O colapso da educação no estado de São Paulo

Por Karen Ap. Silveira (*)

A educação no estado de São Paulo vem degringolando há anos e o atual governador, Tarcísio de Freitas (PL), junto com o secretário de educação, Renato Feder, estão acabando com o pouco que ainda tinha.

Os 30 anos de governos PSDB no estado de São Paulo são a causa desse desmonte. Nesse período, a política neoliberal do PSDB desmontou a qualidade da educação e aumentou a desvalorização dos profissionais. Esse período foi marcado pela implantação de vários projetos que nunca chegaram às etapas finais, foram interrompidos a cada mudança de governador, mesmo sendo do mesmo partido, ficando, assim, sem avaliação de resultados. Mas, a cada mudança, a cada novo projeto, foi ficando nítida a desqualificação da educação. A política implantada pelos governos PSDB tinha como eixo as avaliações externas, a meritocracia, e desvalorização profissional dos trabalhadores da educação. Todas essas ações vão deixar um espaço propício para a implantação dos projetos do atual governo, de extrema-direita, com uma política fascista e privatizante.

A partir do ano passado – 2023 – com o Tarcísio de Freitas assumindo o governo do estado de São Paulo junto com o secretário de educação, Renato Feder, a situação na educação só vem piorando a cada dia.

No ano 2023, as mudanças foram mais lentas, mesmo porque, tanto o secretário quanto o governador precisavam conhecer um pouco da realidade do estado do qual estão respondendo. Por isso, a maioria das medidas implantadas foram as heranças do ex-governador João Dória (PSDB). Iniciou o ano com a implantação do cumprimento das APDs (Atividades Pedagógicas Diversificadas) dentro da escola, ou seja, os professores passaram a cumprir toda a sua jornada de trabalho na escola, isso é uma reivindicação muito antiga da categoria, porém, para isso acontecer, é necessário ter condições de espaços físicos, tecnológicos e mobiliário, que em nenhum momento foi feito.

Na verdade, as escolas foram se adaptando conforme dava nos espaços existentes, desencadeando vários problemas nas escolas e para a saúde física e mental do professor. Não é preciso dizer que o número de afastamentos aumentou significativamente, acarretando outro problema para os professores, pois a maioria da categoria que tinha que cumprir essa jornada pertence à “Categoria O”, a dos professores contratados precariamente, sem direito nenhum, nem mesmo da licença para tratar da saúde. Esses profissionais, quando têm a necessidade estender o atestado médico para mais de 15 dias, perdem o contrato, e, quando chegam no INSS para darem entrada em licença saúde, descobrem que o governo não depositou a parte que lhe corresponde, portanto não conseguem a licença, ficam sem pagamento e sem emprego. É importante destacar que isso é consequência do governo anterior, que alterou o plano de carreira dos professores, alterando a jornada e retirando diversas conquistas.

O atual governo anunciou e realizou o concurso público, que era uma reivindicação da categoria, porém com sérios problemas, primeiro afirmando que só irá contratar 15 mil professores, e a defasagem é de mais ou menos de 100 mil profissionais. Outra questão é referente a uma das fases do concurso, que, inclusive, está na justiça até hoje, para a qual os professores tiveram que gravar uma aula, dentro das regras do edital, e essa fase era eliminatória. A nota dessa fase era 0 ou 100%, não teve meio termo, ou seja, ou professor acertou tudo, ou errou tudo, e isso fez com que os professores passassem a questionar a validade dessa fase, pois aconteceu de tudo, professores com comprovante que enviaram os vídeos, e a empresa que fez o concurso eliminando os mesmos porque não entregaram, e até o questionamento de que não era possível ter zerado na nota se atendeu a todas as especificações do edital, portanto era necessário que a empresa desse um feedback de onde estava erro, e por que estes tinham zerado na nota. Isso não aconteceu até agora, e o processo continua correndo. Além disso, a APEOESP também tem ação na justiça solicitando que essa fase do concurso deixe de ser eliminatória, já que os resultados não são confiáveis.

No decorrer do ano, o secretário Renato Feder e o governador Tarcísio de Freitas começaram a implantar a sua política, no segundo bimestre, as provas externas, feitas pela Secretaria de Educação, passaram a se chamar Prova Paulista, e a serem realizadas através do CMSP (Centro de Mídias de São Paulo) e para todas as matérias, com isso, começou uma nova forma de pressão para os professores, pois as salas que acertam menos de 50% da prova, a cobrança é toda no professor, como se este não tivesse dado aula, não tivesse explicado a matéria.

