Por Valter Pomar (*)
Recomendo fortemente assistir a íntegra do discurso feito por Geraldo Alckmin no ato de sua filiação ao Partido Socialista Brasileiro.
O discurso pode ser assistido neste endereço: https://m.youtube.com/watch?v=1EI_hDkjvjI
Um dos vários objetivos da peça foi pavimentar o caminho para Alckmin virar vice de Lula.
Também por conta disso tem sido muito citado o trecho do discurso em que o ex-governador cumprimenta o PSB pela decisão de apoiar o presidente Lula para presidente da República: “é ele, nós temos que ter os olhos abertos para enxergar, a humildade para entender que ele é hoje aquele que melhor reflete, interpreta o sentimento de esperança do povo brasileiro, aliás ele representa a própria democracia porque ele é fruto da democracia, não chegaria lá do berço humilde que sempre foi se não fosse o processo democrático e por ter conhecido as vicissitudes é que na realidade interpreta este sentimento da alma nacional”.
Entretanto, o discurso de Alckmin não se resumiu a isto.
Como em todo discurso dessa natureza, há inúmeras passagens protocolares e outras tantas meramente demagógicas.
Entretanto, há passagens muito importantes, por exemplo aquela onde Alckmin diz que a “primeira tarefa nossa é combater a mentira, porque a mentira é o que há de pior para o regime democrático”.
Nesse espírito de combater a mentira (e suas primas: a desfaçatez, a hipocrisia e a dissimulação), é imprescindível chamar a atenção para outras passagens do discurso de Alckmin.
Comecemos pelo seguinte: logo depois de falar que nossa primeira tarefa é combater a mentira, Alckmin emenda o seguinte: “aqueles que criticam, que desconfiam, que agem de maneira displicente em relação aos resultados das eleições estão na realidade ofendendo a democracia”.
Cabe perguntar: o impeachment da presidenta Dilma não foi uma ofensa à democracia?
Infelizmente, Alckmin não fala do assunto em seu discurso, assim como não fala do apoio explícito dado por ele à condenação, prisão e interdição da candidatura Lula em 2018.
Verdade seja dita, Alckmin não fala de Dilma, nem da prisão de Lula, mas também não fala de Fernando Henrique Cardoso.
Compreensível: seria difícil falar das “origens comuns da socialdemocracia e do socialismo”, citar as palavras de ordem da revolução francesa e terminar explicando o nexo disto tudo com as políticas neoliberais implementadas por FHC, Alckmin e seus tucanos.
Por falar em citações, Alckmin se refere a São Lucas, ao Padre Louis-Joseph Lebret e também a Chesterton (1874-1936), intelectual conservador muito influente nas hostes olavistas e assemelhadas. Confirmando que o diabo se esconde nos detalhes.
Entre os detalhes está a maneira como Alckmin apresenta sua entrada na política, candidato a vereador em Pindamonhangaba, na luta contra as ditaduras “que suprimem a liberdade em nome do pão”, chavão muito utilizado para se criticar o socialismo soviético.
Enfim, escutando o discurso fica evidente que chamar Alckmin de “socialista” tem o mesmo sentido de chamar o grampinho de “democrata”. E por falar de democracia, Alckmin a circunscreve a defesa do parlamento, do STF e das eleições (neste caso em tese, pois sabemos o que Alckmin foi capaz de fazer com o resultado das eleições de 2014).
Mas façamos como Alckmin: vamos “olhar para frente”. Argumento que ele apoia numa citação de Churchill (“quando aprofundamos a rixa entre o presente e o passado nós nos esquecemos do futuro”), embora pudesse ter citado outra mais divertida, que em tradução livre é mais ou menos assim: “Se Hitler invadisse o Inferno, eu faria uma referência favorável ao diabo na Câmara dos Comuns”.
Depois de citar Ulysses Guimarães, JK e o Padre Lebret (“nós devemos ser na política um zé ninguém a serviço de uma grande causa”), foi neste ponto do discurso (“é o futuro que nos une”) que Alckmin cumprimenta a decisão do PSB de apoiar Lula, acrescentando algo muito revelador: “Não tenho dúvida de que o presidente Lula se Deus quiser eleito vai reinserir o Brasil no cenário mundial, vai alargar o horizonte do desenvolvimento econômico e vai diminuir esta triste diferença social que nós temos no país”.
O “programa” de Alckmin é esse: inserção mundial, desenvolvimento econômico e “diminuir a triste diferença social”. Aos que não entenderam ainda, é isto o que significa social-liberalismo.
Mas o melhor do discurso é mesmo o final, onde Alckmin cita Covas, dando o que parte da imprensa interpretou como um recado a Lula: “Apoiar não significa deixar de emitir discordância. Igualmente, é preciso não confundir discordância com ultimato, nem lealdade com subserviência. Lealdade é o valor praticado entre companheiros, mas há uma forma de lealdade que se sobrepõe à todas: a lealdade aos destinos do país”.
A frase acima de Covas parece ter sido dita no seu discurso de posse para um segundo mandato de governador, depois de sua reeleição em 1998, onde uma campanha de fake news estimulada pelos tucanos roubou do PT a chance de estar no segundo turno das eleições.
E por falar em discursos de Covas, além deste onde ele falou da “lealdade aos destinos do país”, tem outro onde ele fala “acima de tudo está o nosso amor a São Paulo.”
Cada um entenda como achar mais prudente.
(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT