Por Valter Pomar (*)
O pronunciamento de Moro, ex-juiz e agora ex-ministro, merece ser estudado com atenção.
Estudado, especialmente, pelos estudantes de artes tragicômicas.
Em primeiro lugar, porque o referido é um grande artista.
Contribuiu para um golpe de Estado contra uma presidenta honesta.
Garantiu a condenação e a prisão de um inocente.
Foi, assim, fundamental para a eleição de um bandido.
Aceitou ser nomeado ministro “da justiça e segurança pública” de uma quadrilha.
Durante sua gestão como ministro, não incomodou nenhum dos bandidos que o cercavam.
E agora pede demissão por que não aceita “interferência política” na nomeação do Diretor Geral da Polícia Federal?
E ainda afirma que tem uma biografia a zelar??
Rule of law???
Há muitas coisas a dizer, sobre a performance recém concluída do referido.
Falemos, por enquanto, do momento mais engenhoso: a referência aos governos petistas.
Disse que naqueles governos, que ele considera corruptos, não houve interferência política na Polícia Federal.
Por tabela, sugeriu que o cavernícola estaria se comportando pior do que a petralha.
Ocorre o seguinte: o cavernícola interferiu na PF e no MJ, com várias finalidades, entre as quais podemos citar a) proteger os crimes de seu clã, b) facilitar as negociações de uma nova maioria congressual, c) ter maior controle sobre a Polícia Federal nos “tempos de guerra” etc.
Alías, um ponto alto da interferência foi a nomeação do próprio Moro, que manipulou o processo judicial para interferir nas eleições de 2018 (um exemplo disto foi citado na coletiva à imprensa: a obstrução da justiça contra o habeas corpus de Lula).
O que o “presidente” fez e faz, portanto, não pode ser denominado de “interferência política”.
O que o cavernícola fez e faz é manipulação criminosa.
Já a presidenta Dilma Rousseff e o presidente Lula deixaram de interferir na PF e no MJ, quando isto era necessário para defender a democracia e o Estado de Direito contra um golpe em marcha.
Foram prisioneiros de um republicanismo ingênuo.
A comparação feita por Moro não cabe, portanto.
Mas precisava ser feita, porque o ex-juiz precisa reconstruir sua imagem, agora como anti-petista e pós-bolsonarista.
Seja para 2022, seja a qualquer momento, pois sua saída do ministério aumentará a pressão contra o governo Bolsonaro.
Curiosamente, a coletiva é muito reveladora do esforço que o ex-juiz fez para continuar no ministério.
Assim, só os acontecimentos poderão confirmar ser ou não verdade que certo tipo de animal abandona navios, porque percebe com antecipação que estão a afundar. E saberemos também (aproveitando a dica de meu colega Demétrio) se o rato é mais ou menos perigoso que antes.
Seja como for, espero que não passe pela cabeça de ninguém convidar o referido para compor uma destas frentes amplas de salvação nacional de que se está a falar tanto.
Afinal, grande artista ou não, um rato continua sendo um rato.
(*) Valter Pomar é integrante do diretório nacional do PT e professor da UFABC