Publicado originalmente no Brasil de Fato
Acampamento Pedagógico da Juventude, realizado em 2016 em Eldorado do Carajás; neste ano, ações serão virtuais – Marcelo Cruz
Todos os anos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) transforma o mês de abril em período de luta camponesa internacional em defesa da Reforma Agrária e de luto pela memória dos 21 sem terra assassinados no dia 17 de abril de 1996, no sul do Pará.
Nesta data, ocorreu o massacre de Eldorado do Carajás, que completa 25 anos com o país vivendo uma pandemia em descontrole sob o governo Jair Bolsonaro e ataques às conquistas da Reforma Agrária e dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros.
Por conta da necessidade de isolamento social para conter o avanço da pandemia, a Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária do MST ocorre, pelo segundo ano consecutivo, com atos simbólicos e atividades virtuais. Neste sábado (17), às 10h, acontece o Ato Político-Cultural Internacional ( acompanhe aqui )que resgata a memória das vítimas do massacre e os 25 anos de sua impunidade. A atividade também celebra as batalhas do MST e debate os principais desafios da classe trabalhadora.
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Já em andamento, desde o dia 10 de abril é realizada a 15ª edição do Acampamento Pedagógico da Juventude Oziel Alves, desta vez em formato online. O acampamento, que tradicionalmente é na Curva do “S”, em Eldorado do Carajás, onde foi o massacre, abriu a Jornada Nacional de Lutas e segue até o dia 17 com informações, oficinas, atividades culturais e de memória sobre os assassinatos.
Durante o ato do dia 17, também será lançada a Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA), que desde 2014 vem mobilizando várias instituições de ensino superior na defesa da Reforma Agrária e da educação pública como bases para construção de um projeto popular para o país. No domingo (18), serão realizadas ações de solidariedade em todo Brasil.
A Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária encerra no dia 21 de abril com a perspectiva da luta pela vida, a partir da recuperação de áreas degradadas por meio da campanha “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”. Lançada em 2019, a proposta é que, em dez anos, as famílias acampadas e assentadas da Reforma Agrária e a sociedade em geral plantem 100 milhões de árvores em todo o país.
“A solidariedade é a base da resistência política de todas as ações que estão sendo construídas”, disse Marina dos Santos, da direção nacional do movimento, em coletiva de imprensa do MST realizada nesta sexta-feira (16).
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“Todos os estados estão com ações planejadas, especialmente para amanhã, com doação de alimentos. Em muitos lugares, haverá paralisações com faixas e cartazes, mantendo viva a memória de Eldorado do Carajás e fazendo parte da caminhada nacional e internacional para todos terem acesso à vacina contra à covid, ao auxílio emergencial enquanto dure a pandemia e pela bandeira geral ‘Fora Bolsonaro’ que o MST encampou”, pontuou a dirigente.
Governo federal promove “entulhos autoritários”
Jornada que marca o Abril Vermelho deste ano terá atividades online, além de ações de solidariedade e plantio de árvores / Comunicação MST
De acordo com Marina, as lutas e bandeiras da Reforma Agrária estão inseridas no contexto que o Brasil está vivendo de crise política, econômica e ambiental, onde as políticas de Reforma Agrária não estão desconectadas das diretrizes nacionais adotadas pelo governo federal. “Na questão fundiária, o governo federal tem realizado entulhos autoritários agrários. São novas normativas que o governo vem construindo para favorecer o grande latifúndio, fazendeiros, donos de terras, o agronegócio, em detrimento dos camponeses familiares, indígenas, quilombolas e assentamentos ligados às nossas bandeiras.”
Ela alerta ainda que o governo vem tentando promover a regularização fundiária na Amazônia para colocar as terras também à disposição dos grandes proprietários. Somado a isso, estão os crimes ambientais, “desde o fogo, o desmatamento, a venda de madeira ilegal por parte do agronegócio com proteção tanto do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, quanto do próprio Bolsonaro”.
Marina dos Santos destaca ainda o aumento da repressão no campo, com “atuação de milícias, jagunços, junto com proprietários da fazendas, que vão em nossas áreas fazer ameaças”. Além disso, o governo trabalha para criar normas para retirar o tema da função social da terra urbana e rural da Constituição Federal.
“Isso excluiria a possibilidade de Reforma Agrária no país, considerando que ela é garantida na Constituição e é a base das ocupações que o MST tem feito nesses mais ou menos 36 anos”, observa Marina.
