Movimento Negro: antirracismo, capitalismo e imperialismo

Por Fausto Antonio (*)

1- A luta contra o racismo exige radicalidade dos movimentos negros brasileiros.

A radicalidade significa investir, organizar e atuar num movimento negro antirracismo, anticapitalismo e anti-imperialismo. É fundamental essa proposição. A radicalidade aponta as bases para a unidade antirracismo assegurada pela luta para a superação da branquitude estrutural; núcleo do racismo e, no processo tático, a condução para derrotar o golpe branco de 2016 que, além de materializar os interesses e os privilégios políticos perversos do imperialismo estadunidense e europeu, revela a natureza profundamente racista da sociedade brasileira e do bloco de poder nacional.

A ação para se contrapor ao sistema de privilégios instituídos para brancos e brancas exige transformações estruturais profundas, que estão na composição dos aparatos jurídicos e poííticos de Estado e poder brasileiros. O eleitoral é insuficiente; o racismo está alojado e é a medula do sistema de poder historicamente instituído no país. Não basta apenas usar a tarja antirracismo, anticapitalismo e anti-imperialismo.

É necessário, a serviço de uma política contrária aos privilégios da branquitude, liderar uma campanha contra o golpe branco nas mobilizações convulsionadas pelo Fora Bolsonaro e golpistas racistas e, no mesmo movimento, defender e organizar um processo de intervenção negro-popular e de trabalhadores (as) pela liberdade e candidatura presidencial, em 2022, do ex-presidente Lula. Não se trata de um movimento eleitoral; o foco é defender e apoiar a candidatura como instrumento para derrotar as instituições golpistas e racistas. É uma posição de força e de embate contra o golpe e relevando a sua natureza racista. . Em outros termos, é Lula e Lula em 2022, quaisquer que sejam as posições da casta de brancos, que sintetizam exemplarmente a composição do STF e do sistema judiciário hegemônico no país.

A Confluência, no golpe de estado de 2016, do conjuntural e do estrutural permite entender, de modo empírico, a raiz profunda do racismo e a sua atualização tática nas políticas, na composição branca dos governos (Temer e Bolsonaro) e na violência estrutural e policial.

2– Como se define e funciona o racismo e o capitalismo no Brasil?

Essa questão é central. No Brasi , a revolução para a superação do capitalismo não pode trabalhar com uma formulação de classe que não considere, como um conjunto indissociável, raça, gênero e classe. A tríade é irredutível. A despeito de ser contraditório, o tripé raça, gênero e classe forma um conjunto inseparável e/ou indissociável.

É a partir da cor da classe e do gênero que fertilizaremos leituras e interpretações conjunturais que considerem a questão negra e, ao mesmo tempo, que demandem ou mobilizem recursos humanos e políticos, que organizem os trabalhadores (as) num movimento de massas para superar as estruturas racistas.

3- Lula , o discurso de 7 de setembro e o antirracismo

O movimento negro radical atua na conjuntura, que é um quadro que atualiza, pós golpe de 2016, a estrutura capitalista, imperialista e igualmente, pela natureza do nosso processo histórico, o racismo. O discurso do ex-presidente Lula, pela sua extensão, capilaridade e alcance popular, atualiza a tática de não capitulação, que brada pelo Fora Bolsonaro e golpistas e pela organização de uma frente unitária de trabalhadores (as) contra a direita e extrema direita.

Sendo assim, a proposição ou campanha Lula 2022 não é um movimento eleitoral; o objetivo é mobilizar e principalmente organizar as massas a partir de uma frente unitária contra o golpe branco, os golpistas e Bolsonaro, que é anteparo do PSDB, DEM, Centrão, STF e sistemas econômico, militar, policial e de comunicação.

4- Movimento negro antirracismo e a frente unitária contra a direita e extrema direita brancas

O movimento negro antirracismo deve considerar o discurso de Lula no 7 de setembro de 2020. O movimento deve atuar igualmente numa frente unitária contra a direita e extrema direita.

5- O Antirracismo tem implicação tática e estratégica

Além dessa discussão que considera raça, gênero e classe como uma tríade irredutível e que deve ser mobilizada, é preciso superar também visões que reproduzem lugares que não são próprios dos movimentos negros brasileiros. Os movimentos negros brasileiros se posicionam historicamente num campo antirracismo. Fico preocupado quando vejo, nas discussões públicas, as expressões movimento negro antirracista, educação antirracista e/pu politica antirracista .

