Por Valter Pomar (*)
Ricardo Kotscho
No dia 15 de março, o UOL divulgou no Balaio do Kotscho um texto intitulado “Lula X “esquerda do PT”: a velha disputa que vem desde a origem do partido” ( aqui ).
O texto começa com uma informação incorreta: a reunião do Diretório Nacional do PT não será na próxima sexta-feira, dia 18 de março, mas no dia 24 de março.
Este detalhe seria secundário, não fosse o fato dele ter relação direta com um problema vivido atualmente pelo PT, a saber: o funcionamento rarefeito da direção partidária.
O Diretório Nacional não se reúne desde 16 de dezembro de 2021 e grande parte das ações noticiadas pela imprensa como atos da “direção” não foram objeto de decisão coletiva, democrática, das instâncias partidárias.
Há quem ache isto normal e positivo. Da minha parte, considero um desastre: vencer as eleições de 2022 será obra coletiva ou não será.
Não vou repetir aqui os meus argumentos contrários a ter um vice golpista e neoliberal. Nem vou repetir que a decisão a respeito da vice não é uma decisão pessoal do Lula, é do encontro nacional do Partido. Onde obviamente, haverá setores do PT contrários, outros setores favoráveis e haverá também aqueles cuja posição será a mesma de Lula, não importando o que pensem acerca do mérito (os que acham que “Lula sabe o que faz”).
Voltando a Kotscho, ele prevê para a próxima reunião do Diretório Nacional do PT “mais uma disputa entre Lula e aquela, genericamente, chamada ‘esquerda petista’, que na verdade reúne várias tendências, e remonta à época da fundação do partido, em 1980”.
Ou seja: notícia velha, motivo para Kotscho substituir a análise da realidade pela apresentação de reminiscências feitas a partir de seu lugar de fala preferido: o de “amigo do Lula”.
Amizades à parte, meu ramo não é o jornalismo, mas a história, motivo pelo qual sempre tomo cuidado com as memórias, as próprias e as dos outros.
No caso concreto, Kotscho afirma o seguinte: “as teses de Lula acabaram vencendo o debate, assim como aconteceria em quase todos os outros embates partidários, até os dias de hoje, em que a ‘esquerda petista’ discordava do seu principal líder”.
Verdade? Certamente. Mas está muito longe de ser toda a verdade.
Nem todos os embates de Lula no PT foram contra a chamada “esquerda”, a chamada “esquerda” nem sempre foi a mesma e nem sempre Lula ganhou todas as disputas internas.
Exemplo clássico: o plebiscito sobre sistema de governo, em que Lula e a maior parte da direção partidária defenderam o parlamentarismo e a base do Partido por esmagadora maioria decidiu, em plebiscito interno, pelo presidencialismo.
Lula 2002 nunca teria ocorrido, se em 1993 a posição de Lula não tivesse sido derrotada.
Claro, admitir este tipo de fato estragaria a linearidade da “narrativa reducionista” de Kotscho.
Por exemplo: contar em detalhes a novela da escolha do vice em 1989 e os embates acerca do Plano Real em 1994 levaria à conclusão de que muitos dos defensores de Gabeira e muitos dos adeptos de uma “reação cretina” ao Real não eram propriamente da chamada esquerda petista.
Salvo engano, Kotscho salta direto das eleições de 1994 para as de 2002 e passa a relatar “um novo embate com a ‘esquerda petista’ em torno do nome do vice”.
Neste relato, Kotscho erra de novo: não é verdade que parte da esquerda petista tenha deixado o partido por não querer se aliar a um empresário.
Os motivos pelos quais ocorreram expulsões no final de 2003 e defecções em 2005 não estavam relacionados ao vice. Neste e noutros casos, seria bom Kotscho retificar a informação, pois é simplesmente falsa.
Mas o mais grave não é isto.
Kotscho tem todo o direito de considerar os contrários a Alckmin como “revolucionários puro sangue”, assim como tem todo o direito de achar que o futuro do país exige entregar a vice de Lula para um dos próceres do neoliberalismo. E tem o direito, também, de usar o texto como pretexto para desafogar suas mágoas e rancores pessoais.
Mas ele não tem o direito de fazer pouco da inteligência alheia, “mal comparando” a situação com Alencar com “o que está acontecendo agora com Alckmin”.
Como????
Não sei se a história contada por Kotscho aconteceu, mas é verossímil.
Refiro-me ao relato da “briga” entre Olavo Setúbal e José Alencar, onde Alencar supostamente teria falado em pegar em armas contra os gringos.
Pergunto: alguém consegue imaginar Alckmin altercando um banqueiro e falando em enfrentar os Estados Unidos??
Kotscho, como outros, fala de Alencar para desviar a atenção, pois é óbvio que o sempre tucano ex-governador paulista lembra mesmo é… Temer, o vice golpista e traidor.
Como ele mesmo diria, “com companheiros assim, Lula nem precisa de adversários”.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT