Malandro é malandro e mané é mané!

Por Hilton Faria da Silva (*)

O grande Bezerra da Silva deu uma aula com esse samba. Pra quem acha que o Congresso Nacional realmente representa o Brasil, pense bem. Você é malandro ou é mané?

Veja como a maioria de direita, cujos partidos nem têm nome pois mudam sempre, manipula a vontade do povo mudando as regras da eleição.

Agora querem impedir as candidaturas coletivas que são majoritariamente de esquerda. Por que? Uma hipótese é evitar a possibilidade de maior número de candidatos/as, coisa que eles abominam, pois querem restringir o número de candidatos em geral, principalmente do PT e da esquerda em geral.

Também querem reduzir a porcentagem de recursos aplicados nas candidaturas de mulheres e negros/as, aprovando a tal destinação de recursos em comum que serve a todo o partido. Além da direita ter menos candidatas mulheres e negros/as e investir menos nessas candidaturas, isso tem cheiro e cor de racismo, não?

Mas, o golpe de mestre da malandragem capitalista (pois a maioria dos deputados serve aos capitalistas) é reduzir ao máximo a vontade popular de se expressar politicamente. Com o golpe neoliberal do Collor, milhões de trabalhadores perderam seus empregos e isso fragilizou o movimento sindical, diminuindo a capacidade de luta da classe trabalhadora. O número de greves diminuiu. A reforma trabalhista após o golpe de 2016 foi a pá de cal no movimento sindical dos trabalhadores da iniciativa privada, pois acabou com a luta coletiva. A participação dos/as trabalhadores/as na luta e também na repartição da renda nacional caiu ao mesmo tempo. Agora querem restringir a participação da classe trabalhadora nas eleições.

O método já é conhecido. Basta aplicar o quociente eleitoral que foi criado para eliminar os partidos pequenos. Em 1996, devido ao quociente eleitoral, o PT no Tocantins deixou de eleger 15 vereadores/as. Alguns por dois votos, outros por 10 ou por 15. Se não houvesse a imposição do quociente eleitoral, seriam eleitos.

Como se calcula o quociente eleitoral? Basta dividir o número de votos válidos pelo número de cadeiras em disputa. Logo abaixo, descrevo quatro formas de calcular a distribuição de vereadores/as eleitos/as.

Vamos usar como exemplo uma cidade com 250 eleitores. 200 comparecem. 20 votam branco ou nulo.

São 180 votos válidos, sendo 9 vagas para vereador. Portanto, quociente eleitoral (QE) de 20 votos.

Pela lei brasileira, primeiro se distribuem as vagas aos partidos com votação superior ao QE. Depois, se distribuem as sobras. Cada partido tem o número de votos dividido pelas vagas obtidas mais um. Quem tem a maior sobra elege. Isso se repete em seguida, dividindo o número de votos pelas vagas obtidas anteriormente e mais um. Isso ocorre até distribuir todas as vagas.

Quadro 1: Mínimo de 100% do quociente eleitoral, conforme aprovado pela Câmara dos Deputados agora.

Partido Nº votos Nº QE Vagas eleitas Sobras Vagas eleitas Sobras Vagas eleitas Sobras Vagas eleitas Total
A 70 3,50 3 17,50 17,50 1 14,00 4
B 59 2,95 2 19,67 1 14,75 14,75 1 4
C 22 1,10 1 11,00 11,00 11,00 1
D 18 0,90 0
E 11 0,55 0
180 Total 9
Em negrito, as maiores sobras.

Quadro 2: Mínimo de 80% do quociente eleitoral, conforme adotado nas eleições de 2022

Partido Nº votos Nº QE Vagas eleitas Sobras Vagas eleitas Sobras Vagas eleitas Sobras Vagas eleitas Total
A 70 3,50 3 17,50 17,50 17,50 1 4
B 59 2,95 2 19,67 1 14,75 14,75 3
C 22 1,10 1 11,00 11,00 11,00 1
D 18 0,90* 18,00 18,00 1 9,00 1
E 11 0,55 11,00 11,00 11,00 0
180 Total 9
* Votação acima de 80% do QE. Em negrito, as maiores sobras.

Quadro 3: Proporcionalidade direta dos votos

Partido Nº votos % de votos Proporção de vagas Vagas eleitas
A 70 38,89 3,50 3
B 59 32,78 2,95 3
C 22 12,22 1,10 1
D 18 10,00 0,90 1
E 11 6,11 0,55* 1
180 Total 9
*Sobra de 0,55 é maior que 0,50. Arredondamento para fração acima de 0,5.

Quadro 4: Método de distribuição de votos adotado em Portugal (Hondt adaptado). Não existe quociente eleitoral. A cada rodada de distribuição se compara a sobra que se divide pelo número de vagas. A maior média garante a vaga.

Partido
Rodada A B C D E
1 70 59 22 18 11
2 35 29,5 11 9 5,5
3 23,3 19,7 7,3 6 3,7
4 17,5 14,8 5,5 4,5 2,75
Vagas eleitas 4 3 1 1 0 9
“Em Portugal encontra-se legalmente prevista uma correção ao método Hondt puro, na medida em que, caso falte atribuir o último mandato e se verifique igualdade do quociente em duas listas diferentes, tal mandato será atribuído à lista que em termos de resultados totais tenha obtido menor número de votos.” In https://www.cne.pt/content/metodo-de-hondt

Ou seja, os partidos minoritários são favorecidos. Podemos ver que conforme o método usado, o resultado é diferente.

Quadro 5. Resultado conforme o método usado

devereadores/aseleitos/as
Partido Nº votos Quadro 1 Quadro 2 Quadro 3 Quadro 4
A 70 4 4 3 4
B 59 4 3 3 3
C 22 1 1 1 1
D 18 0 1 1 1
E 11 0 0 1 0

Conforme vemos acima, a vontade popular não é expressa nas vagas eleitas nos quadros 1, 2 e 4. Se a

eleição fosse diretamente proporcional à votação em urna (Quadro 3), até o partido menos votado (6,11% dos votos) elegeria um vereador/a.

O quadro 1 expressa a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados na última semana. É bem diferente do resultado do quadro 3.

O quadro 2 está de acordo com a norma aplicada nas eleições de 2022. O resultado é idêntico ao quadro 4 que é a materialização da lei eleitoral de Portugal.

Conforme exposto, o projeto de lei aprovado na semana passada pela Câmara visa a uma reserva de mercado para ricos nas Câmaras de Vereadores em 2024 e depois nas Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados em 2026.

Uma dificuldade da direita aprovar esse projeto de lei está em que o Senado deve aprovar a lei antes de 05 de Outubro desse ano e o Presidente Lula tem que sancionar, mas também pode vetar.

A outra dificuldade é que o STF tem entendimento que o uso do quociente eleitoral como mínimo para

distribuição de vagas nas eleições proporcionais é inconstitucional, porque impede a eleição de candidatos de partidos minoritários, limita a distribuição de vagas e a bancada acaba sendo mais concentrada, refletindo menos a realidade dos votos na urna.

A terceira dificuldade é que o TSE tem sido muito vigilante com relação aos recursos destinados à candidatura de mulheres e tem resultado em cassação de mandatos de deputados e vereadores de direita.

Temos ainda alguns dias para impedir esse projeto de lei. E com certeza haverá uma batalha judicial se for aprovado da forma que está.

(*) Hilton Faria da Silva é Engenheiro Agrônomo de Palmas/TO

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