A expressão antirracista é uma redução indevida e induz a erros políticos e conceituais. As nossas posições, dos movimentos negros no Brasil, são antirracismo. O alvo ou o centro do processo de mudança é o sistema racista existente no Brasil e não uma preocupação com racistas isoladamente, posição que não é produtiva do ponto de vista do entendimento e superação do racismo. A luta é antirracismo. Organizamos negros (as) e trabalhadores (as) para a superação do racismo. Lutamos para a superação do racismo do ponto de vista dos privilégios sistêmicos dados estrutural e conjunturalmente a brancos e brancas.

O ideal e se contrapor aos privilégios da branquitude, isto é, aos privilégios de brancos e brancas do ponto de vista da estrutura da sociedade brasileira. O reparo é ou faz parte da luta antirracismo. O movimento negro historicamente é um movimento antirracismo. Isso deve ser negritado, porque têm implicações também para a compreensão de que estamos numa contraposição a um sistema; o que obriga e impõe também a radical intervenção dos movimentos negros.

Dentro desses limites, o movimento negro radical ,além do processo apenas eleitoral e/ou da ordem existente no Brasil, se apresenta, mobiliza e organiza as suas bases como movimento anticapitalismo e imperialismo.

Nós precisamos do movimento negro radical nesse sentido e que enfrente , a partir dessa perspectiva, o racismo , o capitalismo e o imperialismo numa mesma malha de discussão e de intervenção política. A cor da classe do bloco de poder no Brasil aponta o caminho para a ação na conjuntura e estrutura. O antirracismo não pode abrir mão dessa posição, que é o retrato da natureza e/ou constituição do capitalismo no Brasil. O movimento negro da ordem, um movimento negro eleitoral, não resolve absolutamente nada, porque é preciso uma luta para a constituição de um processo de transformação do sistema de poder racista e racializado pela branquitude totalitária.

6- Identidade, identificação e o antirracismo

Outro uso no período atual indevido e feito às avessas das construções dos movimentos negros antirracismo, no Brasil, é dado pela noção de identirarismo, que é uma redução, que não é sinônimo de identidade negra e identificação negra, cujos significados, politicamente complementares, são distintos como categorias de análise e interpretação. Identitarismo, noção inacabada como qualquer outra noção ou teoria, tem sido pautado por setores da esquerda brasileira. Há uma associação indevida dos movimentos negros brasileiros, de modo geral, ao identitarismo, que seria algo restrito ao marco de uma identidade negra e sem outros significados políticos e sociais.

A associação , por parte da esquerda, do movimento negro brasileiro ao identitarismo, é outro lugar movediço e que acaba afastando a possibilidade da construção de um movimento antirracismo, porque a esquerda poderia se ocupar de questões que são mais relevantes e não dessa associação de superfícies com o identitarismo.

A rigor, o movimento negro brasileiro historicamente trabalha com identidade , que é uma noção que precisa ser refeita permanentemente e, sobretudo, o movimento negro trabalha com identificação. E os movimentos negros lidaram e lidam com identidades e com identificação para construir um artefato para a superação das visões de branqueamento que estão presentes nos sistemas racistas brasileiros. Na medida em que é necessária essa construção de uma identidade negra e, ao mesmo tempo, de identificação de negros e negras, o movimento negro não está pautando uma posição que seria de identitarismo. Negras e negros, que materializam o movimento negro, estão usando essas categorias para se contraporem à política de branqueamento e branquitude.

No Brasil, a identidade é om recurso indispensável para a luta contra o racismo. Na mesma malha de intervenção antirracismo, os movimentos negros utilizam com pertinência e propriedade a identificação de quem é negro e negra. Trata-se de uma contraposição ao branqueamento e/ou invisibilidade da negrada no contexto socioespacial brasileiro. Tudo é feito; o processo político de articular identidade e identificação, a partir de dados da corporeidade, fenótipo, como elementos mobilizadores de uma política na contramão daquelas estabelecidas pelo branqueamento.

Os movimentos de identidade e identificação estão casados pelo uso dado pelos movimentos negros. É um uso político e antirracismo. A identidade é de cada um e cada uma, e a identificação, considerando que há racismo no Brasil, ela é de uma outra ordem, é da ordem de um motor político e é fundamental para fazer um contraponto às posições dadas pelo branqueamento, que está a serviço da branquitude totalitária que persiste no país.

(*) Fausto Antonio é escritor, poeta , dramaturgo e professor da Unilab. E autor dos festejados No Reino da Carapinha, Memória dos meus carvoeiros, Arthur Bispo do Rosário, o Rei e Exumos.


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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