Por Ivonete Cruz e Izabel Costa (*)
A Conferência Nacional de Educação (CONAE) ocorreu de 28 a 30 de janeiro de 2024, em Brasília. O evento demonstrou o acerto da antecipação extraordinária desse processo, dada a urgência de recomposição e de mobilização do campo educacional após o desmantelamento imposto desde o golpe de 2016 e a derrota eleitoral da extrema-direita.
A realização da CONAE é resultado de uma das medidas importantes tomadas no ano de 2023, a recomposição do Fórum Nacional de Educação, que reconduziu à sua composição entidades e movimentos sociais comprometidos com a concepção de educação progressista e emancipatória.
Antecedeu a CONAE a construção do texto base, debatido e emendado nas Conferências municipais, estaduais e distritais. Marcadas por muitos percalços, diversos governos comprometidos com a lógica mercantil da educação, que pouco fizeram para garantir as condições materiais para a plena realização desse encontro.
Desse ponto de vista, a Conferência, limitada em sua delegação, foi um sucesso. Demonstrou a capacidade de mobilização e de organização do campo da educação, especialmente de seus movimentos sociais.
Semanas antes da CONAE, as(os) delegadas(os) se depararam com denúncias de que a extrema-direita se preparava para sabotar a Conferência. Muito se falou sobre a presença massiva de bolsonaristas no local das atividades, o que poderia levar a conflitos incontornáveis. Diversas(os) companheiras(os) temeram pela segurança do evento. Iniciativas parlamentares de adiamento da Conferência foram aventadas. Pressão para enfraquecer e desmontar o principal encontro da educação nacional. Enfraquecer a disposição de luta das(os) educadoras(es).
Apesar dos temores, a CONAE não se tornou a arena de disputa escolhida pela extrema-direita. Suas teses não foram majoritárias nas Conferências municipais e estaduais, mesmo com a presença militante nesses espaços. Numericamente, eram muito inferiores na delegação nacional.
Optaram, assim, pela organização de um encontro paralelo. O que indica que a luta está apenas no começo. O lugar da disputa, já em curso, são as diversas redes de relações sociais, mediadas ou não pela internet, e, como não poderia deixar de ser, a incidência sobre o, novamente, congresso mais conservador da história.
Esse fato também nos indica que o campo popular ainda não compreendeu concretamente que a extrema direita não é um fenômeno passageiro, que não está desarticulada devido à importante derrota eleitoral, que fazem política, se organizam e disputam a sua visão de mundo.
Se a extrema direita estava diminuta, a CONAE também expressou que o embate contra o neoliberalismo na educação está plenamente em curso. Assim como os primeiros, o campo neoliberal da educação pouco se interessou por realizar a disputa das suas concepções nas etapas das conferências. Pelo contrário. Apesar da força visível, a sua presença foi pequena ou ausente em diversos encontros locais.
Mas não nos enganemos. O empresariado da educação tem como principal arena de disputa a opinião pública em geral, os executivos e legislativos dos milhares de municípios e estados do país. E avança a pleno vapor em suas pautas no Ministério da Educação de Camilo Santana. Portanto, finalizada a CONAE, a disputa vai para o Congresso Nacional, para que o texto base aprovado se transforme em Lei, no Plano Nacional de Educação para o próximo decênio (2024-2034).
O texto, de forma geral, defende os avanços acumulados pelos movimentos sociais da educação, rechaçando políticas privatistas e meritocráticas. Destacam-se especialmente as votações que consagraram a revogação da Reforma do Ensino Médio; os 10% do PIB para a Educação; a regulamentação do Custo Aluno Qualidade; a valorização dos profissionais da educação com a garantia de Piso e Carreira e a garantia da inclusão e da diversidade da educação, tendo como aspecto importante o retorno da SECADI- Secretaria da Diversidade e Inclusão.
O ponto alto da CONAE 2024, entretanto, foi altamente simbólico. Expressou o descontentamento dos movimentos sociais da educação diante de um MEC polarizado pelos setores privatistas. Há pleno reconhecimento dos avanços operados pelo Ministério da Educação. Ao contrário de uma visão sectária de setores das esquerdas, de forma nenhuma esse MEC é uma repetição do MEC de Bolsonaro. Essa redução mais confunde as(os) educadoras(es) do que nos fortalece para a luta realmente a ser travada.
Assim, nas plenárias de abertura e final, a Conferência emitiu uma mensagem inequívoca ao ministro Camilo Santana. Apesar da sua desenvoltura, esteve ameaçado por vaias. Ele conseguiu reverter o sentimento de muitas(os) delegadas(os), pautando a sua fala pelas realizações em curso, como a conquista da bolsa poupança para os estudantes do ensino médio, e, principalmente, pelo fortalecimento da SECADI, ameaçada de extinção conforme as diversas denúncias durante o encontro.
Na abertura, a manifestação ainda foi tímida. Mas, com a presença de Lula, a reação à lógica neoliberal na educação tomou o plenário final. Em alto e bom som, a Conferência enviou uma mensagem explícita quando o ministro Camilo Santana pegou o microfone para iniciar a sua fala: Fora Lemann! Educação não é mercadoria!
Durante os três dias de Conferência, em diversos momentos, as(os) delegadas(os), entoaram o grito em prol da Revogação do Novo Ensino Médio e contra a privatização e mercantilização da educação. Infelizmente, o ministro não se comprometeu com as pautas da militância da educação presente na CONAE.
Outro momento a se destacar foi a presença do Presidente Lula no último dia da Conferência. Numa fala explícita, assumiu o compromisso em defesa da educação, afirmando que “educação não é gasto, é financiamento”. Essa posição do presidente passa por atender à pauta da política de financiamento, já que sem esse elemento fundamental não é possível desenvolver uma educação de qualidade.
Novamente o presidente Lula cobrou das(os) trabalhadoras(es) da educação a mobilização e a pressão sobre seu governo. Cabe agora aos movimentos sociais transformar esse grito em ações efetivas, dialogando com a população sobre a agenda histórica de uma educação pública e socialmente referenciada. Fazer o embate nas ruas e nas instituições contra a extrema-direita e contra o neoliberalismo, ambos partidários das mesmas concepções privatistas e enfraquecedoras da educação pública. E com ampla aceitação em setores do campo progressista.
2024 precisa ser o ano da intensificação das lutas. Na educação, esse embate será árduo. Nossos adversários estão incrustrados e confortavelmente instalados no MEC, disputando a sua hegemonia. Cabe aos movimentos sociais imporem a sua agenda, para que, de fato, consigamos reconstruir e transformar a educação pública de nosso país.
(*) Ivonete Cruz é diretora do SINTESE/ CNTE/ CUT e Izabel Costa é diretora do SEPE-RJ.