O PCO, aliado objetivo de Bolsonaro

Por Valter Pomar (*)

De vez em quando o Diário da Causa Operária critica as posições defendidas pelo PT, inclusive as posições defendidas pelas tendências petistas, entre elas a Articulação de Esquerda.

O caso mais recente foi o artigo Tome veneno, você não morrerá! • Diário Causa Operária (causaoperaria.org.br)

Nesse artigo, o DCO critica as opiniões contidas no texto Um ano da intentona fascista de 8 de janeiro | Página 13 (pagina13.org.br)

O artigo começa fazendo um resumo das posições expressas pelo texto acima. Em seguida, o texto reconhece que “a concepção de que o 8 de janeiro foi um ato golpista frustrado é majoritária nas tendências do PT e até na esquerda em geral”. Ato contínuo, o texto do PCO critica os que apresentam “os golpistas de 2016 e 2018” como protetores da democracia. Afinal, segundo o PCO, os golpes de 2016 e 2018 “estabeleceram um regime político golpista” que foi parcialmente derrotado nas eleições de 2022, mas “ainda persiste nas instituições estatais, como Congresso e STF”.

Isto é verdade. Houve mesmo uma mudança (parcial) de regime, que (ainda) não foi revertida. Mas qual é a decorrência que devemos tirar desse fato?

Uma decorrência que o PCO tira, segundo entendemos, é a de tratar tudo como farinha do mesmo saco. Os golpistas de punho de renda e os golpistas de extrema direita seriam igualmente golpistas e, portanto, não se poderia fazer alianças com uns contra outros.

De fato, são todos golpistas. Mas isto não quer dizer que sejam iguais.

Nem quer dizer que não se possa nunca, por razão de princípios, fazer alianças com uns contra outros.

Cabe lembrar, aliás, que eles todos fizeram alianças contra nós (entre 2016 e 2018) e depois brigaram entre si, durante o governo Bolsonaro, a ponto do mesmo STF que permitiu a vitória de Bolsonaro e passou o pano em parte de seus crimes, ser tratado por Bolsonaro como inimigo principal.

Que eles brigam entre si, é inegável. O que fazer quando isso acontece?

Sobre uma situação dessas, o Diário da Causa Operária afirma que “é inconcebível que as manifestações da extrema-direita de 12/12/2022 e 08/01/2023, tivessem condições objetivas ou consenso da burguesa para tomada do poder. Essas manifestações evidentemente foram práticas de desgaste do futuro governo Lula”.

O uso do termo “inconcebível” é engraçado.

Hoje, um ano depois que a batalha foi travada e ganha, o engenheiro de obra feita chega e diz: esta batalha nunca seria perdida, pois é “inconcebível” que o inimigo pudesse vencer.

Ainda bem que o companheiro Lula não pensou assim, no dia 8 de janeiro de 2023. Afinal, caso Lula tivesse pensado como o PCO, caso não tivesse feito nada, ou caso tivesse feito a coisa errada (chamar uma GLO), o “inconcebível” poderia ter se tornado realidade e o golpe poderia ter se tornado vitorioso.

Claro que derrotar o golpe (ou, para ser mais exato, derrotar a intentona, que foi o primeiro estágio do golpe) é diferente de derrotar o golpismo.

Para derrotar a intentona de 8 de janeiro, bastou a repressão policial. Mas para derrotar o golpismo, não basta a repressão policial. Nem bastam as instituições, onde há forte presença do golpismo.

No dia 8 de janeiro, foi possível a derrota da intentona, entre outros motivos, porque houve uma aliança entre a esquerda (menos o PCO, pelo visto) e parte da direita, inclusive parte dos golpistas de 2016 e 2018.

Por isso, também, as instituições de Estado não agiram “como um só homem”. Setores da polícia apoiaram a marcha golpista, mas assim que houve a intervenção, setores da polícia reprimiram a intentona.

