Por Fausto Antonio (*)
No livro “Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal”, o geógrafo e filósofo Milton Santos (Editora Record, 6ª edição, 2001) enfatiza que não é possível , caso o interesse seja revelar e transformar a sociedade, analisar as técnicas sem considerar o seu uso. A medida interpretativa exige a compreensão dos sistemas técnicos e da política, que determina o uso ou o arranjo, que damos historicamente para os meios de produção da existência. O método enunciado pelo geógrafo põe em destaque, quaisquer que sejam os períodos da história, a fundamental e indispensável compreensão do “estado ou estágio de desenvolvimento das técnicas e da política” (SANTOS, 2001) ).
Podemos dizer, relevando os sistemas técnicos e a política, que os meios informacionais são controlados, tal como ocorre com as máquinas que operam nas fábricas, por políticas privadas. O sistema informacional é carregado, como o são por igual valor e uso as técnicas e objetos, desde a sua gênese, por interesses e intencionalidades financeiras e ideológicas precisas; a propósito, estabelecidas pelo sistema capitalista. Desse modo, as plataformas digitais processam a análise e direcionamento dos dados capturados, que são extrações de valor financeiro, afetivo e de circulação manipulada de informações, que alimentam em escala multiplicadora, no domínio nacional e internacional, o consumo de informações teleguiadas. Os usuários consomem, vestem e comem as informações e, no mesmo processo, são consumidos (usados), vestidos e comidos literalmente por um comando geopolítico centralizado no hemisfério norte. Existe um oligopólio informacional no controle de tudo e a serviço do imperialismo comandado pelos EUA.
Decorre dessa lógica teleguiada previamente por aproximações que espelham bolhas e não os sujeitos históricos espacializados, as aversões às individualidades artísticas, intelectuais , às potencialidades coletivas voltadas para a cooperação e igualdade de classe, raça e gênero, que pedem transformações na realidade concreta, que redefine as virtuais, que são concretas e/ou empíricas, no estágio atual, para quem extrai a mais-valia desses meios. As tecnologias de informação não andam sozinhas, elas são comandadas por interesses de mercado e de consumo. As empresas que hegemonizam o controle, o acesso e o alcance impedem, a partir de um comando aparentemente aberto; frouxo, o uso equânime no que concerne à produção da plurivesalidade, da comunicação, da solidariedade compartilhada e da transformação social radical em escala local e global.
Não há possibilidade de mudança, via sistemas informacionais, sem assegurar outro modo de acesso e uso. O capitalismo de plataforma é domínio dos seus proprietários e das manipulações e/ou ordenação dos dados capturados, a mais-valia informacional que gera, em profusão, uma hegemonia da informação e/ou da desinformação. Estamos diante de um espaço organizado para extrair mais -valia. A mais-valia informacional extrai valor material e imaterial de todos (as) e de todas áreas de conhecimento e de todas as coisas, que são revestidas de valor para o consumo rápido à moda das curtidas, que geram bolhas, às vezes impenetráveis , mas de pouca ou nenhuma eficácia para as transformações individuais e coletivas utópicas e validadoras da centralidade de homens e mulheres no processo.
O capitalismo de plataforma é um limitador para gerar intervenções revolucionarias, que valorizem a centralidade de homens e mulheres. Por outro lado, não há limites para produzir superficialidades, ignorâncias, submissões ao capital e redução ao pensamento único, que é motor central do consumo totalitário. Há muitos usuários (as) iludidos nas e com as bolhas. Reduzidos à categoria de usuários, sem um letramento socioespacial, milhões convivem com as respectivas bolhas e abandonam o domínio socioespacial que traz, numa unicidade e com embates divergentes, as técnicas e as relações sociais de todas as ordens espacializadas.
Os sistemas informacionais, além de promoverem um elo entre as demais técnicas, induzem muitos “usuários” à leitura, o que é falso, de um mundo de liberdade e de efetiva comunicação. Há ainda “usuários” que, engolidos, invisibilizados e imobilizados pelo ilusório da informação instantânea, apartam o conjunto de técnicas informacionais da espacialidade histórica e geograficamente dada por ação encruzilhada de arranjos políticos.
