Por Milton Pomar (*)
Ganhar da China segue motivando políticos republicanos e democratas, militares, capitalistas, e grande parte da mídia e da população dos Estados Unidos (EUA), que parecem enxergar na vitória sobre os chineses a maneira de garantir a continuidade da hegemonia norte-americana no mundo, e, assim, seu padrão de consumo, modo de vida, valores etc.
Essa obsessão contra o protagonismo mundial chinês explica a aprovação pelo Congresso, em 5 de novembro, do trilionário pacote de investimentos em infraestrutura proposto pelo governo Biden como “ponto de inflexão entre a democracia e a autocracia”, e para “colocar o país no caminho para vencer a competição econômica”, segundo o que saiu na imprensa internacional. Ainda que não se possa descartar a ocorrência de votos por acordos pouco republicanos de deputados e senadores com o presidente, a maioria dos votos deve ter sido mesmo por causa da formidável pressão do “conjunto da obra” da China sobre o imaginário dos norte-americanos.
Afinal de contas, é impressionante a sucessão de notícias sobre os feitos chineses desde o início da pandemia, do controle da contaminação da Covid, às viagens espaciais à Lua e Marte, mais a redução significativa da pobreza, as novidades tecnológicas quase que diárias, medalhas nas olímpiadas, e a sua estratégica importância como fornecedor mundial de suprimentos para a indústria e a saúde. A redução da oferta de navios chineses impacta a economia mundial, e a do fornecimento de fertilizantes ameaça a agricultura de muitos países.
Certamente deve incomodar muito nos EUA a comparação entre o desempenho do país e o da China, no controle da contaminação da Covid: se lá tivesse ocorrido a proporção norte-americana de 2.264 mortos por milhão (números oficiais, em 7/11/2021), o total de vítimas fatais seria de 3,2 milhões, e não as quase cinco mil registradas. (No caso do Brasil, com 2.846 mortos por milhão, se tivesse a mesma população da China, o total de vítimas fatais seria de 4,1 milhões.) Sucesso chinês e tragédias norte-americana e brasileira, resultantes das ações e omissões dos seus governos negacionistas, que, registre-se, seguem impunes.
Vencer a competição econômica (e comercial, militar, científica, tecnológica e em inovação) com a China significa derrotá-la política e ideologicamente, já que o país insiste em reafirmar que o seu sucesso em todas as áreas se deve ao sistema socialista com características chinesas, em implantação desde o início das Reformas, em 1978. Para vencer, os EUA precisam agora diminuir as muitas diferenças com o país, começando por transportes e a Internet, setores nos quais os chineses “dão um banho”.
Construindo alternativa a Hong Kong na província de Hainan, aproximando-se cada vez mais de Taiwan, e aumentando a presença militar (marítima e aérea) no Mar do Sul, o governo chinês reduz assim três focos históricos de desgaste político com os EUA. E com a entrada em vigor da RCEP (Parceria Regional Econômica Abrangente), a partir de 1º de janeiro de 2022, a situação ficará mais complicada para os EUA, que não participa desse acordo, e não está também na TPP (Parceria Transpacífica, que excluía a China), nem na Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático) – o que significa os EUA fora dos principais acordos da Ásia. Enquanto isso, continua acelerada a efetivação ferroviária e marítima da “Belt and Road Initiative” (a “Rota da Seda Século 21”), conectando a China a quase 150 países, da Ásia, Europa, África e Américas.
Em tempos de 5G, as motivações hegemônicas seguem sendo por matérias-primas, e os alvos principais África e América do Sul. Com a lógica capitalista da concentração industrial cada vez maior, e a China disparada na frente na produção de chips e semicondutores, meio mundo se depara com a escassez resultante da dependência do fornecimento barato e altamente lucrativo dos produtos chineses, tornando confuso o meio de campo e sem solução a curto prazo.
(*) Vladimir Milton Pomar é geografo e militante do PT SC