Nesse ponto, é importante destacar que nem sempre é possível trabalhar todo o conteúdo proposto pelo governo no bimestre, e muitas vezes essa nota está relacionada com essa questão, outra coisa importante é que, até o final do primeiro semestre, o principal material de apoio era o Currículo em Ação, deixado pelo governo anterior, e que muitas vezes não era o mesmo conteúdo que caiu na Prova Paulista, por isso, a partir do segundo semestre, inicia-se com as aulas virtuais, que são aulas prontas dos conteúdos que devem ser dados pelos professores, esses tinham que acessar o repositório, baixar a aula e passar para os seus alunos, essas estão diretamente ligadas aos conteúdos da Prova Paulista. Isso fez com que a maioria dos professores começasse a utilizar essas aulas, para que assim não sofressem tanta pressão após a aplicação da prova externa no final do terceiro bimestre.

Além da prova, era necessário que os professores anotassem o código que cada aula tinha e passasse para os alunos, para que estes entrassem no CMSP e realizassem a Tarefa de Casa, que eram duas questões de alternativa relacionada ao conteúdo dado, essa Tarefa de Casa começou a ser um problema, a maioria dos alunos não realizava, por diversos fatores, desde falta de equipamentos tecnológicos até a falta de interesse que estava ligada à questão de “por que preciso fazer isso????”. Além disso, as aulas de tecnologia passaram a ser através de uma plataforma chamada ALURA, que é para trabalhar programação, e os professores que estavam com essas aulas tiveram que se virar para dar conta de auxiliar os alunos a fazerem a plataforma, pois a maioria não tinha a mínima noção do que era programação. Tudo isso sem aumentar os equipamentos tecnológicos das escolas, sem melhorar a rede de internet, com diminuição das verbas que são enviadas às escolas para que estas adquiram o que o Conselho de Escola avalia ser necessário, ou seja, apenas “cumpra-se”, e vire-se para dar conta.

No final do ano de 2023, nova surpresa, na atribuição de aula, a Secretaria de Educação ficou perdida sobre como fazer o processo, os responsáveis não conheciam ainda a estrutura e como funcionava a atribuição. Diante disso, os professores efetivos tiveram as suas aulas atribuídas apenas na semana entre Natal e Ano Novo. Os demais professores das outras categorias foram atribuídos somente em final de janeiro de 2024. Nesse momento, o secretário de educação já demonstrava exatamente o que pretendia para a educação do estado de São Paulo. Para os professores “Categoria O”, essa atribuição de início de ano foi a pior de todas, desde a existência dessa forma de contratação precarizada do profissional. Primeira coisa, é que o governo terceirizou o processo de classificação dos professores através da empresa VUNESP, a mesma que fez o concurso.

Os professores tiveram que acessar o site da empresa e alimentar com todas as informações que eram solicitadas, após esse período, a partir dessas informações e das notas que os professores tiraram na prova do concurso, eles foram classificados. Isso valeu apenas para os professores de fundamental II e médio. Para os professores de fundamental I, o processo continuou o mesmo, tendo que entrar na plataforma Banco de Talentos e apenas acrescentar informações novas. Após a publicação da classificação, novos problemas, vários professores com pontuação errada, e isso levaria a que muitos não conseguissem atribuir aula.

Depois de muita discussão e ação na justiça por parte da APEOESP, foi reaberto o processo de classificação para que as correções necessárias fossem feitas. Nem tudo foi corrigido, e tiveram professores que acabaram sendo prejudicados na classificação e, consequentemente, na atribuição. A atribuição foi da forma menos transparente possível, ou seja, aconteceu dentro de cada Diretoria de Ensino (DE), onde os professores não tinham acesso e nem informação e nem o sindicato podia acompanhar, foi tudo feito através da Secretaria Escolar Digital (SED), e os professores tinham que ficar esperando a escola ligar e informar que as aulas dele estavam atribuídas naquela unidade e dar a data que o mesmo deveria comparecer com os documentos para comprovar as informações colocadas no site da VUNESP. Isso levou o início das aulas deste ano – 2024 – para segunda quinzena de fevereiro, após o carnaval.

Enquanto acontecia tudo isso, os professores que já estavam com aula atribuída iniciaram o ano com o planejamento anual, uma semana antes do carnaval, passando a conhecer todas as novidades para este fatídico ano. Algumas informações já haviam acontecido durante o processo de atribuição, pois as matérias da parte diversificada da grade curricular haviam mudado, tanto para o fundamental II quanto para o ensino médio, outra questão do ensino médio foi a mudança feita na estrutura da grade geral, matérias como Filosofia, Sociologia, História, Geografia e Artes perderam aulas nessa nova reformulação do governo Tarcísio de Freitas e na parte diversificada entrou, entre outras, Empreendedorismo.