Outro elemento relacionado com a política agrária, conforme a dirigente, é o aumento da fome. “Nos últimos dias, temos visto diversos estudos com números alarmantes. Temos, hoje, no Brasil, 19 milhões de pessoas sem acesso à comida todos os dias. Por outro lado, somos um país que tem condições de produzir comida para todos os brasileiros e também para o continente latino-americano”, avalia.
Massacre segue impune
Ações também cobram vacinação em massa, auxílio emergencial e o impeachment de Bolsonaro / Igor de Nadai/MST-PR
O massacre no município Eldorado do Carajás foi promovido pela Polícia Militar do Pará, que matou 21 sem terra no local conhecido como Curva do “S”, no final da tarde de 17 de abril de 1996. Cerca de 1.500 sem terra estavam acampados reivindicando a desapropriação da fazenda Macaxeira. Até hoje, o crime segue impune. Os mais de 100 policiais foram absolvidos.
“Neste massacre, para nós que participamos, antes e depois, fica a dor dos camponeses e das famílias, a dor do MST de não ter acontecido ainda um julgamento para essa questão. O MST continua lutando para um dia ver um julgamento justo aqui no estado do Pará”, afirma Francisco Moura, o Tito, do MST do Pará e da Frente de Marcha do MST Nacional.
Ele destaca que muitas famílias que passaram pelo massacre ficaram com grandes sequelas. “É gente que não pode trabalhar, não pode fazer as atividades no campo. Hoje, o estado é negligente sobre o massacre, alguns foram indenizados, outros não, outros vivem com muita dificuldade porque tiraram o trabalho dos camponeses”, afirma Tito.
Segundo ele, a violência contra camponeses no Norte do país segue ocorrendo, tanto no que se refere a despejos indevidos mesmo durante a pandemia, como violência física praticada por “jagunços e milícias da região”. “Estamos buscando com outros movimentos aqui da região, com a CPT, para ver como fortalecer a luta contra o despejo na pandemia. É preocupante, dramática e perigosa essa situação, existe despejo clandestino na calada da noite, e pode ocorrer outro massacre aqui na região”, releva.
Após 25 anos, muitos ainda não têm terra
João Paulo Rodrigues, também da direção nacional do MST, recorda que o massacre de Eldorado do Carajás marcou um momento de popularização da Reforma Agrária no país. “A grande marcha de 1997 obrigou o governo de Fernando Henrique Cardoso a oficializar a Reforma Agrária e um conjunto de políticas que se consolidou no governo Lula”, conta.
A Marcha Nacional por Emprego, Justiça e Reforma Agrária, a que João Paulo se refere, cumpriu o objetivo de chegar em Brasília no dia que se completou um ano do massacre de Eldorado do Carajás. A marcha partiu de três colunas, uma da capital paulista, uma de Governador Valadares (MG) e outra de Rondonópolis (MG). Cerca de 1.300 sem terra atravessaram o país a pé para se juntar a mais de 100 mil pessoas, episódio que ficou conhecido como “A Marcha dos 100 mil”.
O dirigente aponta que a data de resistência deu origem ao Dia Internacional da Luta Camponesa, celebrada em mais de 78 países, e no Brasil foi criado o Dia Nacional da Luta pela Reforma Agrária. Ao mesmo tempo, relata uma série de preocupações.
“Nos preocupa que, 25 anos depois, tenhamos ainda uma quantidade imensa de famílias sem terra no Brasil e muitos acampados. São quase 200 mil famílias acampadas em condições as mais diversas nas beiras de estradas e latifúndios improdutivos”, afirma.
Ele destaca ainda que o atual momento é mais desafiador, tendo o governo Bolsonaro e seu projeto para o campo dividido em três aspectos: “armamento do latifúndio, regularização fundiária para privatizar 20 milhões de hectares de terras para a iniciativa privada e a prioridade para o agronegócio, deixando o valor do dólar alto para priorizar a exportação da soja e desabastecer todas as políticas públicas de Reforma Agrária”.
Calendário de lutas da Jornada de Abril
10 a 17/04 – 15º Acampamento Pedagógico da Juventude da Sem Terra Oziel Alves Pereira;
16/04 – Ação nas redes sociais;
17/04 – Dia Internacional da Luta Camponesa. Ato Político-Cultural às 10h (virtual). Dia “D”, com ações simbólicas às 9h. Ação nas redes sociais com twittaço;
18/04 – Ações de solidariedade por todo o país;
21/04 – Ações do Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”