Governo Trump: à beira da loucura, à beira do neofascismo

Por Jana Silverman (*)

O discurso proferido pelo presidente estadunidense, Donald J. Trump, no dia 23 de setembro, diante da Assembleia Geral da ONU, teria sido engraçado se ao mesmo tempo não fosse tão ameaçador e trágico. Começando com as falhas do teleprompter e terminando com suas encenações amigáveis ao presidente Lula, o teor levemente cômico do discurso não conseguiu ocultar os ataques frontais ao multilateralismo, ao desenvolvimento sustentável e aos direitos dos migrantes, também embutidos na oração do Trump. Longe de “pintar um clima” com Lula ou sinalizar uma possível aproximação a uma política externa mais regida pelo respeito mútuo à soberania e aos direitos humanos, o discurso representa mais do mesmo para Trump, ou seja, um olhar estadunidense para o mundo caracterizado pelo seu unilateralismo, seu foco nas esferas comerciais e financeiras, e sua vontade de maximizar seu protagonismo pessoal, levando a incoerências e excessos.

O discurso de Trump coincidiu com uma sessão especialmente memorável da Assembleia Geral das Nações Unidas.  Com o tema do genocídio contra o povo palestino realizado atualmente por parte do Estado sionista de Israel dominando os debates, a sessão foi marcada pelo reconhecimento diplomático do Estado da Palestina por dez Estados-membros da ONU, incluindo países que também são membros da OTAN, G-7 e G-20, como o Canadá, o Reino Unido e a França.  Por suas manifestações (mesmo simbólicas) em solidariedade com a causa palestina, esses aliados históricos sofreram um espancamento verbal por parte de Trump, quem equiparou o reconhecimento do Estado da Palestina como uma “capitulação” errônea ao Hamas.

Outros temas que apareceram com frequência tanto no discurso do Trump quanto nos demais discursos dos chefes de Estado foram a mudança climática e a urgência de procurar e implantar soluções mais eficazes e equitativas a essa crise grave causada, em grande parte, pelos padrões energéticos e de consumo das sociedades do Norte Global. Enquanto o presidente Lula fazia um chamamento aos demais países pelo cumprimento dos compromissos adquiridos sob o Acordo de Paris como parte essencial dos últimos esforços para não deixar o aquecimento global médio passar mais de 1,5° C, Trump tipificou os processos de transição energética como uma “fraude”, perpetuado pelas forças “globalistas” para enfraquecer os países “bem-sucedidos” (como os EUA, em primeiro lugar). Com esta antecedente, a COP 30 em Belém, no mês que vem, mesmo com uma presença reduzida do governo estadunidense, seguramente está prestes a virar palco de um embate grande entre os países que estão levando o tema da crise climática a sério e entre os países do campo da extrema-direita, que identificam a mudança climática apenas como uma ameaça às suas tradições culturais e padrões econômicos, e não como uma ameaça à vida humana na sua totalidade.

Por último, outro tema que ocupou grande espaço no discurso de Trump, e que ocupa grande espaço na política doméstica e externa de seu governo, é o da migração. Em vez de reconhecer as grandes desigualdades econômicas e sociais entre os países que têm provocado as ondas cada vez maiores de migração internacional, e de defender as obrigações dos EUA consagradas no direito internacional humanitário de abrir a sua porta para as pessoas desamparadas pedindo asilo, Trump comemorou o fechamento das fronteiras estadunidenses na sua fala. Ele descaracterizou abertamente os refugiados como “criminosos” e como membros de “redes de abuso de crianças.” A criminalização e desumanização dos migrantes, tão presente no roteiro político de todos os governos neofascistas, está sendo levado a um novo patamar sob o governo Trump, com quase 60 mil migrantes nos EUA sendo detidos em presídios sobrelotados ao redor do país sem nenhum direito ao devido processo, apesar de 70% desses migrantes não possuírem antecedente criminal nenhum.

As crises humanitárias e econômicas que levaram muitos desses migrantes e refugiados a bater na porta dos EUA em busca de mais paz e prosperidade, agora, estão se replicando dentro do próprio país. Os discursos chocantes (e em menor medida confusos e levemente engraçados) de Trump na ONU e em outros espaços internacionais, combinado com a sua política externa errática e altamente introspectiva, não vão devolver a liderança política, econômica e moral global aos EUA, e muito menos vão levar o país a ser “great again” (grandioso de novo). O glorioso império estadunidense parece estar entrando na sua fase terminal, gastando seus últimos esforços para espalhar ódio, xenofobia, e ruína econômica em países amigos e inimigos de modo quase igual. Esperemos que as contradições internas dentro dos EUA juntamente com a pressão de países mais comprometidos de verdade com o multilateralismo, como o próprio Brasil, possam levar no futuro próximo a uma transição geopolítica para um novo sistema menos sensível às loucuras estadunidenses, e muito mais sustentável e multipolar.

(*) Jana Silverman é professora de Relações Internacionais na UFABC e diretora do Comitê Internacional dos Democratic Socialists of America (DSA).

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