Nas matérias da parte diversificada, tanto no ensino fundamental II quanto no ensino médio, foi estabelecido quais licenciaturas podiam ter aquelas aulas atribuídas, isso já mexeu bastante com o processo todo de atribuição. Com inicio do planejamento, começaram as novidades: a primeira informação foi a de que as aulas virtuais têm que ser utilizadas, pois a secretaria agora faz o controle de quem acessa ou não essas aulas, e o fato de não acessar prejudica a nota da escola, na sequência foi a Tarefa de Casa, que a partir deste ano os alunos são obrigados a fazer, e que, quando o professor registra na SED que o conteúdo foi ministrado, automaticamente, gera a Tarefa de Casa para os alunos, com prazo determinado pela secretaria de educação, que é quem coloca e controla todas as plataformas, e o fato dos alunos não realizarem as tarefas também acarreta na queda da nota da escola.

Outra questão foi que, a partir deste ano, temos que seguir o escopo, um material novo, em uma planilha de Excel que apresenta o número da aula, as habilidades, os conteúdos, os objetivos para cada aula apresentada nessa tabela e estão vinculadas com as aulas virtuais, sendo que a quantidade de aulas para cada bimestre é impossível de ser cumprida. Depois disso, começou a apresentação das plataformas e as informações para cada professor que vai utilizar, ou seja, o professor de matemática tem que separar duas aulas por semana para trabalhar na plataforma de matemática (Matific – EF II ou Khan Academy – EM), e tem uma quantidade definida de exercícios que tem que cumprir no bimestre.

Os professores de português têm que separar duas aulas para a Redação, sendo uma em cada mês e duas no bimestre e uma aula para o Leia, sendo um livro por bimestre. O professor de orientação de estudo, tem que auxiliar os professores de matemática e português para que os alunos consigam cumprir a redação, o leia e a plataforma de matemática, se sobrar tempo pode deixar os alunos fazerem as tarefas de casa. As aulas de tecnologia e inovação, neste ano de 2024, serão todas em equipamentos de tecnologia, ou seja, notebook, tablet ou celular. Essa aula tem prioridade no uso dos equipamentos que tem na escola, pois, este ano, os alunos irão aprofundar o conhecimento que iniciaram, no segundo semestre de 2023, sobre programação, por isso precisam do equipamento.

No ensino médio, além das plataformas citadas, tem Me Salva e Prepara SP, que estão vinculadas, e as duas são para preparação do aluno para o ENEM. As outras informações estavam relacionadas com a SED e a Prova Paulista. Sobre a SED, foi informado que, este ano, temos que fazer o registro da chamada e do conteúdo, cada aula no estado tem a duração de 45 minutos, preferencialmente, no horário da aula, não podendo deixar para registrar mais tarde, pois teremos apenas oito dias após a aula dada para completar o registro e, se isso não acontecer, acarreta perda de nota para a escola. Este ano, todas as matérias estarão na prova paulista, exceto Artes, e ela deve ser contabilizada na nota final do aluno, em cada bimestre. A nota da escola será assim composta: conclusão das atividades nas plataformas; o aluno presente (chamada em sala de aula); índice vulnerabilidade; conectividade (uso da internet); equipamentos (quanto é usado) e apoio presencial (equipe gestora assistir aulas dos professores), esse resultado é apresentado em uma plataforma que se chama Super Bi, onde acontece toda a fiscalização, desde a da Secretaria de Educação até a do diretor, vice-diretor e coordenador pedagógico.

As novidades não pararam por aí, no decorrer do primeiro semestre, as novidades foram chegando, nova plataforma, agora para a matéria de inglês, a nota da prova paulista a partir do segundo bimestre entrou automático como nota de avaliação, para ser computada com as demais notas das atividades realizadas pelo professor, nova recuperação semestral, com nova prova paulista na segunda semana de agosto, para que os alunos que tiverem nota bimestral abaixo de cinco tenham outra chance de recuperar essa nota, e quem conseguir melhorar terá a nota alterada na SED.

Diante de tudo isso que está acontecendo na escola, não é difícil de imaginar que a gestão democrática está passando muito longe, os assédios são constantes, principalmente com os professores “Categoria O” e os professores que trabalham com as plataformas. Não há mais a liberdade de Cátedra, garantida na C.F. 88 e LDB 96, toda a parte pedagógica da educação, principalmente relacionada em como pensar e preparar uma aula, no estado de São Paulo não existe mais, pois está pronto e cada professor se vê obrigado a usar essas aulas virtuais para não correr o risco de o aluno ir mal na prova paulista, pois, quando isso acontece, é o professor que é avaliado como incompetente e sofre um assédio moral imenso.

