O futuro nos pertence

Por Lucas Reinehr (*)

Viver no Brasil de Bolsonaro – ou, para ser mais exato, no mundo capitalista – tem se tornado uma tarefa cada vez mais difícil. São mais de 200 mil vidas ceifadas no Brasil em função da negligência governamental e mais uma série de tragédias anunciadas que marcam nosso dia a dia. Caminhamos, a passos largos, para a barbárie. Apesar disso, boa parte da população segue anestesiada pela narrativa construída há anos pela grande mídia e hoje reforçada pelo genocida que ocupa a presidência: o Brasil está quebrado e não há o que fazer. Mergulhados em um limbo mental, muitos trabalhadores ainda acreditam nesse pensamento e esperam pelo momento em que haverá prosperidade, como se essa fosse a ordem natural das coisas. Sem saber, esperam por algo que não virá – a menos que o jogo vire e a mudança seja aquela que nós queremos. Esperam por Godot.

A data de hoje marca 102 anos do assassinato da militante revolucionária polonesa Rosa Luxemburgo. Rosa foi, por muito tempo, militante do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), até que uma série de erros cometidos pelo partido, tendo sido o maior deles o posicionamento em favor da guerra, fez com que ela rompesse de vez com a social-democracia alemã. Fundadora da Liga Spartakus e, posteriormente, do Komunistische Partei Deutschlands (KPD), junto de seu companheiro de lutas Karl Liebknecht, Rosa buscou construir uma alternativa verdadeiramente socialista para a Alemanha, com seus acertos e erros. Em 1919, Rosa e Karl foram assassinados pelos Freikorps – grupos paramilitares que surgiram na Alemanha após a I Guerra Mundial -, sob a supervisão dos dirigentes do SPD.

Apesar de ter nos deixado precocemente, o que foi uma perda gigantesca para a esquerda revolucionária a nível mundial, os escritos da Rosa Vermelha – como era comumente chamada – são importantes reflexões da teoria revolucionária até hoje. Rosa Luxemburgo, através de sua luta socialista, internacionalista e revolucionária entrou para a história e merece ter suas ideias resgatadas para nos inspirar com sua determinação e esperança.

No dia de hoje, gostaria de compartilhar a tradução deste fragmento de uma carta enviada por Rosa Luxemburgo a Mathilde Wurm em 16 de fevereiro de 1917, em que Rosa fala sobre a disputa de ideias nas massas da classe trabalhadora.

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Nada muda tão rápido quanto a mente das pessoas. Principalmente a mente das massas – que é como o mar. Nas massas se escondem todas as possibilidades: o silêncio e o furacão; a fraqueza e o heroísmo. As massas estão sempre prestes a se tornar algo diferente.

O mau capitão conduz seu navio de acordo com a aparência momentânea da superfície da água. O bom capitão percebe os sinais no céu e nas profundezas e conhece as futuras tempestades.

“As massas são ruins” – assim julga sempre o mau político. O grande político não segue o humor momentâneo das massas. Ele conhece a história e dá tempo a ela. O futuro lhe pertence.

 Rosa Luxemburgo a Mathilde Wurm, 16 de fevereiro de 1917.

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No Brasil atual, o cenário é desesperador. O período de desafios que vivemos é marcado por inúmeras circunstâncias: a crise de legitimidade das organizações de esquerda e entidades da classe trabalhadora, a falta de radicalidade na direção do maior partido de esquerda do Brasil, a pandemia que dificulta e limita a luta social e, obviamente, a mentalidade das massas da classe trabalhadora, em sua maioria passivas às imposições da agenda ultraliberal. Nas palavras de Rosa: o silêncio e a fraqueza se sobressaem. Não porque não há palavras para serem ditas ou porque não há força para lutar. Tampouco quero dizer que esse marasmo é generalizado – afinal, sempre há fragmentos de resistência, como pudemos ver também em 2020. Mas é preciso compreender que os aparatos das elites para a construção da hegemonia que temos hoje não são poucos – nem fracos. A mentalidade de milhões de brasileiros neste momento é resultado da dominação ideológica da burguesia somada aos nossos erros e limitações na disputa cultural. O pensamento dominante prega valores neoliberais e individualistas e naturaliza a barbárie.

É por esse motivo que as palavras de Rosa se fazem tão necessárias: porque nos ensinam que o jogo não está dado e sempre há uma luta a ser travada. Embora o cenário seja desesperador e a sensação de marasmo seja crescente, não podemos ceder ao fatalismo. É preciso observar os sinais no céu e nas profundezas, como um bom capitão. Hoje, a esquerda vive um momento de refluxo e uma situação de retaguarda que parece eterna. Entretanto, com muita organização, empenho, as decisões corretas e, claro, tempo, é possível virar o jogo – dessa vez, sem cometer os mesmos erros, nem alimentar as mesmas ilusões. Amanhã pode e deve ser diferente. Precisamos criar as condições para impor derrotas históricas ao fascismo e à moral neoliberal que contaminam o país hoje, dando lugar a transformações sistêmicas e a uma nova moral socialista. Devemos fazer aquilo que Rosa descreveu como atributos do grande político: conhecer história e dar tempo a ela. O futuro nos pertence.

(*) Lucas Reinehr é militante petista e diretor da UNE


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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