Por Marcos Jakoby (*)
Segundo alguns portais de notícias, hoje (05) será veiculado em jornais de grande circulação um manifesto, articulado pela FIESP (Federação das Indústrias de SP), intitulado “Em defesa da Democracia e da Justiça” (que pode ser conferido ao final deste texto).
Segundo também alguns portais de notícias, o manifesto empresarial será lido no dia 11 de agosto, mesma data em que a Faculdade de Direito da USP realizará um evento em defesa da democracia. Na ocasião, um outro documento, organizado por juristas e intitulado “Carta aos Brasileiros”, que reúne assinaturas individuais, também será lido em ato público.
O manifesto da FIESP conta com assinaturas de mais de cem entidades. Entre elas, entidades do agronegócio, a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), a Federação do Comércio de São Paulo e associações da indústria médica. Setores da burguesia brasileira que apoiaram a eleição de Bolsonaro e que continuam defendendo a política econômica de seu governo.
O conteúdo do manifesto afirma que “reiteramos o compromisso inarredável com a soberania do povo brasileiro expressa pelo voto”. Em outro trecho, cita que “a estabilidade democrática, o respeito ao Estado de Direito e o desenvolvimento são condições indispensáveis para o Brasil superar seus principais desafios”.
Mais à frente, o manifesto faz elogios rasgados às “instituições brasileiras”, que por meio de sua força teriam sido as responsáveis pela superação de “diversas mazelas da nossa sociedade” e que “elas teriam sido sólidas o suficiente para garantir a execução de governos de diferentes espectros políticos”. Parece que nesse “espectro político” “democrático” não cabe a esquerda e os setores populares, pois nem o STF e nem o Congresso estavam “sólidos” o suficiente para garantir que o governo legítimo de Dilma não fosse interrompido por um impeachment sem crime de responsabilidade, ou para impedir que uma operação judicial criminosa prendesse ilegalmente Lula. Mas adiante, o documento afirma que as instituições “continuam garantindo o avanço civilizatório da sociedade brasileira”.
Em outro parágrafo, diz que “queremos um país próspero, justo e solidário, guiado pelos princípios republicanos expressos na Constituição, à qual todos nos curvamos, confiantes na vontade superior da democracia. Ela se fortalece com união, reformando o que exige reparos, não destruindo; somando as esperanças por um Brasil altivo e pacífico, não subtraindo-as com slogans e divisionismos que ameaçam a paz e o desenvolvimento almejados”.
Tudo muito bonito, mas que não passa de um discurso vazio, abstrato e que oculta a responsabilidade de parcelas da classe dominante, representadas por suas entidades no manifesto, e também do próprio governo Bolsonaro, na crise atual, no golpismo, e que, portanto, não se propõe a fazer uma defesa da democracia, mas sim busca um reposicionamento político, que cabe em outra oportunidade analisarmos.
Ou como explicar que o manifesto, em nenhuma linha, aponte de onde vem os riscos e os ataques às liberdades democráticas? Para que se tenha uma ideia, em nenhum momento Bolsonaro e suas ameaças de golpe são citados ou criticados. Talvez um movimento da entidade, que se notabilizou pelos patos amarelos e o apoio político e financeiro ao golpe de 2016, nos ajude a ilustrar o quanto o manifesto (não) é consequente com a defesa da democracia: a FIESP chegou a convidar o próprio Bolsonaro, que se recusou, a assinar o manifesto. Um manifesto em defesa da democracia, que poderia contar com a assinatura do personagem que lidera atualmente o golpismo no Brasil, ao invés de denunciá-lo, pode ser sério? Fica evidente tratar-se de uma movimentação que tem outros interesses políticos e que usa a “defesa da democracia” como pretexto.
Aliás, é bom perguntar e lembrar, onde estava a FIESP, o agronegócio e o grande empresariado e seu “compromisso inarredável com a soberania do povo brasileiro expressa pelo voto” em 2016, quando a soberania popular foi violada ou quando Bolsonaro foi eleito em 2018 prometendo “fuzilar a petralhada” e atacar os direitos indígenas, das mulheres, dos negros, dos camponeses e dos trabalhadores organizados? Agora estes mesmos se apresentam como os arautos defensores da democracia, como se nada tivesse acontecido e querem que acreditemos que estão genuinamente preocupados em defender a democracia e as liberdades democráticas?
Em outra direção, o manifesto liderado pela FIESP também aplaude a “força das instituições” que vem garantindo “o avanço civilizatório” no Brasil. O manifesto esquece de dizer que vivemos um dos períodos de grandes retrocessos econômicos, sociais e políticos e que as “nossas instituições” não foram e não são uma barreira para impedir a barbárie que toma proporções cada vez maiores em nosso país. Claro que não para os bancos, setores do grande empresariado e do agronegócio, signatários do manifesto, que têm seus lucros assegurados e ampliados no período recente, inclusive no governo Bolsonaro, em detrimento do empobrecimento da maioria do povo brasileiro.
Se as instituições do Estado brasileiro, do judiciário ao legislativo, realmente fossem “garantidoras” do “avanço civilizatório” no país teriam sido um ponto de apoio importante e crucial para impedir o genocídio diante da Covid-19, a destruição dos direitos trabalhistas e previdenciários, a fome e a miséria – que assolam milhões de brasileiros, o avanço do garimpo ilegal e do desmatamento, a militarização da educação, a violência policial contra a juventude pobre e periférica, a privatização e a destruição dos serviços públicos, a violência política, sem falar do golpe contra Dilma e a prisão de Lula para evitar que ele participasse das eleições de 2018. Em todos esses retrocessos civilizatórios, e em outros inúmeros, a postura e o papel que predominou nas “instituições” foi a de omissão ou da colaboração.
E como lembra um companheiro, é inconcebível aos trabalhadores e a juventude ver a assinatura da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da União Nacional dos Estudantes (UNE) “num manifesto que a pretexto de responder às ameaças golpistas de Bolsonaro faz um balanço mascarado de “civilizatório” de todas investidas que o capital financeiro, os empresários da indústria e do agronegócio promoveram juntos com Bolsonaro e as instituições”.
Ademais, organizações populares e democráticas emprestarem sua credibilidade para que entidades e setores golpistas e neoliberais reabilitem seu verniz democrático é um erro político, pois ali na frente estarão novamente operando um novo golpe contra nós e teremos que derrotá-los pelo que são: golpistas, reacionários e neoliberais. Muitos dos quais estarão aliados a Bolsonaro, no primeiro ou segundo turno, talvez sob uma repactuação em que todos supostamente estariam de acordo com as instituições, que, por sua vez, seriam supostamente as garantidoras da “estabilidade democrática”. Não cabe a nós semear ilusões, ótimo que possa haver conflitos e divergências do lado de lá, mas é imprescindível que tenhamos presente que o alcance do compromisso democrático da Fiesp, do capital financeiro e do grande empresariado não é muito diferente daquele de Bolsonaro.
(*) Marcos Jakoby é professor e militante do PT