O PCO tem certa dificuldade de entender isto e se pergunta: “as polícias estavam com o golpe ou contra ele?” A resposta é: parte estava de um lado, parte estava de outro, parte estava neutra; foi a decisão de intervir que decidiu o jogo contra os golpistas.

Sobre o STF, o PCO pergunta: “O STF, que essencial nos golpes de 2016 e 2018, o ministro Alexandre de Moraes, que no durante as eleições de 2022, supervisionou o andamento do processo e permitiu toda uma ação da PRF em favor de Bolsonaro até o horário próximo do término do pleito, estava de que lado?”

Em nome da verdade dos fatos, nas eleições de 2018 o ministro Alexandre Moraes não operou a favor de Bolsonaro. E ele era, tanto quanto a esquerda, um dos alvos principais da intentona de 2023. Isso não torna o Xandão um herói das massas, não o converte em alguém de esquerda, não o faz ser confiável nem perdoa suas atitudes nos golpes anteriores.

Aliás, abre colchetes: no fundo, no fundo, a lógica do PCO parece muito a lógica de alguns setores moderados da esquerda: ou se é 100% amigo, ou se é 100% inimigo. No lugar deste maniqueísmo, preferimos reconhecer que o lado de lá, embora tenha unidade estratégica, tem divisões táticas. Fecha colchetes.

A seguir, o artigo do jornal do PCO afirma o seguinte: “Temos que reformular a afirmação final da nota, apenas a mobilização popular independente classe, da burguesia e imperialismo, pode derrotar o golpismo”.

Que o PCO é uma tendência externa do PT, é fato conhecido; mas não sabíamos que este fato os havia feito chegar ao ponto de achar que podem “reformular a afirmação final da nota”… dos outros.

Brincadeiras a parte, o fato é: golpe é uma coisa, golpismo é outra. Cada golpe tem sua história, suas motivações, sua dinâmica. A intentona de 2023 fazia parte de uma tentativa de golpe. Foi derrotada.

A derrota da intentona não derrotou os que a intentaram, nem eliminou a influência do golpismo na classe dominante brasileira. Derrotar um golpe é possível de várias formas, inclusive com a participação de setores da classe dominante. Derrotar o golpismo só é possível derrotando a classe dominante, que na sua maioria é antidemocrática.

Mas daí não deduzimos a tese segundo a qual, enquanto não derrotamos “o golpismo”, não devemos fazer nada contra os golpes concretos, não devemos defender as liberdades democráticas, não devemos defender as garantias etc. Esta postura maximalista não tem nada, absolutamente nada que ver com o marxismo.

O DCO considera que até agora “nenhum golpista real foi punido”. Isso é parcialmente verdadeiro. Mas estamos de acordo, como dissemos na nota da AE, que é preciso punir os financiadores, os beneficiários, os fardados etc. Entretanto, o PCO não para por aí e, como antes, a partir de uma premissa parcialmente correta, chega a uma conclusão estapafúrdia.

A conclusão é: “Enquanto o regime se conserva como tal, os golpistas não serão punidos, apenas esses pobres coitados serão sacrificados para retirada de direitos democráticos da população com o apoio conveniente da esquerda pequeno-burguesa”. Traduzindo: ou tudo, ou nada. Enquanto não derrotamos “o regime”, nada pode ser feito.

Até aí, estaríamos diante de um esquerdismo normal. Mas o PCO não é adepto de um esquerdismo normal. Isto porque, ao mesmo tempo em que defende os “pobres coitados”, o PCO também passa o pano em Bolsonaro.

O raciocínio começa assim: a “maioria das polícias, das forças armadas, do judiciário, do Congresso, estão com a direita e extrema-direita”, “quase totalidade agentes dos poderes estatais estão envolvidos nos golpes”; logo os únicos que serão presos serão os pequenos, os grandes vão escapar.

