Por Gilberto Azeredo Gomes (*)
No fim do ano passado, fomos surpreendidos (nem tanto) com uma declaração de Jair Bolsonaro, à época ainda não empossado, que iria evitar quaisquer temas que considerasse polêmicos para o governo, como por exemplo temas relacionados à “ideologia de gênero.”
Supondo que Bolsonaro tenha participado da escolha do tema deste ano, conforme prometido, o governo deixou claro que de fato não se importa com os rumos da produção de conteúdo audiovisual no Brasil, uma vez que não considera polêmico cortar 43% dos recursos do audiovisual brasileiro, impor uma intervenção na Agência Nacional de Cinema (Ancine), censurar filmes e ainda assim propor como tema a “democratização do acesso ao cinema”.
Bolsonaro tentou escolher o tema que mais blindaria o governo em meio a tantos escândalos.
Não percebeu que não pode haver democratização do acesso ao cinema no Brasil sem incentivos reais e consistentes à produção do audiovisual brasileiro.
Lotar salas de cinema apenas para acompanhar heróis da “Marvel” ou qualquer outra produção financiada pelos grandes capitais hollywoodianos apequena a soberania e a cultura do Brasil, criando um povo marcado como gado, sem identidade.
Em um governo que prega austeridade como via de regra, as palavras “democratização” e “acesso” soam como hipocrisia.
A normalidade imposta a escolha de um tema tão sensível com tamanha desfaçatez é similar ao cinismo do mesmo presidente que poucos dias atrás afirmou ter ocultado provas da justiça na investigação do assassinato de Marielle Franco.
O tema do ENEM 2018 nos alertava sobre os riscos do uso indevido de dados privados na internet, mecanismo que permitiu – de forma ilícita -, por exemplo, a ascensão da campanha de Bolsonaro nas redes.
Se Bolsonaro não gostou do último tema e esperava se blindar com este, ainda não conhece (e no que depender de seu intelecto jamais conhecerá) a real proposta de uma prova como o ENEM, um dos maiores acertos dos governos do PT na pasta da Educação.
Muito mais que um exame, o ENEM tem este poder de, muito além de avaliar nosso ensino médio e permitir acesso às nossas universidades, levantar debates nacionais e muitas das vezes contra o interesse das grandes corporações, do governo e suas conveniências.
O ENEM, este sim, pode utilizar as palavras “democratização” e “acesso” sem receio algum, pois permitiu que jovens e adultos das periferias e comunidades mais longínquas acessassem o ensino superior, antes marcado pela segregação dos vestibulares.
Estejamos alertas: após a repercussão da prova de hoje, o cinismo de Bolsonaro pode levar a ele a ideia de por fim, de vez, a uma prova como o ENEM.
(*) Gilberto Azeredo Gomes é militante petista no RJ