Por Francisco P. Farias (*)
Independentemente se a aliança eleitoral com as forças partidárias de centro-direita deu os resultados esperados no segundo turno da eleição presidencial de 2022, o fato talvez mais significativo tenha sido que o centro da classe trabalhadora, cujas profissões (banco-finança, indústria de alta tecnologia etc.) estão localizadas sobretudo na região sudeste do país, já está se desapegando das promessas políticas da direita (o antipetismo) e da extrema-direita (o neofascismo). Nessa região (SP, RJ, MG), o candidato das políticas neoliberal extremada e neofascista obteve em 2022 em média 11% de votos a menos que na eleição de 2018. Em São Paulo, ele obteve 55,3% dos votos válidos, contra 44,7% de Lula. Conforme noticiado, “aliados de Bolsonaro, como Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil, esperavam uma vitória de 20 pontos percentuais no maior colégio eleitoral do país” (Valor econômico, 31\10\2022).
A influência das “forças populares” (as classes dominadas) no resultado do pleito, dado que vivemos sob os constrangimentos estruturais do Estado burguês, seria importante, mas a resultante provém dos setores das “elites” (classes dominantes), que se somam a uma nova maioria ou hegemonia política. Por motivos de seletividade institucional (como a Lei de Responsabilidade Fiscal), pressões políticas (associações patronais, grande mídia etc.), predisposições discursivas (economistas keynesianos), socialização política (os ritos da democracia burguesa), origem social (a maioria dos quadros considerados técnicos provindos de classes médias) – por tudo isso torna-se praticamente impossível que o novo programa governamental expresse os interesses da maioria social. No entanto, espaços importantes para as forças proletárias foram abertos nesse aparelho de Estado burguês, a se ver não apenas pela composição dos Grupos de Trabalho na equipe de transição, mas também pelas predisposições do presidente eleito, Luís Inácio Lula, reveladas em seus últimos pronunciamentos, como em 10 de novembro: “Responsabilidade fiscal não pode ser às custas dos mais pobres” (Lágrimas de Lula).
Por que Lula vai às lágrimas ao pronunciar esse discurso¿ Seria por que vem à tona a solidariedade de classe do ex-metalúrgico¿ Parodiando uma jornalista brasileira, a transição de governo está ocorrendo não apenas pelo trabalho da equipe instalada em Brasília, mas também pela sensibilidade da liderança de Lula, que tem de combinar a representação dos interesses burgueses hegemônicos com a ampliação das aspirações sociais proletárias. Como afirmou Luiz Gonzaga Belluzzo, a insistência do “mercado” (capital financeiro com dominância rentista) em risco fiscal é “ignorância interessada” que prejudica as políticas sociais. Cabe bem a fórmula incisiva do poeta tropicalista Torquato Neto: “Alô, idiotas!”.
(*) Francisco P. Farias é professor, participa do ANDES e é militante petista