Por Valter Pomar (*)
Ainda é cedo para discutir cenários de 2026. Muita água vai passar embaixo da ponte. Inclusive muita água suja, como se pode constatar vendo as previsões relativas ao resultado das eleições municipais de 2024.
Isto posto, a preços de hoje, a depender do cenário, a direita e a extrema-direita têm vários presidenciáveis, desde o cavernícola e sua consorte, até alguns governadores.
E a esquerda? Há também vários nomes, o principal dos quais é o próprio Lula. Outro dos nomes era o Haddad. Era. Pois, pelo visto, está em curso um plano para tirar Haddad da lista de opções para 2026. Plano que conta com a ativa participação do próprio ministro da Fazenda.
Explico: desde 1989 até 2022, o único ex-ministro da Fazenda que se elegeu presidente foi outro Fernando, o Henrique. Mas o fez cavalgando o Plano Real. No médio prazo, o Real causou um desastre macroeconômico. Mas, no curto prazo, foi um valioso ativo eleitoral.
Pois bem: podemos ter divergências sobre qual será o efeito de médio prazo da política que está sendo conduzida pelo ministério da Fazenda, encabeçado por Haddad. Mas está cada vez mais evidente que, no curto prazo, seus efeitos não serão eleitoralmente positivos, nem em 2024, nem em 2026.
Detalhes a respeito estão espalhados em inúmeros textos de análise do arcabouço fiscal, o mais recente dos quais – acerca da PLDO 2025 – eu reproduzo ao final. Como se poderá constatar, confirmam-se as previsões de que, para fechar as contas, a Fazenda vai pressionar pela revogação dos pisos constitucionais da saúde e da educação.
Para além das implicações éticas, políticas, econômicas, sociais e estratégicas deste tipo de proposta, não apenas sobre o governo e sobre o Partido, mas também sobre a história pessoal (e o currículo lattes!!!) de quem promove este tipo de barbaridade, há algo mais imediato: alguém acha que uma candidatura de esquerda se elegerá, tendo como bandeiras o déficit zero e a responsabilidade fiscal?
A situação me lembra um conto que li, em que um ministeriável disse para um presidente recém-eleito algo mais ou menos assim: “voce vai entregar para mim o ministério da tesoura e vai entregar para fulano o ministério do tijolo?”
Enfim, a política fiscal do governo Lula, além de errada em si mesma, pelos motivos explicados noutros textos, tem como efeito político imediato reduzir o leque de opções eleitorais do PT para 2026. Se este é o plano, dá dando certo.
Alguém poderá dizer: “mas tem 2030!” É verdade, tem 2030. Mas no ritmo em que as coisas estão indo, com as duas direitas fungando no nosso cangote, em 2030 a esquerda corre o risco de não estar muito bem de saúde.
Como fez em 2006, o governo precisa mudar o rumo de sua política econômica. Há pressões e movimentos nesse sentido, como se percebe no caso da recente decisão sobre as metas do primário. Mas se isso for feito sem romper com as premissas do arcabouço fiscal, o resultado final será cortar na carne.
Claro, sempre esta a opção de contar com a sorte. Algo pouco prudente, na atual situação política do Brasil e do mundo.
Segue a análise referida acima.
(*) Valter Pomar é professor e memebro do diretório nacional do PT
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Comentários preliminares sobre o PLDO de 2025 e a ameaça ao piso da saúde. Ao dar uma primeira olhada no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, minha reação foi de completa incredulidade.
Nas projeções fiscais do PLDO para os gastos com saúde (obrigatórios com controle de fluxo), o governo parece pressupor o fim do piso constitucional já a partir de 2025. Isso confirma e ratifica as declarações recentes da equipe econômica, que se opôs publicamente aos atuais mínimos constitucionais para saúde e educação, conquistas históricas do nosso povo.
Para que as projeções e/ou projetos do governo apontados no texto se concretizem de fato, é necessário que uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) seja aprovada no Congresso ainda neste ano, revogando os atuais pisos constitucionais da saúde e da educação. Portanto, nada está perdido. Ainda.
O PLDO revela intenções claras do governo de promover um declínio contínuo nos gastos com saúde de 2025 a 2028, representando um retrocesso flagrante em comparação com o modelo atual. Para 2024, a projeção de gastos começa em R$ 153,4 bilhões e segue uma trajetória de queda anual, atingindo R$ 148 bilhões em 2028 (a preços de 2024).
Essa redução é ainda mais drástica para essa variável específica que o congelamento imposto durante a gestão Temer, configurando uma verdadeira trajetória de ‘derretimento’, conforme descrito na tabela 7 do PLDO 2025. Em decorrência da contínua e deliberada deterioração relativa dos gastos com saúde, o governo prevê diminuir a proporção desses gastos em relação ao PIB de 1,33% em 2024 para 1,15% em 2028 (tabela 6).
