Inflexão ultraliberal e os cortes nas políticas habitacionais no Brasil

Por Adauto Lúcio Cardoso e Flávio Henrique Ghilardi

O Grupo de Pesquisa “Habitação e Cidade” do Observatório das Metrópoles realiza, desde meados de 2017, o acompanhamento de conjuntura da política habitacional do Governo Federal. Tendo como pontos de partida as hipóteses (1) do encerramento de um ciclo político que se caracterizou pelo esforço de ampliação das políticas sociais, na direção de um regime de bem-estar do tipo liberal e (2) de uma inflexão ultraliberal marcada pela ampliação dos processos de financeirização, privatização e mercantilização, o subprojeto tem, entre outros, o objetivo de monitorar e avaliar o desenvolvimento recentes (pós-2016) no campo das políticas de habitação, nas escalas nacional e local.

Recentemente, no final do mês de agosto, o Poder Executivo Federal apresentou a proposta de Lei Orçamentária para o ano de 2018. Na proposta, o programa Moradia Digna – que reúne as ações habitacionais sob responsabilidade do Ministério das Cidades – não apresentaram dotação orçamentária para o próximo ano. A ausência de recursos federais no programa levou à manifestação de movimentos popularese de setores acadêmicos .

Conforme apresentado nos anexos do projeto de lei da proposta orçamentária de 2018, a Lei Orçamentária (LOA) de 2017 previu cerca de R$ 7 milhões para o programa Moradia Digna, embora os recursos não tenham sido inteiramente liberados, uma vez que houve um expressivo contingenciamento das despesas do Ministério das Cidades. Para 2018, não houve a destinação de recursos para o programa. Constata-se, ainda, a diminuição do orçamento para o Ministério Cidades. A LOA de 2017 definiu o orçamento do órgão em cerca de R$ 16,2 milhões e em 2018 a previsão é de R$ 2,3 milhões .

Alerta para a diminuição de recursos do Governo Federal para a habitação de interesse social

Uma primeira análise realizada pelo grupo de pesquisa Habitação e Cidade sobre o panorama recente da política habitacional brasileira aponta para um preocupante cenário de diminuição de recursos orçamentários federais para a habitação de interesse social. Algumas medidas adotadas indicam a exaustão das fontes de investimento do Governo Federal, historicamente o principal ente de financiamento da política habitacional brasileira, e de alteração no foco do atendimento às camadas de baixa renda, o principal perfil do déficit habitacional.

Já em 2015 e 2016 as restrições ao gasto público, a partir de uma agenda conservadora adotada no âmbito da política econômica no Governo Dilma, levaram o Governo Federal a propor uma alteração no funcionamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, de forma a que o Fundo aportasse recursos para o Fundo de Arrendamento Residencial – FAR, responsável pelos recursos destinados à faixa 1(0 a 3 salários mínimos) do Programa Minha Casa Minha Vida. Essa medida significou que o Governo deixou de aportar recursos do Tesouro para cobrir os subsídios para as camadas de baixa renda, como havia sido feito nos anos anteriores. A resolução textualmente considerava “as limitações fiscais do Tesouro Nacional, que vêm dificultando sobremaneira o cumprimento das obrigações assumidas em exercícios anteriores no Programa Minha Casa, Minha Vida, por meio do FAR, em contratos firmados com as construtoras”. Nos dois anos (2015 e 2016) foram concedidos cerca de R$ 7,75 bilhões em “descontos” (subsídios) do FGTS ao FAR .

No início de 2017, já no período pós-golpe e no contexto do Governo Temer, foram realizadas diversas alterações nas normativas do FGTS, que alertam sobre como os recursos do fundo começam a ser disputados por outros interesses no âmbito do Governo federal limitando a utilização dos recursos do fundo para a habitação de interesse social. O saque das contas inativas do fundo , proposto como alternativa de impulsionar o crescimento econômico, causou uma limitação na concessão do financiamento habitacional e o aumento do teto de financiamento (alterado para alcançar imóveis de até R$ 1,5 milhão), com a ampliação do nível de renda das famílias atendidas (definido em até R$ 9 mil) .