Os meios técnicos -informacionais são partes constituintes da totalidade espacial, que abriga de modo contraditório, como nos ensina Milton Santos (2001), “os sistemas de objetos e as ações”. Há inseparabilidade das relações raciais, de classe e gênero do espaço, que não deve ser reduzido aos meios informacionais, que impedem, quando assim concebidos, a compreensão do espaço como instância social e política. Quem ingressa numa bolha de usuário e mora numa favela, morro, alagado e/ou nos espaços destituídos de recursos médicos, sanitários, culturais e materiais, segregados pela violência policial racista, entre tantas outras, só sairá da bolha compreendendo e se apropriando do espaço como um todo, o que inclui; por exemplo, a favela, as relações raciais, de classe, de gênero e as contradições materializadas e especializadas e que não se limitam aos meios informacionais e ao virtual e estonteante volume informativo. Não há nas bolhas comunicação. O processo comunicativo exige o motor político determinando um novo uso para as tecnologias de informação em conformidade e/ou em desconformidade com a totalidade espacial. O perigo reside na redução do todo, a referida realidade socioespacial, ao sistema informacional e às plataformas capitalistas. Não é demais negritar que é a comunicação com o próximo e próxima a malha; teia e rede, para as trocas, para a solidariedade e transformação radical e comandada pela realidade concreta e contraditória da socioespacialidade.
Não existe possibilidade de transformação da sociedade nos limites das bolhas. As bolhas funcionam para ocultar o todo, que se ergue com a unicidade das técnicas, dos veículos informacionais e das relações socioraciais no mesmo conjunto de tensões e opostos. As bolhas alimentam apenas as bolhas no que toca aos usuários partidários de posições assemelhadas, que geram conforto e imobilidade ao mesmo tempo. No entanto, as bolhas são, por aproximações interesseiras de mercado e de poder político, fundamentais para o controle centralizado pelas empresas FaceBook, Google, Amazon e outras subordinadas ao sistema bancário e/ou à financeirização da vida.
O uso dos meios informacionais, quaisquer que sejam, não pode substituir a presença humana e a coexistência solidária, que é feita prioritariamente com o próximo (a) e com a chave da igualdade, que é comunicação, entendimento e transformação socioracial radical. A coexistência solidária se dá no lugar , no cotidiano e a intermediação virtual ou os veículos informacionais são apenas meios, mas o meio e conteúdo nuclear é o corpo, a corporeidade, a presença que produz não o usuário (a), mas o cidadão e a cidadã em estado de revolução que abriga e acolhe, na proximidade física e afetiva, a utopia da comunicação e da superação das desigualdades, com ênfase na racial espacialidade pela violência policial contra negros, que não vivem nas bolhas, mas sim no lugar e no cotidiano, que são também dimensões do espaço.
(*) Fausto Antonio é escritor, poeta, dramaturgo e professor da UNILAB – Bahia.
Este post tem 2 comentários
Texto imprescindível do prof. Fausto Antônio!!! Preciosa sua análise do oligopólio informacional, um braço do imperialismo, e sua aversão às individualidades, às artes, potencialidades “descoladas e insurgentes. Precisas suas últimas palavras, quando diz que a intermediação virtual ou os veículos informacionais são apenas meios, mas o corpo, o lugar, o território, a vida cotidiana é onde pode haver transformações efetivas. Esse texto me fez pensar no virtualismo como uma extensão do elitismo – Fausto ajuda a entender que boas análises e discursos são insuficientes, se não se ligam, se não bebem nas fontes primárias da vida social, que existe fora das bolhas!!!
Texto imprescindível do prof. Fausto Antônio!!! Preciosa sua análise do oligopólio informacional, um braço do imperialismo, e sua aversão “às individualidades artísticas, intelectuais , às potencialidades coletivas voltadas para a cooperação e igualdade de classe, raça e gênero, que pedem transformações na realidade concreta”. Precisa suas últimas palavras, quando diz que a intermediação virtual ou os veículos informacionais são apenas meios, mas o conteúdo nuclear é o corpo, a corporeidade, a presença que produz não o usuário (a), mas o cidadão e a cidadã.Esse texto me fez pensar no virtualismo como uma extensão do elitismo – Fausto ajuda a entender que boas análises e discursos são insuficientes, se não se ligam, se não bebem nas fontes primárias da vida social, que existe fora das bolhas!!!