Por Jamille Gomes (*)
A sociedade patriarcal, machista e neoliberal que estamos atravessando, há bastante tempo, expressam as diferenças entre homens e mulheres de forma que essas se transformam em desvantagens cruéis para as mulheres, sobretudo para as mulheres mães solo chefes de família, e que em sua maioria são mulheres negras.
Outra novidade, ou não, é que as circunstâncias da pandemia chefiada pelo presidente genocida Jair Bolsonaro agravou as desigualdades em diversas esferas e, uma delas, foi a desigualdade de gênero. As não-ações do presidente frente à pandemia e as formas descabidas de (des)orientação jogaram as mulheres para a linha de frente da contenção do contágio e do cuidado da doença em muitas esferas. Nós somos as principais responsáveis pelo cuidado hoje (seja em casa ou nos hospitais) e pensando no contexto das escolas fechadas, as crianças em casa demandam o tempo e energia de alguém. Esse alguém é sempre uma mulher, se não a mãe, a tia, a avó ou a vizinha.
Considerando os recortes de classe e raça que a situação impõe, o fato é: alguém tem que cuidar das crianças. Quem vai cuidar das crianças enquanto o presidente genocida, junto a maior parte do congresso, liberou um auxílio emergencial de 150 reais? Qual valor do desamparo para aqueles e aquelas que precisam trabalhar fora de casa, se expondo ao vírus, porque não tem outra opção? Quem vai cuidar das crianças enquanto a “retomada da economia” não pensou onde as mulheres vão deixar seus filhos e filhas para poderem trabalhar? Ou o como a mãe, que também é professora, vai passar atividades para seus alunos na aula virtual enquanto seu marido trabalha fora de casa e a sua criança também precisa de cuidados? Quem vai auxiliar a criança de 7 anos na sala virtual com a professora durante no mínimo 4 horas por dia, enquanto a mãe precisa lavar a roupa ou fazer o almoço? E quem vai cuidar dos idosos, enfermos e todos aqueles acometidos e acometidas em alguma medida pela COVID-19?
A raiz de todas essas questões estão no quanto o sistema capitalista se apropria do lucro que ele gera ao explorar de forma não remunerada o trabalho do cuidado e das tarefas domésticas exercido pelas mulheres. Afinal, para que todos e todas nós estejamos vivos e saudáveis, existe alguém para cuidar, lavar, passar, cozinhar, certo? Entretanto, hoje, Bolsonaro é amigo do vírus e acelera, se não a maior, uma das maiores catástrofes da história da sociedade brasileira. Menosprezou o vírus e a vacina, não amparou os trabalhadores e trabalhadoras e, como consequência, mulheres perderam emprego, perspectiva e estão mais sobrecarregadas do que antes devido as reconfigurações da dinâmica da casa com as medidas de isolamento.
A análise é importante para pensarmos que o lugar ocupado pelas mulheres mães no trabalho do cuidado e na manutenção da qualidade de nossas vidas sempre foi invisibilizado, descredibilizado e, agora, ainda mais que nunca desvantajoso. O impacto na renda, na autonomia e sustentação financeira, na saúde mental e o aumento da violência nos colocam em mais retrocessos na luta por nossos direitos.
Em uma pesquisa realizada pelo Gênero e Número juntamente com a Sempreviva Organização Feminista foi identificado, além de outras variáveis e porcentagens, que 50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém durante a pandemia e que a necessidade de monitoramento e companhia intensificou 75%. Ou seja, a dinâmica e a sobrecarga aumentou significativamente para as mulheres nessa pandemia. E questão principal é a cruel realidade que nos é apresentada: a maioria das mulheres não está em condições de pensar e elaborar estratégias de saída dessa crise. A nossa vida piorou e a fome bateu a porta de muitas. Por isso, a tarefa nesse momento é de todas e todos aqueles e aquelas que tem compromisso com o fim de qualquer tipo de desigualdade e opressão.
Os países liderados por mulheres deram exemplo na condução e no enfrentamento à pandemia. Isso prova, que apesar de serem diferenças construídas socialmente, o trabalho do cuidado realizado pelas mulheres tem de ser central no debate político por ser aquele que tem mantido vivo a maioria de nós. Paradoxalmente, celebramos a vida em homenagem aos mais de 300 mil mortes no Brasil. Celebramos a vida e seguimos na luta. Seguimos na luta contra o desgoverno Bolsonaro e suas políticas de morte e destruição. Seguimos em luta por uma nova ordem econômica e social, sem amarras, desigualdades e opressões. Seguimos na luta pelo socialismo e ressaltamos: sem feminismo não há socialismo!
(*) Jamille Gomes é vereadora pelo PT em Viçosa, Minas Gerais.