Por Valter Pomar (*)
Acabo de ler a entrevista concedida por Gilberto Carvalho à revista Veja.
Não sei se o que está publicado é fiel ao que ele disse.
Espero que não.
Mas confesso minha perplexidade com o fato em si.
Afinal, na relação custo benefício envolvida em qualquer entrevista à grande mídia, a Veja oferece benefícios mínimos e custos máximos.
Por exemplo: suponho que o tema da corrupção tenha sido um tema menor na entrevista concedida.
Mas a edição de Veja transformou este tema no centro da entrevista publicada, algo bastante útil para quem pretenda neutralizar, mesmo que parcialmente, o efeito político das recentes decisões do STF em favor de Lula e do PT.
Quanto ao conteúdo – supondo que o publicado seja fiel ao que foi dito – confesso que há coisas que me surpreendem.
Começo pelo tema da corrupção.
Se Gilberto disse mesmo que “a imensa maioria dos petistas, a imensa maioria dos ministros do PT” segue “lutando para sobreviver e não acumulou riqueza”, então a pergunta é: esta minoria que se corrompeu e “acumulou riqueza” segue sendo petista ou foi devidamente punida e expulsa do Partido?
Pois convenhamos: a questão politicamente importante não é se “houve petistas que se corromperam”, nem tampouco se houve corrupção em nossos governos.
A questão politicamente relevante é saber como agimos, que medidas tomamos.
Mas sobre isso a entrevista publicada nada diz, exceto que estaríamos buscando alianças com gente de partidos que foram e seguem corruptos.
Ou seja: se foi mesmo isso que Gilberto disse, trata-se de uma linha de argumentação muito infeliz, para ser gentil.
Haveria mais a ser dito sobre o que Gilberto diz acerca da corrupção, mas por enquanto passemos para o segundo ponto: o bolsonarismo.
Gilberto – na versão que Veja publica da entrevista, versão que, repito, não sei se confere com o que ele disse – critica o bolsonarismo como defensor da “guerra”, do “exterminar o outro para sobreviver”.
A Veja percebeu o flanco aberto e perguntou assim: “O senhor critica a estratégia do confronto, mas o PT sempre estimulou o discurso do ‘nós contra eles’.”
Ou seja: Veja, bem ao estilo Ciro Gomes, quer colocar petistas e bolsonaristas num mesmo balaio.
O surpreendente é que Gilberto teria respondido – se a Veja não deturpou suas palavras – que “de alguma forma, alguma radicalização nossa abriu caminho para isso”.
Isto é fato?
Não, não é fato.
Basta pensar no seguinte:
a) desde 1980 ou desde 2016, quantos militantes da esquerda foram demitidos, perseguidos, reprimidos e até assassinados? E da direita, alguém sabe??
b) desde 1980 ou desde 2016, quantas pessoas pioraram de vida, em função do radicalismo da esquerda? E quantas pioraram de vida, em função do radicalismo da direita?
Seja na forma, seja no conteúdo, não há comparação possível entre a radicalização da direita e a radicalização da esquerda.
Aceitar alguma procedência neste tipo de comparação, especialmente num momento em que o lado de lá pratica genocídio, é simplesmente bizarro.
Passemos para o terceiro ponto: os militares.
Segundo Gilberto – supondo que ele de fato tenha dito aquilo que Veja publicou – “nossa decepção é enorme com a decisão do comando do Exército em não punir o general” Eduardo Pazuello. “Esse episódio botou o Exército de joelhos. Hoje a gente já não tem mais dúvida dos riscos. Ficamos perplexos”.
Eu também fico perplexo.
Afinal, com tudo o que aconteceu antes da absolvição de Pazuello, e mesmo depois da absolvição do dito cujo, ainda tem gente que acredita que o Exército estaria “de joelhos”.
Está não.
O Exército não está de joelhos.
O Exército foi essencial para o golpe de 2016.
Foi essencial para a condenação, prisão e interdição de Lula.
Foi essencial para a vitória de Bolsonaro em 2018.
É a espinha dorsal de governo cavernícola.
Contribuiu diretamente para o genocídio.
Não está de joelhos.
A não ser que a frase tenha sido editada e Gilberto tenha dito que está de joelhos… no nosso pescoço.
Um último “detalhe”.
Veja deu à entrevista de Gilberto Carvalho o seguinte título: “Uma (quase) autocrítica”.
E entre outras coisas, a revista diz o seguinte: “O PT não inventou a corrupção, mas, ao chegar ao poder, descobriu quanto ela tornava as coisas mais fáceis para todos os interesssados. Em nome de um projeto, não hesitou em firmar parcerias com criminosos, fragilizou a democracia ao substituir a legítima negociação parlamentar pelo suborno, usou e abusou do dinheiro público para atingir seus objetivos eleitorais e teve seus principais dirigentes condenados e presos por corrupção, mas sempre se negou a assumir a culpa. Por isso, a autocrítica de Gilberto Carvalho pode ser considerada como um marco, embora ainda parcial”.
Da minha parte, espero que Veja tenha deturpado as declarações de Gilberto.
Entre outros motivos, porque o que foi publicado não é uma autocrítica.
Autocrítica a gente faz dos erros que cometemos no enfrentamento dos nossos inimigos.
E de fato cometemos muitos erros no combate aos nossos inimigos, acerca dos quais há resoluções partidárias a respeito.
Foi o que defendemos aqui, por exemplo: https://pt.org.br/valter-pomar-o-pt-e-a-luta-contra-a-corrupcao/
Se as resoluções partidárias não são corretas ou precisam ser atualizadas, vamos debater e aprovar outras.
Mas nunca aquilo que nossos inimigos querem ouvir, para assim poderem nos combater melhor.
(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT