Por Pedro Estevam da Rocha Pomar [i]
Jaques Wagner e Villas Boas
O tuíte do general Villas Boas, então comandante do Exército, contra o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018, com a finalidade de evitar que fosse concedido habeas corpus a Lula, “foi um episódio pontual”. O general “sempre foi uma pessoa muito boa no trato comigo, foi um chefe muito competente, sempre teve liderança sobre a tropa”.
O “leito natural” das Forças Armadas é sua “missão constitucional”. Quem tirou o Exército desse “leito” não foi Villas Boas, mas Bolsonaro. O antagonismo entre os militares e Lula é obra mais da “lavagem cerebral” promovida pela Operação Lava Jato do que de qualquer questão ideológica, porque “o grosso das Forças é classe média e tem na honestidade um valor”.
O autor dessas frases (e das considerações parafraseadas pelo autor deste artigo) é o senador Jaques Wagner (PT-BA), que concedeu entrevista à Folha de S. Paulo, publicada em 8/2 ( “Lavagem cerebral da Lava Jato alimentou resistência a Lula entre militares” ), na qual abordou, entre outros temas, a questão do comportamento político dos militares brasileiros.
Líder do governo no Senado Federal, Wagner foi governador duas vezes (2007 a 2014) e ministro da Casa Civil e da Defesa no governo Dilma Rousseff. Portanto, não pode ser acusado de inexperiente ou ingênuo, razão pela qual algumas de suas declarações surpreendem e impressionam. Será que Wagner não leu o livro autobiográfico de Villas Boas, “Conversa com o Comandante”? Será que Wagner não leu livros sobre a República e desconhece que em momento algum da nossa história os militares se submeteram às determinações da Constituição?
Wagner parece rivalizar com o atual ministro da Defesa, José Múcio, no papel de apóstolo das supostas virtudes democráticas das Forças Armadas. Na avaliação do líder do governo no Senado, foi Bolsonaro quem “tentou politizar as Forças Armadas, ideologizar as Forças Armadas”. A seu ver, os “atuais chefes militares têm essa compreensão de que é preciso voltar ao leito natural”.
Portanto, Wagner, ex-ministro da Defesa, ainda não sabe o que milhares e milhares de pessoas já sabem: que a candidatura Bolsonaro à Presidência da República, em 2018, nasceu de um projeto de poder do Alto Comando do Exército. E diz desconhecer o papel destacado do general Villas Boas nesse projeto (ao contrário do próprio Bolsonaro, para quem o general “é um dos responsáveis por eu estar aqui”, ou seja: na Presidência). Wagner ainda acrescenta: “Não quero fazer julgamento”. Mas deveria: afinal de contas, como lembra a Folha de S. Paulo, foi dele, Wagner, quem partiu a indicação de Villas Boas, em janeiro de 2015.
Surpreende ainda sua insistência, na entrevista, em atribuir a Múcio uma decisão que sabidamente não foi Múcio quem tomou, mas o presidente Lula: a de demitir o general Júlio César Arruda do cargo de comandante do Exército.
Quando ministro da Defesa, Wagner autorizou que o Exército realizasse com pompas oficiais o funeral do general Leônidas Pires Gonçalves, ex-ministro do Exército (governo Sarney), falecido em junho de 2015. Isso muito embora a Comissão Nacional da Verdade (CNV) tivesse incluído o nome de Leônidas na lista de torturadores a serviço da Ditadura Militar (1964-1985), um dos principais itens do relatório final entregue à presidenta Dilma Rousseff em dezembro de 2014.
Na entrevista, há dois momentos em que o senador assume postura mais crítica em relação às Forças Armadas: quando afirma que os militares “não são tutores da democracia brasileira” e quando classifica o acampamento bolsonarista montado em frente ao QG do Exército em Brasília como “anomalia”. Mas não vai além disso.
Por fim, as declarações de Wagner merecem um registro adicional no tocante a outro tema, quando o senador responde a uma pergunta dos repórteres sobre que atitude ele espera de três partidos: PP, Republicanos e PL e se é possível conversar com eles (na condição de líder do governo). “Eles se declaram oposição. Mas eu também era oposição no governo que se encerrou [Bolsonaro] e não quer dizer que a gente não negociou”. Interessante!
Na sequência, Wagner emenda: “Quando chegarem, por exemplo, a reforma tributária e o novo marco fiscal, não tem torcida organizada. Todo mundo acha que o Brasil tem que ter um arcabouço fiscal diferenciado”. Trata-se de um comentário que beira o surreal, porque, na verdade, a reforma tributária tende a ser uma verdadeira guerra no parlamento e fora dele.
Os setores mais ricos da sociedade brasileira, representados pelo PSDB, PL, DEM e por outros partidos da direita e da extrema-direita, certamente financiarão algumas “torcidas organizadas” contra mudanças na tributação que lhes façam pagar mais impostos. Que significa, por sinal, a expressão “arcabouço fiscal diferenciado”? Cartas ao gabinete do senador. Ou à redação.
[i] Jornalista, pesquisador acadêmico e militante do PT. O autor agradece a Marcos Jakoby por suas contribuições ao texto.