Nos primeiros dias do governo Lula, antipetismo midiático já volta com força total

Por Francisco Fernandes Ladeira (*)

O antipetismo – suposto sentimento contra a corrupção que, na verdade, representa o ódio das classes média e alta às políticas sociais dos governos do PT – foi alimentado, entre outras fontes, pelos venais discursos da grande mídia. O principal resultado nefasto dessa empreitada, como tragicamente sabemos, foram os quatro obscuros anos de Jair Bolsonaro na presidência.

Assim, diante desse exemplo histórico, era de se esperar que editoriais e reportagens dos maiores veículos de imprensa do país não repetissem erros pretéritos em seus noticiários políticos, pois isso pode dar ainda mais combustível para os delírios da extrema direita ou, o que é pior, preparar o terreno para uma possível volta de Bolsonaro ao poder.

No entanto, mesmo com poucos dias de governo Lula, basta uma breve análise discursiva para constatarmos que a grande mídia brasileira não aprendeu com os erros passados, fazendo jus ao acrônimo PIG (Partido da Imprensa Golpista), criado pelo saudoso Paulo Henrique Amorim.

Ao que tudo indica, não estamos presenciando nem aquela clássica “lua de mel” que tradicionalmente os novos presidentes brasileiros costumam ter com a imprensa nos primeiros meses de mandato.

Mal Lula tomou posse, o arsenal de ataques midiáticos já entrou em ação com força total. Para Demétrio Magnoli, comentarista da GloboNews, a primeira semana do governo Lula foi marcada por desinformação e derrapadas. “No 1º discurso, presidente adota tom esquerdista na economia, fala aos seus e defende democracia”, escreveu Igor Gielow na Folha de S. Paulo. Segundo o colunista da BandNews FM, Rodrigo Orengo, as declarações de Lula foram feitas sob medida para o eleitor petista e faltou diálogo com os brasileiros que não votaram nele. Do mesmo modo, articulistas da GloboNews também destacaram um (suposto) viés discursivo de Lula voltado para seus partidários.

Ou seja, para os “formadores de opinião” da grande imprensa, falar em combater a fome, apregoar justiça social e respeitar as diferenças é “discursar somente para a esquerda”. Seguindo essa lógica, bom mesmo seria se Lula tivesse dito que governaria apenas para os ricos, para agradar ao “mercado”.

Por falar nisso, o “deus Mercado” (essa misteriosa entidade acima de tudo e de todos) está por trás da maioria das (precoces) críticas midiáticas ao terceiro governo Lula.

Matéria na revista Veja, assinada por Daniel Pereira, intitulada “Os preocupantes sinais populistas no início do novo governo Lula”, aponta que o “presidente pretende enfrentar os problemas econômicos do país a partir de receitas ultrapassadas, que servem apenas para iludir a plateia”. Essas “receitas ultrapassadas”, evidentemente contrárias às diretrizes neoliberais, são “revogar o teto de gastos”, “ampliar o programa Bolsa Família” e “recuperar o orçamento de ações consideradas prioritárias em áreas como saúde e educação”.

Em texto publicado no Estado de São Paulo, Murilo Rodrigues criticou o governo Lula pelo fim do teto de gastos, pela possibilidade de uma nova lei trabalhista e pela volta de empréstimos a custos adequados. Traduzindo, isso significa que, para o articulista do Estadão, trabalhador não pode ter direitos, o orçamento público deve ser direcionado somente para banqueiros e pobre não pode tomar dinheiro emprestado a juros baixos. Não por acaso, também no jornal paulista, um editorial chamou Fernando Haddad, responsável pela pasta da Economia, de “ministro decorativo de Lula”.

Como bem afirmou o historiador Carlos Batista Alves Neto, em seu canal no YouTube, “quem acompanha os noticiários já ouviu palavras com ‘PEC da gastança’, ‘caça às bruxas’, ‘PEC do estouro’, tudo isso para tentar criar uma retórica, uma narrativa de que o governo Lula vai afundar o Brasil”.

Conforme a experiência nos mostra, essa cruzada da imprensa contra Lula era esperada. O que surpreende é a precocidade e agressividade com que os discursos midiáticos estão atacando o governo, mesmo depois dos sombrios anos bolsonaristas.

Muitos na esquerda dizem que o fato de os principais veículos de comunicação estarem batendo no governo é sinal de que estamos no caminho certo (haja visto quais são os interesses econômicos que esses grupos atendem).

Contudo, vide a verborragia hegemônica, mais do que nunca, é preciso fortalecer a imprensa alternativa, disputar narrativas e impedir que o terceiro mandato de Lula tome um viés marcadamente pró-mercado (como querem mídia e grande capital). Tudo isso sem falar na máquina de espalhar fake news do exército virtual bolsonarista que ainda opera a pleno vapor.

Em suma, tal como o governo, nossa luta também está apenas começando.

(*) Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em geografia na Unicamp. Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (CRV).


 Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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