Por Patrick Araújo (*)
Apesar de uma evidente subnotificação, principalmente pela baixa quantidade de testes realizados, o Brasil é o país com o maior número de pessoas contaminadas, mortas e com a mais elevada taxa de letalidade da covid-19 na América Latina. O país ultrapassou no início do mês de maio mais de 100.000 casos e quase 8.000 óbitos. Modelos analíticos indicam que caso seja adotada uma política mais firme de isolamento, o melhor cenário é de que ocorram aproximadamente 40.000 mortes, sendo que uma flexibilização das medidas pode elevar este número para milhões.
Frente a esta constatação, Bolsonaro e seu governo continuam atuando como os principais aliados do vírus. O governo federal não age no combate a pandemia e relegou as ações para os estados e municípios. Além disso, tem usado a crise sanitária como arma política, coesionando sua base social contra os adversários, eliminando ex-aliados, concentrando mais poderes e travando uma disputa em busca de cada vez mais controle sobre o aparato de Estado.
Nesta disputa, Bolsonaro tem contado com o apoio de setores importantes das forças armadas (principalmente do exército), das polícias militares, das milícias, do empresariado e de uma fração do oligopólio da mídia associada aos grupos evangélicos mais conservadores.
É, portanto, entre o avanço de um vírus mortal e a escalada autoritária de um governo neofascista e ultraliberal que se encontram as trabalhadoras e os trabalhadores no Brasil. Por esta razão, a luta travada pela classe no país é indissociável do enfrentamento conjunto ao vírus e ao governo de Jair Bolsonaro.
Esta luta, por sua vez, que já vinha sendo travada de forma frágil, está se dando em condições ainda mais desfavoráveis para os trabalhadores, principalmente os mais pobres, neste momento de pandemia. Apenas alguns setores da classe trabalhadora, apesar e contra as políticas do governo federal, estão conseguindo manter sua renda, seus empregos e seguir as recomendações de distanciamento social.
Mas uma parcela expressiva do povo não está conseguindo garantir sequer sua moradia, sua alimentação ou a higiene para se proteger do vírus. Nesse aspecto, a pandemia tem evidenciado a catástrofe que significou o desmonte do Estado brasileiro iniciado a partir do golpe de 2016, afetando diretamente o SUS, o SUAS, os empregos e a rede de proteção e seguridade social.
A renda básica emergencial aprovada pelo congresso em março ainda não chegou para milhões de pessoas, que cada vez mais se aglomeram nas agências da Caixa Econômica Federal. Do total de 96,9 milhões que deram entrada no pedido de auxílio, 32,77 milhões foram consideradas inelegíveis e 13,67 milhões de pedidos ainda estão sob análise.
Ao passo que o dinheiro não chega e que o governo incentiva a flexibilização do isolamento, mais e mais pessoas buscam nas ruas e na informalidade algum tipo de renda. A consequência tem sido o aumento progressivo dos casos e as primeiras decisões judiciais que obrigam o chamado lockdown, ou seja, a política de confinamento, já decretada em algumas cidades do Maranhão.
Assim, a associação do governo Bolsonaro com o vírus vai aprofundando a situação de crise sanitária, social, econômica e política. No entanto, isso ainda não tem tido como consequência o enfraquecimento do bolsonarismo, que tem conseguido manter seus índices de aprovação e até crescido entre setores mais populares.
Como é possível perceber a partir do meio do mês de abril, houve uma mudança na tática de Bolsonaro. Os frequentes pronunciamentos em rede nacional, a partir dos quais começaram os panelaços, acabaram. Os ministros que estavam em alguma medida disputando espaço e protagonismo no governo, foram demitidos. Uma nova leva de militares passou a ocupar postos no governo e cada vez mais carreatas e atos passaram a ocorrer. Nitidamente, Bolsonaro se prepara e se organiza para uma batalha que ele sabe que chegará.
A questão que se coloca é como as forças democráticas e de esquerda atuarão. Até o momento, há uma dispersão tática. O próprio Partido dos Trabalhadores apenas no dia 02 de maio aprovou sua resolução final sobre o Fora Bolsonaro. Mas um dia antes, no 1º de maio, as centrais sindicais realizaram um ato virtual em que convidaram figuras como Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e Fernando Henrique Cardoso para participar (sendo que este último enviou e teve seu vídeo devidamente exibido).
Além disso, a bancada do PT no Senado Federal e parte da bancada na Câmara, além de partidos como o PCdoB, o PSB e o PDT, votaram a favor de uma medida que permite o congelamento dos salários dos servidores públicos. Ou seja, enquanto o bolsonarismo avança com uma tática muito bem definida e coesiona sua base social, a maioria das esquerdas vacilam em como fazer o enfrentamento.
É por isso que as forças democráticas e populares precisam avançar sobre o núcleo da política bolsonarista e apresentar uma alternativa para o projeto que ela representa, polarizando a disputa, e não buscando atalhos ou saídas como o que aconteceu no 1º de maio e nas votações do Senado e da Câmara.
A luta contra o neofascismo e o programa ultraliberal, expressos por Bolsonaro, Mourão e toda a coalisão golpista não admite vacilações. É polarizando a disputa política por meio de um programa democrático e popular articulado com uma estratégia socialista que conseguiremos avançar. Republicanismo, neste momento, significa água no moinho do autoritarismo.
(*) Patrick Araújo integra o Diretório Nacional do PT