegada dos Jesuítas, com um processo de domesticação e docilização dos nossos corpos e Deuses, apagando, ou tentando fazer com as nossas culturas, depois veio o projeto integracionista que o indígena deveria ser cidadão. Houve escravidão indígena no Brasil, exemplo dos Pataxo e Tupinambá podem ser citados nestes processos, entre outros povos. E na Amazônia, para a exploração da borracha e das “drogas dos sertões”. As grandes multinacionais estão adentrando a Amazônia há anos, e nada é feito. Houve um desmonte da FUNAI ao longo de décadas, para que as ONGs estrangeiras ou financiadores tenha acesso aos povos indígenas. Haverá uma militarização dos nossos territórios.
A Constituição Federal de 1988, após séculos de lutas e morte, no seu corpo feito de palavras, diz sobre a demarcação das terras indígenas, que até hoje lutamos para demarcar.
Este governo é apenas o reflexo da sociedade. Não me espanto que tenha sido eleito. Pois quando a esquerda assumiu o Poder (Lula e Dilma), eles não cumpriram o pacto que tinham com os povos indígenas. O Governo de Dilma Roussef construiu Belo Monte, que destruiu todo um ecossistema e os modos de vida dos povos daqueles territórios afetados pela Usina. Na realidade o golpe já aconteceu, o que estamos assistindo são as consequências deste golpe, que atinge em cheio as comunidades indígenas, os negros e os pobres do Brasil. A Esquerda Cirandeira não entende isto. Estamos encurralados!
Cita Um Exemplo do que é Esquerda Cirandeira?
Para analisar, Eduardo Moreira é banqueiro e narrador dos 70%. Com uma mídia poderosa que brota. Qual seu interesse? A burguesia branca se antecipa com uma contrarrevolução para conter as massas, está tudo bem armado, a manipulação, eles sequestram a voz do povo, dizem no lugar do povo, esses brancos burgueses sempre fizeram isto, falam em nome do povo para tutelar este povo, para não ter seus privilégios ameaçados.
Porque não questionaram o 1 trilhão e 200 bilhões que o congresso votou para socorrer bancos, grandes empresas e multinacionais?
Existe uma pseudo-esquerda pequeno-burguesa que está no jogo do governo (sistema), não é, não foi e nunca será oposição, mas é a outra cara do governo (sistema), pois uns estão à direita e outros à esquerda do capital, mais o capitalismo é o elo de ambos….
Qual o Nosso caminho?
Primeiro aqueles que dizem defender a humanidade e os povos precisam romper os laços e pactos com o dito fascismo, que tem nome e sobrenome. Abrir mão dos seus conchavos e privilégios brancos. Enquanto houver negociatas, e enquanto houver uma passividade o Brasil-Pindorama continuara assim, refém de tudo isto. Penso sim, em uma revolução popular que será construída pela resistência de base. Não adianta fazer live na Internet, para cima e para baixo, e abandonar as bases. Abandonaram as bases e a periferia, e os evangélicos tomaram conta e estes alienaram o povo. Precisamos de um projeto de educação e fortalecimento do SUS. A revolução é derrubar todas estas esferas de poder corrompido que está posto e construir um Brasil, um Pindorama com todos os povos.
Também não serve a situação, onde muitas Ongs tomaram conta do movimento indígena com um discurso neoliberal disfarçado da lógica do discurso ecológico. Na mesma lógica da esquerda que não consegue romper os laços e pactos com parte dos nossos do poder. Precisamos parar com estas palavras soltas e interesseiras. Vamos fechar as mãos e transformar em punhos, esconder os dedos da Paz e Amor, para conseguir a Paz, precisaremos fazer a guerra primeiro. Precisamos de pessoas que não estão capturadas pelo poder, ongs ou partidos políticos, mas guerreiros e guerreiras que irão fazer o que é preciso na hora mais escura deste pais.
Os povos indígenas são a prova viva que existe outro modo de vida, e isso causa ódio de quem defende o capital e os bens apodrecidos. As mineradoras e os garimpos estão na Amazônia, os especuladores imobiliários na mata atlântica, o Cerrado queima para pastagem e a soja. Não queremos salvar apenas a Mãe terra, mas sim a todos nós.
A noite recém começou e será uma noite de chuva, onde a nossa jiboia da floresta luta contra a serpente do fogo do capitalismo. É necessário compreender a mensagem da terra. Ela está dizendo agora Basta! E se ela morrer todos nós morreremos. A sociedade precisa entender e mudar a lógica do consumo.
Gostaria de deixar uma mensagem?
O tempo é uma apreensão da realidade, que tenho muito cuidado com ele e o que faço. Muitas vezes, não tenho tempo para inquietudes que atravessam o espírito, e vou seguindo. Apreendi com as mazelas da vida outras formas de compreender os sentidos do que quer a vida, esta experiência terrena que vive o corpo.
Nestes tempos de chuva grossa e na noite escura que estamos atravessando, as pessoas estão se mostrando. Nós povos indígenas sempre lutamos contra todas as opressões impostas pela sociedade envolvente, e não será agora que iremos recuar, pois temos as lições do passado e o presente possível resistindo, vejo algumas pessoas desprezando as nossas bases e os velho/as com um saber imposto de uma verdade utópica. A luta dos povos indígenas é pela nossa Mãe Terra, se não lutar por isto, tudo será esvaziado pela vaidade comum e um espelho que refletirá um corpo enfeitado e vazio de vaidade colonizada. O nós é maior que o eu.
Não tenho medo, passei muito tempo estudando o não indígena, para saber sobre maldade, racismo, xenofobia. Eu sei quem são vocês. E vocês sabem quem eu sou?
A minha força está no meu espirito que vive e não serão as balas dos ruralistas que irão me calar.