É importante ressaltar que o anúncio deste projeto ocorreu no mesmo dia em que foi divulgada uma suposta parceria entre o governo e o Congresso para a aprovação de uma PEC que visa estabelecer um piso para aumentar os gastos com as Forças Armadas de 1,2% do PIB para, no mínimo, 2%.
Há também a promessa de redução do tamanho do Estado como um todo em proporção ao PIB. O diagnóstico do governo é claro: considera que o Brasil gasta muito com saúde, educação e demais áreas públicas. Portanto, pretende construir uma economia com mais mercado e menos Estado. Concretamente, promete reduzir os gastos primários totais de quase 19,63% do PIB em 2023 para 17,85% em 2028 (PLDO 2025, p. 146).
Um trecho curioso do PLDO é quando o governo menciona que pretende realizar uma ampla revisão de gastos com o seguinte objetivo: “O processo de revisão de gastos no âmbito do Poder Executivo federal surge como uma resposta estratégica e proativa a três desafios: (1) reduzir a pressão das despesas obrigatórias, que têm previsão de crescimento, por força legal e de movimentos sociodemográficos (…).” Sinceramente, é razoável para um governo progressista atuar para reduzir despesas que tendem a crescer para acompanhar o aumento da demanda da população por um determinado serviço?
Como a população brasileira está envelhecendo, por exemplo, há obviamente pressão para a ampliação com gastos em saúde. Diante deste cenário a atitude sensata é atuar para reduzí-los? Antecipando-se às críticas, o governo defende que os cortes de gastos serão compensados por um ‘aumento de eficiência’.
Naturalmente, argumentam que o cerne dos problemas na saúde e educação reside na eficiência. Segundo essa lógica, reduzindo os salários dos professores e dos profissionais de saúde, a eficiência, por consequência, aumentaria. Detalhe: embora o governo, por motivos óbvios, não mencione explicitamente saúde e educação como alvos diretos das revisões, as tabelas anexadas e o Relatório de Projeções Fiscais do Tesouro deixam claro essa intenção.
O relatório revela que foram realizados estudos visando a retirada de mais de R$ 500 bilhões dessas áreas até 2033. Diante deste cenário de contração fiscal dos gastos e investimentos públicos, como o governo pretende gerar crescimento econômico nos próximos ?
(i) Contração fiscal expansionista e… progresssista. Baseados em suposições sem evidências, apostam que a reforma tributária e a contração fiscal reduzirão significativamente ‘a tal taxa neutra de juros’ (p. 123).
Esta hipótese neoliberal, amplamente falha e ridicularizada por fartas evidências históricas, é hoje criticada até pelo FMI. Apenas os mais ardorosos defensores do neoliberalismo ainda sustentam a tese de uma contração fiscal expansionista. Até Alberto Alesina, o arquiteto dessa teoria, agora admite suas falhas. Contudo, o governo promete que dessa vez a contração fiscal vai funcionar tão bem que além de ser expansionista será progressista, algo que será inédito na história do capitalismo.
(ii) As chamadas medidas microeconômicas, principalmente a ampliação da facilidade do sistema financeiro em executar garantias de devedores, como carros, casas e afins. Prometem que isso também reduzirá juros. A Febraban apoia efusivamente a medida que ela mesmo construiu e garante que os juros no Brasil são altos porque o nosso povo fica dando muita volta nos pobres bancos.
(iii) Citam medidas de incentivo ao investimento privado, especialmente ambientais, como o chamado Plano de Transformação Ecológica. Será o mercado salvando o meio ambiente da destruição que ele mesmo gera.
(iv) Consideram que a suposta inovação do programa de hedge cambial para reduzir o risco do especulador externo vai atrair investimentos. Prosseguem com um espetáculo de platitudes neoliberais, tão familiares aos discursos dos tucanos ao longo das décadas. Entretanto, não posso terminar esse texto sem mencionar algo que me chamou bastante atenção: a curiosa aposta na ampliação da dívida externa.
Aqueles minimamente familiarizados com a economia brasileira entendem bem o risco de trocar dívida emitida na nossa própria moeda por dívida em dólares e outras moedas fortes. No entanto, para o governo, parece não haver diferença alguma. Vejam esse trecho de uma matéria assinada pelo Tesouro Nacional: “A emissão reforça o papel importante da dívida externa em termos de alongamento de prazo, diversificação de indexadores e da base de investidores (…)”
Por fim, o governo conclui no PLDO que é a austeridade fiscal que vai matar a fome e a insuficiência de serviços públicos no Brasil: “Políticas fiscais bem elaboradas, dentro de um arcabouço que prima por responsabilidade fiscal, podem mitigar os problemas sociais que assolam a população brasileira, como a fome, a oferta ainda insuficiente dos serviços públicos e as desigualdades.”