Por Luiz Sérgio Canário (*)
Pérsio Arida, Gustavo Franco e Armínio Fraga Neto: próceres do neoliberalismo
No sábado, 23/03, a Folha de São Paulo publicou um artigo de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, com o título “Estabilizadores automáticos do PIB seriam inovação bem-vinda para o Brasil”. Como não poderia deixar de ser, Armínio Fraga é um dos príncipes do neoliberalismo em nosso país.
Os pontos fundamentais:
- A construção de um regime fiscal mais robusto.
- Principal recomendação: manter a dívida pública (como proporção do PIB) em nível confortável em épocas normais, de forma a ter espaço para aumentar o gasto (e por conseguinte o endividamento) quando necessário.
- Claramente é preciso reduzir o endividamento. Para tal, seria necessário um superávit primário maior.
- Guinada nas prioridades qualitativas do governo: cuidado com o meio ambiente, o combate às desigualdades, o respeito à ciência e a qualidade da nossa democracia.
- O maior problema de todos: a falta da confiança de que temos um sistema político capaz de aprender com nossos erros e corrigir rumos de forma civilizada e sistemática.
- O orçamento no Brasil contém inúmeras vinculações, que introduzem um indesejável grau de prociclicalidade na política pública e precisam ser substancialmente reduzidas.
- É fundamental que não sejam criadas despesas permanentes sem fontes de receita também permanentes.
- Adoção de um orçamento impositivo, que uma vez aprovado seja executado.
- A política social também contenha elementos anticíclicos, como em tese o auxílio desemprego e similares. Tais mecanismos são conhecidos na literatura como estabilizadores automáticos do PIB e seriam uma inovação extremamente bem-vinda em nossas bandas.
- Reestimativas de receitas e contingenciamentos, teriam que ser coibidos.
- Ao Banco Central se dá uma meta clara e a liberdade de utilizar a política monetária para atingi-la, deixando também algum espaço para que procure minimizar as flutuações no nível de atividade.
- Melhor então que se defina uma meta relativamente baixa de endividamento, que valha por longos períodos. Algo como 50% do PIB, acompanhado de um superávit primário suficiente para estabilizar essa relação daria conta do recado.
- Do lado fiscal, a plena implantação dos estabilizadores automáticos da política fiscal seria mais do que suficiente e representaria um grande avanço.
- É também indispensável repensar as prioridades do gasto do Estado brasileiro nos três poderes e nos três níveis da federação. Espaços grandes para uma correção de rumo existem na folha de pagamentos, na previdência e nos gastos e subsídios tributários
Para ele: “A resultante seria menos incerteza, mais bem-estar, mais eficiência, um ambiente de negócios melhor e, portanto, mais crescimento. Seria um círculo virtuoso que, bem aproveitado, reforçaria inclusive a saúde fiscal do Estado.”
Brilhante, não? Neoliberalismo em estado bruto. Vamos gerar superávits primários, matando boa parte da população, até chegarmos a um endividamento de 50%! E no caminho também faremos uma correção de rumo na folha de pagamentos, na previdência e nos gastos e subsídios tributários. Reduzindo direitos e cortando custos, claro. O importante é o capital financeiro feliz e meia dúzia de bilionários, inclusive ele, mais bilionários ainda.
Mas é normal que ele proponha isso. Ele defende essas posições desde sempre. É um economista da órbita do PSDB, ex-partido, por mais de 30 anos, de quem querem nos impor o candidato a vice: Geraldinho Alckmin. Anormal é economistas do PT, como Aloysio Mercandante, conversando com gente dessa órbita, como tem feito, por exemplo, com Pérsio Arida, um dos “Pais do Plano Real”. A partir desse texto de Arminio, e de tudo que Pérsio já fez e produziu, imaginamos o teor das “contribuições” que o PT foi buscar.
Alguns economistas do PT, que estariam produzindo o programa econômico do partido, mas em lugar incerto e não sabido, não estão muito distantes das posições dessa turma neoliberal. Nelson Barbosa deu declaração há pouco tempo de que acha correto a Petrobras manter de alguma forma o PPI –Preço de Paridade Internacional, que levou o preço de todos os derivados de petróleo à estratosfera, inclusive o gás de cozinha. Ou de Guilherme Mello, um dos economistas mais importantes no partido hoje, que em entrevista disse que seria necessária uma nova política fiscal, já que essa não serve para nada, cabendo até “uma regra de limite de gastos muito mais alinhada com a literatura mundial”. Ou seja, o teto de gastos estabelecido por Temer, e vigente até agora, é ruim, e é mesmo péssimo, mas um limite de gastos alinhado a literatura mundial, seja lá o que for isso, é bom!
Quer dizer, o ruim não é ter um teto, o ruim é a régua usada para medi-lo. A inflação passada não é boa, mas alguma coisa alinhada a tal literatura é! O que não fica claro nessa discussão é que esses limites na prática, com a cabeça no mercado financeiro, significam cortes no atendimento das necessidades do povo. São duas coisas incompatíveis, mutuamente exclusivas: tetos de gastos com entraves legais para o crescimento dos gastos e dos investimentos e incluir o povo no orçamento, como diz que quer Lula.
Isso ou tal teto novo e moderno precisará de tantas exceções que não vai funcionar, como na prática, e a pandemia foi o maior vetor disso, o atual não funcionou. Foram tantos extra-tetos estabelecidos pelo governo e pelo Congresso que o teto virou piso.
A literatura econômica mais moderna, mas talvez não ao gosto de muitos dos nossos economistas, discute essa questão de limites de gastos e de crescimento da dívida pública, que acaba sendo o que está por trás de toda proposta de limites de crescimento de gastos. O economista grego Yanis Varoufakis e o insuspeito André Lara Rezende há tempos vêm falando sobre o assunto. Tais teorias falam que para um país que soberanamente emite sua própria moeda, não há limites teóricos para o endividamento nessa mesma moeda. Alegoricamente falando, poderíamos emitir quantos reais precisássemos. Alegoria porque hoje o dinheiro é cada vez mais eletrônico. Se a emissão for para gerar riqueza material ou social e dar retorno, ela está justificada e não gera inflação ou outros malefícios econômicos. Isso não significa que há uma capacidade infinita de endividamento. Mas significa que não há necessidade de se estabelecer limites para ele.
A pandemia foi um enorme laboratório para isso. Não havia outra saída para o seu enfrentamento além do crescimento das dívidas públicas. Do financiamento das necessidades da sociedade pelo capital financeiro. E isso foi feito à vontade mundo afora. Todo o arsenal financeiro disponível foi utilizado. Se emitiu todo tipo de papel para todos os gostos e necessidades. Vacinas foram desenvolvidas em tempos recordes, enormes quantidades de equipamentos e suprimentos médicos também. Dinheiro para pagar salários, para repor os impostos que deixaram de ser pagos e financiar ou perdoar as dívidas com impostos, tudo isso e mais um pouco saiu de orçamentos que não estavam preparados para isso. Mas saíram, e graças a isso em pouco mais de 2 anos a pandemia está se reduzindo, apesar de não ter acabado. A pandemia jogou para o espaço muita da teoria sobre os limites da capacidade de endividamento dos estados.
Em uma entrevista ao site Brasil 247 o empresário Ricardo Semler propõe: um acordo do empresariado com Lula, para abrir um possível governo do PT aos economistas que assumiram a liderança de oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Será que seria melhor entregar a elaboração e condução de nossa política econômica a um Armínio Fraga, um Pedro Malan, ou um Pérsio Arida? A ver.
(*) Luiz Sérgio Canário é militante petista em São Paulo-SP