Por Luis Sérgio Canário (*)
Guilherme Mello
O economista Guilherme Mello deu uma entrevista ao site Metrópoles publicada em 06/02/2022. Nessa entrevista ele é apresentado como o coordenador de um grupo de cerca de 90 pessoas “para auxiliar no desenho de uma proposta que ainda deve passar por negociações com partidos da aliança em torno da candidatura do ex-presidente ao Planalto”, segundo a matéria. Essa não é a primeira vez que Guilherme aparece na imprensa com essa qualificação. Alguns trechos importantes e que expressam pontos centrais das discussões sobre política econômica no futuro governo Lula:
“Em conversa com o Metrópoles, Mello ressaltou o quanto a ideia do teto de gastos é ultrapassada, em sua visão, no sentido de garantir um equilíbrio fiscal e desenvolvimento econômico e social para o país.”
“Nesse contexto, dificilmente Lula repetirá o movimento de “acalmar o marcado” com uma reedição da Carta ao Povo Brasileiro, editada em 2002, em plena campanha, que o levou ao poder, com apoio da elite financeira do país.”
“Desta forma é que se conseguirá encontrar um equilíbrio fiscal mais adequado que combine estabilização da dívida pública e, até mesmo, redução de dívida pública em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), com crescimento econômico, geração de emprego, distribuição de renda. Foi o que aconteceu no período do Lula. Agora, para isso, tem que ativar o circuito de investimento público”, recomendou Mello.
“”Vamos lembrar que nos governos do PT, a dívida pública saiu de 60% e caiu para 32% do PIB”, enfatizou.”
“Obviamente, quem poderia responder o que esperar de um futuro governo do Lula é o próprio Lula. Até porque é ele que vai ser o novo presidente e vai comandar um movimento político, uma coalizão política ampla para que tenha sustentação. Agora, o que eu posso dizer é que há também um consenso, um acordo generalizado sobre a necessidade de recuperação do investimento público e do papel do Estado como indutor do crescimento”, apostou.
“”Se o mercado financeiro tiver um pouco de memória, vai lembrar o quanto ganhou no governo de Lula”, enfatizou.”
Há nessa entrevista questões que aparentemente estão dominando o debate entre os economistas do partido, já explicitadas por Nelson Barbosa, Mantega e Mercadante. Primeiro uma curiosidade no texto: Guilherme declara que a Carta aos Brasileiros de Lula em 2002 “o levou (Lula) ao poder, com apoio da elite financeira do país.”.
Uma segunda curiosidade, essa bem mais séria, que até vem sendo repetida por algumas pessoas ultimamente, é: Lula “vai comandar um movimento político, uma coalizão política”. É dita de passagem e fora do contexto do debate econômico, mas falar que Lula está a frente de movimento político significa exatamente o quê? Que a candidatura dele é maior que o PT e deve se revestir desse conteúdo apartidário de movimento? Lula é candidato do PT e não de um movimento qualquer. Por mais coligações e federações que se deseje, colocar a candidatura de Lula como um movimento é querer esconder a forte ligação de Lula com o PT. Ele pessoalmente nunca se manifestou de forma diferente disso.
Guilherme parece apostar em cenário semelhante a 2002. Parece ignorar o duríssimo tempo que temos pela frente. Temos um país em frangalhos, com a economia dependente do agronegócio e da exportação de commodities, com a indústria em frangalhos, desemprego e informalidade nas alturas, preços administrados fora de controle ao bel prazer da burguesia, gasolina, diesel e gás com preços completamente irreais para a situação do país, o serviço público deteriorado, o governo sucateado e uma imensa lista de mazelas.
Diante desse cenário como tirar das palavras estabilizar e até mesmo reduzir a dívida pública e gerar crescimento, riqueza, que seja suficiente para enfrentar todos esses problemas? A resposta é que se Lula fez antes, fará depois. Acontece que Lula não é mágico, o messias que transforma água em vinho. Ou temos uma política fiscal que satisfaça a Faria Lima e a burguesia financeira, a que manda no pedaço, ou enfrentamos as necessidades de recursos invertendo a equação: a política fiscal que se adeque as necessidades de financiamento do Estado para promover o que se faz necessário.
É muito curioso o orgulho que Lula e muitos economistas do PT falam que “nos governos do PT, a dívida pública saiu de 60% e caiu para 32% do PIB”. Ou que “Se o mercado financeiro tiver um pouco de memória, vai lembrar o quanto ganhou no governo de Lula”. Por que se orgulhar de ter deixado os rentistas ainda mais ricos e ter transferido recursos, de extrema importância para financiar os investimentos do Estado, para esses mesmos rentistas? Fizemos um enorme, como os economistas gostam de falar, esforço fiscal para transferir riqueza da sociedade para a banca e seus associados.
Guilherme também fala que há “um consenso, um acordo generalizado sobre a necessidade de recuperação do investimento público e do papel do Estado como indutor do crescimento”. Será? Os nossos neoliberais, talvez convencidos por Alckmin, mudaram de lado? Paulo Guedes está aí provando que não é bem assim. Os setores do capital que ele representa no governo devem ficar arrepiados ao ouvir isso. Haver esse consenso na esquerda é uma coisa. Na Faria Lima outra. O Estado pode induzir crescimento até o limite em que o rico dinheirinho dos rentistas não seja comprometido. Já vimos essa história, mesmo, como diz Lula, que eles nunca tenham ganhado tanto dinheiro como no governo dele. É pouco provável que nossos neoliberais compactuem com essa visão. O dogma, repetido à exaustão pela Globo é a relação dívida PIB não pode ser maior que 90%. Mesmo que os EUA e outras economias do centro imperial tenham essa relação maior que 100%, como o Japão, chegando nos 200%.
Nossos economistas preferem navegar na paradoxal heterodoxia ortodoxa. Olham o mundo pela heterodoxia das lentes do social, mas com o foco das políticas fiscais e macroeconômicas ortodoxas. Isso não tem como dar certo. De 2003 a 2016 saímos de Palocci para chegar em Levy. A dupla Nhô Ruim e Nhô Pior, literalmente. Vamos repetir o ciclo?
Parafraseando Marx na famosa Tese 11, os economistas já tentaram explicar e dizer como o mundo deve funcionar. Agora é preciso que a política da classe trabalhadora transforme esse mundo. Ignorância das bruxarias da impenetrável ciência econômica, entendida somente pelos iniciados, principalmente os homens brancos formados na USP e na UNICAMP? Pode ser. Só que não.
(*) Luiz Sérgio Canário é militante petista em São Paulo-SP