Até aí, parece aquela conclusão do tiozão do zap, para quem nada nunca muda, politica é tudo igual etc. Mas o corolário disso é defender Bolsonaro.

No texto citado isso não aparece. Mas noutros textos e lives, esta defesa é explícita.

Vide a manchete: “A perseguição a Bolsonaro e o PL da Globo. Setores da esquerda apoiam perseguição política contra Bolsonaro e fortalecimento do aparato repressivo, ao mesmo tempo em que se aliam à Rede Globo e outras instituições golpistas”.

Esta manchete está aqui: A perseguição a Bolsonaro e o PL da Globo • Diário Causa Operária (causaoperaria.org.br)

Não admira que o PCO seja citado positivamente por integrantes da famiglia. Por exemplo:

VÍDEO: Bolsonaro cita Rui Costa Pimenta, do PCO, para se defender da inelegibilidade | Revista Fórum (revistaforum.com.br)

Por fim, uma observação sobre o ato do dia 8.

O texto da AE diz o seguinte: “Felizmente, apesar de não haver convocatória oficial da parte do Diretório Nacional do PT, diversos movimentos sociais, entidades e organizações – como as Frentes e a Central Única dos Trabalhadores, além de diretórios do PT e de outros partidos em todo o país – estão convocando atividades para marcar o dia 8 de janeiro de 2024. Destaca-se, como é óbvio, a atividade convocada pelo governo federal, que apesar de sua natureza ampla e institucional, está sendo atacada de maneira furiosa pela extrema-direita. Isto demonstra que – embora várias das atividades previstas para o dia 8/1 estejam sendo convocadas em nome da “unidade nacional em defesa da democracia” – muito ainda deve ser feito para que o golpismo seja efetivamente derrotado.”

Com base nesse e noutros trechos, o DCO diz o seguinte: “Para a AE, as manifestações convocadas pelo PT e parte da esquerda para o dia 8 de janeiro de 2024, são uma “unidade nacional em defesa da democracia”. E prossegue assim: “Objetivamente, a comemoração da “derrota da intentona golpista” da AE, acaba sendo a comemoração da perseguição e prisão de pobres. (…) Dessa forma, fica evidente que o ato “Democracia Inabalada” serve apenas para fortalecer a política persecutória do Estado burguês. Em outras palavras, essa parte da esquerda que convoca essa ato, esta dizendo a população para tomar um veneno conhecido (conviver lado a lado com golpistas), alegando que não haverá danos.”

O texto é confuso e carrega a mão, mas além disso contém duas barbaridades.

Simplesmente não é verdade que, “objetivamente, a comemoração da ‘derrota da intentona golpista’ da AE, acaba sendo a comemoração da perseguição e prisão de pobres.

E tampouco é correto dizer que “o ato “Democracia Inabalada” serve apenas para fortalecer a política persecutória do Estado burguês”.

Sei que tem gente que não gosta de mediações, mas os raciocínios acima exageram um pouco, digamos assim. Não vejo como apresentar os atos da esquerda, em comemoração à derrota da Intentona fascista, possam ser tratados como comemoração da perseguição e prisão de pobres.

E embora ache que a democracia brasileira precisa ser “abalada” em favor do povo, embora ache que um ato de frente amplíssima esteja longe de ser o necessário, não consigo enxergar como se pode dizer que ele sirva “apenas para fortalecer a política persecutória do Estado burguês”.

Por último: as posições do PCO o convertem, na prática, em aliado objetivo de Bolsonaro.

Agindo assim, o PCO rapidamente ocupará o lugar do PSTU, como “a esquerda que a direita gosta”.

Ao gosto da direita, mas também ao gosto dos setores moderados da esquerda, pois posições estapafúrdias desse tipo são um prato cheio para quem pretende desqualificar as posições da esquerda. Felizmente, o episódio da defumação de Borba Gato serve como antídoto.

Para quem não lembra, tá aqui: Valter Pomar: Rui Pimenta e Borba Gato

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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