Essas medidas põem em questão a capacidade do fundo em financiar a moradia para a população de baixa renda. Para agravar ainda mais a situação, recentemente foi incluída emenda de autoria da deputada Leandre (PV-PR), aceita pelo relator Alex Canziani (PTB-PR) na regulamentação da Medida Provisória 785 que reforma o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), permitindo a utilização dos recursos do FGTS para pagamento de dívidas do financiamento estudantil .

O Ministério das Cidades havia anunciado para o ano de 2017 a contratação de 170 mil unidades no âmbito do Minha Casa, Minha Vida para a faixa 1, após diversas alterações na regulamentação do programa . Segundo a informação seriam 100 mil unidades selecionadas para o FAR, operacionalizado por empresas, 35 mil para habitação rural e outras 35 mil para o MCMV-Entidades, operacionalizado por organizações da sociedade civil, cujo processo de seleção levou a uma intensa mobilização do movimento de moradia na proposição de novos projetos, gerando uma enorme expectativa nas bases do movimento pela perspectiva de novas alternativas habitacionais para atender as suas demandas.

No entanto, a apresentação da proposta orçamentária do governo federal para 2018 mostra claramente que o Governo Temer não tem compromissos com a política habitacional e que os recursos federais, assim como os recursos do FGTS , estão e estarão no futuro próximo sendo utilizados prioritariamente para outros objetivos.

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¹ Como a nota emitida pela União Nacional dos Movimentos de Moradia: http://www.unmp.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=708:temer-saqueia-o-povo-pobre-e-acaba-com-o-minha-casa-minha-vida

²Como a análise da arquiteta e urbanista Raquel Rolnik: https://raquelrolnik.wordpress.com/2017/09/18/governo-propoe-zero-reais-para-moradia-popular-em-2018/)

³Análise do INESC mostra como a peça orçamentária de 2018 altera as prioridades de gasto do Governo Federal, ao comparar o orçamento sancionado pelo Executivo para o ano de 2017 com a proposta orçamentária para o próximo ano. O estudo aponta para a redução drástica do orçamento federal em investimento, tecnologia e políticas sociais. http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2017/setembro/orcamento-2018-brasil-a-beira-do-caos/#_ftn1

4. Dados disponíveis em http://www.fgts.gov.br/desconto.asp

5. Notícia do Valor Econômico de 11 de maio de 2017, com o título “Saque do FGTS levou recursos da habitação e apequenou orçamento, diz secretária”.

6. Segundo notícia do Valor de 07/02/2017 (“Governo eleva financiamento para Minha Casa”), regulamentação do Conselho Curador do FGTS do início do ano alterou o público-alvo dos programas habitacionais do FGTS. Segundo a notícia, “houve a elevação das faixas de renda familiar para enquadramento no programa. Na faixa 1,5, o limite passou de R$ 2,35 mil para R$ 2,6 mil. Na faixa 2, subiu de R$ 3,6 mil para R$ 4 mil e na faixa três de R$ 6,5 mil para R$ 9 mil. Os preços dos imóveis passíveis de enquadramento no programa no Distrito Federal, Rio São Paulo subiram de R$ 225 mil para R$ 240 mil. Nas capitais das regiões Norte e Nordeste, passaram de R$ 170 mil para R$ 180 mil. Nas cidades com menos de 20 mil habitantes, de R$ 90 mil para R$ 95 mil”.

7. http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,relator-inclui-uso-de-fgts-para-pagar-divida-estudantil-em-reforma-do-fies,70002024109. A medida gerou manifestação de protesto do SINDUSCON, que pediu aos deputados que vetem a proposta (https://www.noticiasaominuto.com.br/economia/458689/sinduscon-pede-veto-a-saques-do-fgts-para-pagar-dividas-do-fies?&utm_medium=social&utm_source=facebook.com&utm_campaign=buffer&utm_content=economia)

8. Conforme notícia do site do Ministério das Cidades: http://cidades.gov.br/ultimas-noticias/5140-nota-oficial-programa-minha-casa-minha-vida

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