Todas essas mudanças aconteceram através de portarias ou resoluções feitas pelo secretário de educação, Renato Feder, em uma delas, está definida como será a avaliação da escola, e essa avaliação está relacionada com a avalição da equipe gestora, ou seja, quando a escola tem uma avalição ruim, a equipe gestora da escola também, e, de acordo com essa resolução, as equipes que não atingirem os índices no Super Bi poderão perder a designação, e, se for efetivo, saíra da escola que está e passará por um treinamento na DE por um determinado tempo. Ainda não existe nenhuma resolução que pune diretamente o professor, mas com essa do diretor é o suficiente para a punição do professor dentro da escola pela equipe gestora, através de assédio moral e de punição efetiva.

Fora dos muros da escola, o desmonte da educação também está acontecendo, iniciamos o ano na ALESP com um projeto do governador Tarcísio de Freitas, propondo a redução de 5% das verbas da educação. O estado de São Paulo, na sua Constituição, estipulou que 30% dos recursos são destinados à educação pública. O atual governador quer alterar a Constituição Estadual colocando apenas 25%, alegando que a saúde, nesse momento, precisa mais que a educação, fazendo com que duas áreas vitais para qualquer território passem a disputar as verbas, isso porque estamos falando do estado mais rico da federação. Esse embate durou o primeiro semestre inteiro, mas não passou nas comissões, porém não podemos descartar a ideia que volte no segundo semestre, principalmente após as eleições municipais, pois, neste momento, há deputados da base aliada do governo que não querem que essa discussão vá para plenário.

Como o embate do Projeto de Emenda Constitucional na Câmara estava travado, o governador resolveu articular de outra maneira para continuar com o desmonte da educação pública do estado de São Paulo, e enviou o Projeto de Lei que cria o as escolas cívico-militares em caráter de urgência, portanto não passou pelas comissões e foi direto para plenário, sendo aprovada na primeira votação. A ALESP virou uma praça de guerra, nunca se viu tanto militar, tropa de choque naquele lugar, como no dia votação, e, para piorar a situação, proibiu a entrada das pessoas no plenário. Os alunos foram os mais agredidos, foram presos e uma aluna teve o braço quebrado. O confronto não foi pior porque os deputados de esquerda entraram na frente e fizeram um cordão entre a tropa de choque e os estudantes.

Apesar de tudo isso, o projeto foi aprovado e sancionado pelo governador. Em 20 de junho, a Secretaria de Educação e a Secretaria de Segurança Pública soltam uma resolução conjunta, estabelecendo os critérios para as escolas serem cívico-militares e como deve ocorrer o processo de aprovação de cada escola. Junto com a resolução, a Secretaria de Educação publica a lista de escolas “elegíveis”, ou seja, as escolas que atendiam aos critérios para se tornarem escolas cívico-militares, após esse processo, os diretores dessas escolas tinham que entrar na SED e manifestar interesse ou não nessas escolas, essa parte encerrou em 28 de junho, agora, as escolas cujos diretores aceitaram terão que publicar no Diário Oficial a data da consulta pública para a comunidade, essa publicação tem que acontecer com 15 dias de antecedência da consulta pública, o processo está nessa fase agora, aguardando as publicações, para ter certeza de quais escolas aderiram ou não ao projeto, e ao mesmo tempo o sindicato, movimentos sociais e estudantes estão se mobilizando para tentar interferir nessa consulta pública e não deixar passar o projeto nessas escolas.

Mas as maldades não param por aí, o governador Tarcísio de Freitas já anunciou que, em setembro, tem início o processo de privatização das escolas através do primeiro leilão. A respeito desse processo, ainda não se tem todas as informações de como vai ocorrer, mas já se sabe que se inicia com as PPPs (parcerias públicas privadas) para construção de novas escolas.

A APEOESP iniciou o ano de 2024 já enfrentando a Secretaria de Educação diante do caos que estava ocorrendo com relação à atribuição de aula, foi embate duro e difícil, com alguns ganhos, na sequência, começou o embate na ALESP para a não aprovação do Projeto de Emenda Constitucional de redução das verbas da educação, e, ao mesmo tempo, novos enfrentamentos com a Secretaria de Educação diante do desmonte que o Tarcísio e o Feder estão provocando na educação pública de São Paulo. Realizamos quatro assembleias após o início do ano, greve de uma semana dos aplicativos, e, por último, dois dias de atos, sendo um nas DE e o segundo dia em São Paulo, assim terminamos o primeiro semestre, e tudo indica que no segundo esse enfrentamento será mais acirrado, principalmente com as escolas cívico-militares e as privatizações.

Karen Ap. Silveira é integrante da Diretoria Estadual Colegiada da APEOESP e da Coord. Fórum Regional de Educação ABCDMRR.

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