Por Valter Pomar (*)
Aviso aos leitores: o que segue é tudo ficção e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
Direitas e extremas-direitas saem para as ruas em 2013.
Quase ganham as eleições em 2014.
Tomam novamente as ruas em 2015 e 2016.
Promovem um golpe disfarçado de impeachment.
Fazem um governo de merda.
Condenam, prendem e interditam o líder das pesquisas.
Ganham deste jeito as eleições em 2018.
Again um governo de merda.
Contribuem na morte de mais de 600 mil pessoas.
Perdem por pouco as eleições em 2022.
Promovem uma intentona golpista em 2023.
Convocam uma manifestação para o domingo 25 de fevereiro de 2024.
Na véspera da citada manifestação, pessoas avaliam que a manifestação vai “flopar”.
Circula uma análise de redes sociais estimando que haveria de 20 a 40 mil presentes.
Manifestação reúne mais de 180 mil pessoas.
Na manhã seguinte, hora do balanço.
Muita gente admitindo que subestimou o que aconteceria.
Pouca gente respondendo qual a explicação para esta subestimação continuada, que há mais de dez anos minimiza a força do lado de lá.
Por qual motivo há tanta resistência em reconhecer os tempos que vivemos, tal como eles são e não como gostaríamos que fossem?
Resistência que aparece nas palavras de um jornalista famoso, acompanhado cotidianamente por muita gente de esquerda, que no dia 26 pela manhã afirmava que na manifestação havia “pouca gente”, “muito gado”, “mobilizado por fake news”, “vindo para um culto”, “trazido graças à grana dos organizadores”.
(Em seguida à lacração, veio a propaganda de um curso de “empreendedorismo”.)
Há muitos motivos para tal mistura de cegueira e arrogância.
Um destes motivos é preguiça. Afinal, para enfrentar a realidade como ela é, será preciso sair da “zona de conforto”.
Preguiça que apareceu, por exemplo, em algumas das falas feitas, na tarde do dia 26, num balanço informal da manifestação: frente a uma proposta de convocar massiva manifestação em defesa das liberdades democráticas, alguém disse discordar, pois não devemos ser “reativos”. Até porque, completou, para quem está no governo, “não interessa nada que não seja governar”.
Junto veio a proposta de “deixar rolar” a proposta de anistia e, talvez, encaminhar para o Supremo Tribunal Militar o julgamento dos fardados golpistas.
Outro alguém disse que convocar uma manifestação pode “causar mais problemas”, pois a “polifonia” típica da esquerda pode “criar constrangimentos para o presidente”.
Um terceiro lembrou, certamente fazendo ironia, que a palavra de ordem de anistia “dialoga” bem com a proposta de “união e reconstrução”.
Felizmente, como foi alertado no início, é tudo ficção, sonhos de uma noite mal dormida.
O que não é ficção é a história contada, na manhã de domingo 25 de fevereiro, por um gauche assumidamente octogenário, recordando que aos 20 anos morava numa casa do estudante, militava no partido do proletariado e buscava orientação sobre como enfrentar o golpe militar recém ocorrido.
A resposta que recebeu da direção foi: “não vamos cair em provocação, em 1965 haverá eleição”.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT
ps.se a esquerda deixar o tema da “anistia” na mão das instituições, são grandes as chances de mais um acordo por cima passar a borracha nos crimes da extrema-direita. Entre outras medidas é preciso, como foi indicado na reunião da executiva nacional do PT, fortalecer as manifestações previstas para o mês de março. É necessário, ademais, que o companheiro Lula esteja presente na principal destas manifestações. Do contrário, a “pressão das ruas” será monopólio cavernícola.