Por Felipe Pragmacio Travassos Telles (*)
Vamos supor, conforme muitos têm alegado, que o identitarismo de esquerda ganhou tamanha relevância, se sobrepondo a uma visão da sociedade dividida em classes, a qual a esquerda se pautava anteriormente.
Será mesmo que somente por conta dessa variável a leitura de uma sociedade dividida em classes passou a ficar em segundo plano? Por que aceitar esse pressuposto de uma única variável e negligenciar que uma visão classista é afetada por diversas outras problemáticas que a esquerda brasileira tem diante de si?
Será que o excessivo republicanismo, a frente amplíssima, as concessões ao agronegócio, ao capital financeiro, a influência do socialiberalismo, as privatizações, os tetos orçamentários impostos pela meta de déficit zero, o rebaixamento programático, a ausência de um horizonte socialista, etc, não têm impacto na nossa capacidade de disputa ideológica, de politizar e influenciar as camadas populares?
É o identitarismo de esquerda que sozinho e imponente impede que sejamos pautados pela consciência de classe ou é o conjunto da obra dessas variáveis que impede? É uma única influência ou diversas influências que buscam minar o campo da esquerda na sua leitura de mundo mais revolucionária? Me parece que a segunda hipótese é bem mais consistente e que, ao elencarmos uma única variável como bode expiatório, estamos estrategicamente mais fracos para enfrentarmos a complexidade da conjuntura atual.
Não acho negativo o debate em torno do tema indentitarismo de esquerda. Mas acho reducionista quando se coloca um peso obsessivo nesse fator, como se fosse determinante no estado atual das coisas, porque ao fazermos isso, escanteamos muitas variáveis concretas e relevantes. Também deixamos de lado a necessidade de que o nosso campo tem de construir uma estratégia capaz de enfrentar os múltiplos fatores que estão postos para mudarmos a conjuntura ao nosso favor. O horizonte analítico e de luta fica reduzido a combater a influência do identitarismo na esquerda brasileira. Virou, para parcelas da esquerda, o grande mal que assola o campo progressista, fazendo a direita avançar.
Como a minha constatação desse embate foi acompanhando as redes sociais, e percebendo nesses ambientes virtuais um aumento dessa influência crítica ao identitarismo de esquerda, fui jogado para outra abordagem analítica, meramente opinativa, sobre a própria relação que temos com essas tecnologias.
Me pautando pelas premissas de McLuhan, entendo que grande parte do poder das redes sociais emana das próprias plataformas, influenciando a forma como pensamos, como nos comportamos, como a gente conversa, etc. Ao incentivarem uma forma específica em que o conteúdo é entregue, nós também passamos a raciocinar da mesma forma. O reducionismo que elas incentivam como forma de se expressar se torna contagioso, tweets geram mais tweets, mensagens geram mais mensagens, vídeos curtos geram vídeos curtos e, dessa forma, as pessoas se comunicam quase que em um estado de convulsão. São mídias inerentemente desestabilizadoras e desorientadoras por não incentivarem qualquer narrativa, contexto ou perspectiva analítica mais ampla.
Se ficarmos presos na Matrix o tempo todo, seremos cada vez menos capazes de pensar de forma mais larga e complexa, atribuindo elementos cada vez mais simplistas à realidade que enfrentamos. Se esses ambientes que valorizam o conteúdo curto, rápido e fragmentado influenciam tanto a gente, significa que também estamos ficando menores em análises e leituras do mundo.
(*) Felipe Pragmacio Travassos Telles é militante da AE – SP Capital
Respostas de 2
Acaba que as críticas ao denominado identitarismo, colocando-o como propulsor de uma onda conservadora e de um possível afastamento da população das esquerdas em geral, é quase uma fuga da análise mais aprofundada, deixando de considerar outras questões mais relevantes.
Concordo com o texto, o identitarismo não é o algoz e muito menos o herói que vai salvar a esquerda, ele é só uma parte do grande guarda chuva que se chama consciência de classe.. diante disso, podemos discutir milhões de pautas que sugerem uma sociedade mais justa, igualitária e com bem estar; isto sim deveria ser a missão essencial da esquerda e assim conquistada, todas as pautas identitárias estariam automaticamente inseridas. A pauta da consciência de classe que parece cada vez mais distante da população, que por hora quer se ver inserida em locais de privilégio, se esquecendo da posição social que ocupam, como se isso fosse ruim; é ou deveria ser, a agenda principal. Ruim é ter os direitos usurpados, o bem estar ser privilégio das classes mais abastadas e a possibilidades de escolha serem destruídas porque a classe trabalhadora foi colocada como mera massa de manobra política. Como retomar essa discussão tão necessária mas de forma atual e com maior diálogo? Talvez seja ai que nos perdemos….