Há 49 anos, Carlos Lamarca era assassinado no sertão baiano

Por Antônio Augusto (*)

Carioca do Morro de São Carlos, no Estácio, filho de sapateiro, capitão do Exército, que se uniu à esquerda contra a ditadura militar, revolucionário, patriota que entregou a vida por um Brasil independente, lutador pela democracia e o socialismo.

Capitão do povo, Lamarca, para sempre presente!

Abaixo, carta dele aos filhos. Lamarca, obrigado à clandestinidade no Brasil; e os filhos, para estarem livres das atrocidades da ditadura militar, se encontravam em Cuba.

Sim, a ditadura militar torturava filhos de militantes políticos e buscava assim chantagear os pais.

Lamarca (1937-1971) tinha 33 anos ao ser assassinado (17 de setembro de 1971).

(*) Antônio Augusto é jornalista.

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CARTA DE LAMARCA AOS FILHOS

“Aos Meus Filhos

Vivo falando de vocês com meus companheiros, eles estão longe dos filhos também e falam nos filhos deles. Um só é o desejo de todos nós, é que nossos filhos sejam revolucionários. O que é um revolucionário? É toda a pessoa que ama todos os povos, ama a Humanidade, tem uma imensa capacidade de amar, ama a justiça, a Igualdade. Mas ele tem de odiar também, odiar os que impedem que o revolucionário ame, porque é uma necessidade amar. Odiar aos que odeiam o povo, a Humanidade, a Justiça social. Odiar aos que dominam e exploram o povo, odiar aos que corrompem, ameaçam e alienam as mentes, aos que degradam a Humanidade, aos injustos, falsos, demagogos, covardes.

O revolucionário ama a Paz, faz a guerra como instrumento para ter a Paz, a Paz justa, sem exploração do homem pelo homem. O revolucionário tem que ser capaz de todos os sacrifícios pela causa, de até se separar dos seus filhos para libertar todos os filhos, de se separar dos pais porque outros pais precisam dele. Quando vocês sentirem saudades de mim, lembrem-se que aqui no Brasil existem muitas crianças que passam fome, que andam descalças, sem escolas, que sofrem e veem seus pais sofrerem. Lembram-se quando conversei com vocês no quarto e pedi a vocês que deixassem eu lutar para acabar com isso. Eu lembro bem que a Claudinha bateu palmas e o Cesar disse: ‘Muito bem, papai’. Combinamos que tínhamos de ficar longe um do outro, e que guardaríamos no coração a esperança de nos encontrarmos novamente.

Vocês são felizes porque a mãe e o pai são revolucionários e vocês têm de ser também. Amem muito a mamãe, eu não posso beijá-la, todos os dias beijem duas vezes a ela, uma vez por mim. Tenho tantas saudades de vocês, mas não choro, não beijo fotografias, encho o peito de ar e pego firme no meu trabalho. Penso em vocês e em todas as crianças, então ganho forças para lutar. Quando sentirem saudades, então estudem mais, perguntem tudo que não entenderem, perguntem sempre o porquê das coisas – perguntar e pensar – ver se é certo, se não for, falem, discutam – ver se é justo, se não for, lutem para mudar. Sejam disciplinados, façam somente o que for certo, justo. Ser disciplinado não é ser obediente, quem obedece tudo sem pensar não presta.

Como vai o treinamento de tiro? Não se esqueçam de colocar algodão no ouvido, e também de olhar sempre pra mira e puxar o gatilho bem devagar. Já mandaram consertar a pistola de ar comprimido? Espero que pratiquem corrida, natação e todos os jogos. Alimentem-se bem, vocês que tanto gostam de frutas devem estar satisfeitos, aí ninguém passa fome, não tem mendigos, aqui… Aí comem abacate na salada, com sal e azeite; gostaram?

Como vai o jogo de botão? Você, Cesar, tem ensinado aos meninos? Seguem junto 29 bolinhas de cortiça, que fiz treinando a paciência, que eu tinha pouco, é preciso ser paciente, sem ser passivo, claro.

E você Claudinha, continua fazendo discursos? Como eu gostava, você vai ser uma grande agitadora.

Cuidem bem dos dentes para que possam mastigar bem. Não se esqueçam de cantar e dançar. O Cesar gosta muito de desenhar e a Claudia de pintar, procurem praticar bastante, procurem criar, não imitem ninguém.

Não chamem ninguém de senhor porque ninguém é senhor de ninguém. Mas ouçam os mais velhos e procurem fazer coisas melhor que eles, porque tudo que é novo é superior ao velho. Respeitem os mais velhos mas exijam que respeitem vocês – exijam mesmo.

Contei para os companheiros que o Cesinha usava nome de guerra e eles acharam engraçado. Já usei o nome Cesar mas tive de mudar.

Não sei como acabar essa carta porque é como se estivesse conversando com vocês. Espero receber uma carta de vocês, se não for possível, continuarei pensando muito em vocês.

A maior alegria que vocês podem me dar é aproveitar muito o estudo, preparando-se para fazer a Revolução em qualquer país. Muitos beijos para a minha esposa querida e meus filhos, com todo amor, cheio de saudades”.

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