Novamente sobre a demissão de Silvio Almeida

Por Valter Pomar (*)

A tendência petista de que faço parte não tomou posição coletiva sobre o conjunto de aspectos envolvidos na demissão do ministro Silvio Almeida. Obviamente, votamos a favor da nota aprovada pela comissão executiva nacional. Mas, a respeito dos inúmeros “detalhes”, as posições que cada militante manifesta a respeito são individuais.

Minha posição, ou parte dela, foi expressa no texto disponível no seguinte endereço: Valter Pomar: Sobre a demissão de Silvio Almeida

Ontem foi publicada no Viomundo e na Fórum a posição da companheira Tania Mandarino, que como eu integra a tendência petista Articulação de Esquerda.

A íntegra da posição de Tânia Mandarino está aqui: Tânia Mandarino: Para punir o homem não basta a palavra da mulher. Para protegê-la, sim! | Revista Fórum (revistaforum.com.br)

Tânia afirma que não está “defendendo nem Silvio Almeida nem Anielle Franco, porque as investigações dirão o que de fato aconteceu. Eu não boto minha mão no fogo por nenhum dos dois”.

Não estou de acordo em colocar as coisas nesses termos. Em primeiro lugar, não estamos diante de um conflito de versões entre duas pessoas. Estamos diante de uma situação em que uma pessoa foi alvo de várias acusações, feitas por muitas pessoas.

Ademais, adoraria ter a convicção de que as “investigações dirão o que de fato aconteceu”. Como é de conhecimento público, o número de crimes contra a mulher é muito maior do que o número de denúncias, entre outros motivos porque é muito difícil condenar e provar, o que não quer dizer que o crime não tenha sido cometido.

Tânia diz, também, que tem “ouvido tanta besteira nos grupos, tanta besteira, que quis vir aqui contribuir, mesmo sob o risco de ser cancelada pelo identitarismo vigente que está causando esse estrago no país”.

Esta maneira de colocar o problema não me parece a mais adequada. Não pela parte acerca das “besteiras”, embora talvez haja divergência acerca do que é e do que não é besteira. O que considero inadequado é a parte que se refere ao “identitarismo vigente que está causando esse estrago no país”.

Não tenho certeza sobre qual seria “esse” estrago a que Tânia se refere. Seja lá qual for, neste caso acho equivocado apontar o dedo acusador para o “identitarismo”. Entre outros motivos porque, na longa lista daquilo que causa “estrago” em nosso país – incluindo aí a violência contra as mulheres em geral e contra as mulheres negras em particular – o “identitarismo” seguramente não ocupa os primeiros lugares.

Tânia defende que “a palavra da mulher tem prevalência absoluta, mas nunca, jamais, para o efeito de condenação do suposto assediador, ou importunador”. Eu acrescentaria uma palavra na frase: “penal”. Afinal, para condenar alguém nos termos da lei, é necessário o devido processo legal, garantida a presunção de inocência, o direito à defesa e ao contraditório. Mas condenação penal e condenação política são coisas muito diferentes.

Não se trata, como é óbvio, de um tema trivial, como vimos no caso da Ação Penal 470 e no caso da Lava Jato. A condenação política – tão fácil neste ambiente de denuncismo e de redes antisociais – pode criar um ambiente que dificulte, objetivamente, o direito à defesa. Mas também pode ocorrer da não condenação política obstaculizar o devido processo, em prejuízo das vítimas, como ocorre no caso do presidente da Câmara dos Deputados, sem falar de outros cidadãos ilustres.

Para enfrentar este dilema, não encontramos resposta em “nenhuma regra do ordenamento jurídico brasileiro”. A questão é política, admitindo muitas mediações e soluções. Entretanto, por onde quer que eu observe os acontecimentos, não acho certo falar em “questão abjeta pela forma como vazou”. A questão é abjeta sim, mas por outros motivos, não devido a “forma como vazou”. Aliás, devemos nos perguntar se a “forma como vazou” não estaria vinculada a dificuldade de processar os que cometem crimes contra as mulheres.

Na mesma linha, acho um erro falar que estaríamos “penando aqui, em ano eleitoral, sabe, sofrendo por causa de uma questão tão idiota, que foi colocada de uma forma ridícula para uma ONG”. De fato, nessa eleição muitos de nós estamos “penando” e “sofrendo”, mas por outros motivos. Ademais, a “questão” pode ser muitas coisas, mas “idiota” não é. Como a própria Tânia afirma, estamos diante de um crime, seja de violência, seja de falsa denúncia. Finalmente, longe de mim qualquer entusiasmo por ongues; mas não acho razoável tratar como “ridícula” a atitude de quem busca denunciar um crime.

Meu ponto, em resumo, é o seguinte: tudo deveria e poderia ter ocorrido de forma diferente. Mas não me espanta que tenha ocorrido assim. Tampouco acho que já tenhamos todos os elementos para formar um juízo relativamente completo. Até porque podemos estar diante daquilo que alguns chamam de crise sinalizadora. Feitas todas estas ressalvas, opino que a executiva nacional do PT fez certo em solidarizar-se com Anielle e com as mulheres vítimas de violência, assim como Lula fez certo em demitir Sílvio Almeida. E acertou de novo ao escolher a nova ministra de Direitos Humanos.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *