O interessante embate entre Siqueira e Guimarães (parte 1)

Por Valter Pomar (*)

Dizia um poeta: “Cinzenta, caro amigo, é toda teoria, verdejante e dourada é a árvore da vida”.

No caso da federação, vale o oposto: na teoria a federação é verdejante dourada, mas na prática é esfumaçada e cinzenta.

A prova disto está na troca de chumbo entre Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB, e José Guimarães, vice-presidente nacional do PT.

A entrevista de Siqueira foi publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, no domingo 6 de fevereiro de 2022. A de Guimarães saiu no dia seguinte. Ao final reproduzo a íntegra do que saiu publicado.

Comecemos por Siqueira: das duas, uma. Ou ele resolveu atear fogo aos barcos, ou está esticando a corda para ganhar mais na negociação.

Diante de uma afirmação da Folha (“as conversas entre PT, PSB, PV e PC do B parecem estar avançando”), Siqueira responde assim: “Você disse que está avançando, eu diria que está apenas sendo discutida. Não há avanço nem retrocesso”.

E onde está “pegando”? No programa? Nas candidaturas? Na discussão sobre a presença do PSB em governos de direita, como o de Leite no Rio Grande do Sul?

Não.

Segundo Siqueira, o problema está na discussão sobre “como essa federação funcionará. E essas normas têm um centro, que é o comando da federação”.

Nada de novo: desde que os partidos existem, o tema organizativo é central. Natural: dentro de certos limites, a linha política sempre pode ser ajustada, mais para a direita ou mais para a esquerda. E o papel aceita de tudo.

Já o controle das decisões é algo pão pão, queijo queijo.

Sobre isso, Siqueira conta o seguinte: “Hoje, a proposta do PT é que numa assembleia de 50, que decidirá todas as questões fundamentais da federação, o PT tenha 27, sugere 15 para o PSB, 4 para o PC do B e 4 para o PV. Ou seja, o PT fica com a maioria”.

Fica com a maioria, mas para tomar decisões (quais? Siqueira não diz) será necessário “quórum ser qualificado de dois terços”.

Um quórum de dois terços significa ter 33 ou 34 votos. Falando em tese, se somarmos o PT com o PCdoB e o PV daria 2/3.

(Isto supondo que os partidos vão votar unidos, como bancadas.)

Siqueira não está de acordo com isto. Como ele mesmo diz, “quem tem 27 tem mais condições de chegar a dois terços do que quem tem 15, que é o que nos competirá se entrarmos na federação”.

Na opinião de Siqueira, o PSB precisa decidir se “quer continuar tendo sua política e decidindo as coisas essenciais ou [se quer estar] numa estrutura que tem essa configuração com a maioria de um partido. [Tem que decidir se] deseja entregar o seu destino a essa federação”.

Não deixa de ser engraçado: para nós, petistas contrários à federação, a proposta de 2/3 é inaceitável por dar poder de veto à minoria.

Para Siqueira, a proposta de 2/3 é inaceitável por tornar possível – em tese – uma maioria composta por PV, PCdoB e PT.

Siqueira está falando sério? Ou está tensionando para negociar melhores condições? Façam suas apostas.

O fato é que ele apresenta uma proposta alternativa: “Eu fiz proposta de agregar mais membros ao PSB considerando o número de prefeitos e vereadores que nós temos, que é maior do que o do PT. Mas o PT mantém a proposta deles e vamos examinar se convém ou não”.

Diz também: “É compreensível que o PT queira ter um número maior de representantes na assembleia, mas não precisa ser tanto. Isso pode ser melhorado se eles refletirem e concluírem que precisa ter um equilíbrio na composição. Por isso eu proponho que se agregue a questão dos prefeitos. Isso daria um equilíbrio a todos”.

Isso daria um “equilíbrio a todos” significa: seria mais fácil vetar as posições do PT e seria mais fácil derrotar o PT.

Sem isso, o PSB “perde muito da sua autonomia sobre questões essenciais, sobretudo no plano eleitoral. Mas a matéria está em discussão, vamos ver se ela progride. (…) Se não mudar a composição, vai ter muita dificuldade de aprovar a federação no âmbito do diretório nacional do PSB. (…) Não se trata do quórum qualificado [para tomar decisões], mas do peso que cada um terá”.

Não é maravilhoso?

No PT nos informaram que a proposta da federação partiu do PSB. Apesar disso, o que temos visto até esta entrevista é o PT fazendo concessões e o PSB regateando condições.

Aliás, perguntado se “pessoalmente” acha “que é bom para o PSB entrar na federação?”, Siqueira responde o seguinte: “Eu tenho procurado, pelo menos publicamente, não me posicionar a esse respeito, porque dentro do partido há divergências. Nessa fase quero apenas colher as opiniões e formar minha convicção para convocar o diretório nacional”.

Já no PT, alguns dirigentes favoráveis à federação fazem campanha aberta e não se importam de desrespeitar a decisão do Diretório Nacional do Partido, adotada no dia 16 de dezembro, segundo a qual caberia à executiva nacional “conduzir” as negociações.

E antes mesmo das negociações terminarem, os mesmos dirigentes já estão retirando candidaturas em favor do PSB, como fizeram em Pernambuco.

E por falar em candidaturas: segundo o presidente do PSB, “a questão da federação não está diretamente ligada às questões estaduais, das candidaturas em que queremos o apoio do PT. São conversas que caminham em paralelo (…) são coisas distintas, muito embora o que for definido sobre os governos estaduais tenha uma repercussão também sobre a decisão que vamos tomar sobre a federação”.

Segundo Siqueira, o PSB estaria apoiando o candidato a governador do PT na Bahia, no Piauí, em Sergipe e no Rio Grande do Norte. E pede o apoio do PT em Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo.

Siqueira espera que “eles” (o PT) “cedam em tudo. Na política tem uma coisa que se chama reciprocidade”.

(Pergunto, sem esperar resposta: que tipo de “reciprocidade” se deve dar ao PSB pelo apoio dado pelos “socialistas” ao golpe de 2016?)

Siqueira fala, também, das eleições municipais. Diz expressamente o seguinte: em 2020 “elegemos 250 prefeitos. O PT elegeu 180 (…) Tem de haver regras que possam garantir a candidatura nata à reeleição de todos os 250 prefeitos do PSB. E eu fiz essa proposta, inicialmente o PT discordou, mas depois admitiu consultar”.

Candidatura nata, tomem nota!

Convenhamos, Siqueira pode ter muitos defeitos, mas pelo menos fala direto. Inclusive sobre a candidatura Lula: “Não está decidido” que o PSB vá apoiar Lula, “mas é o mais provável”.

Para bom entendedor: o PSB pode apoiar Lula, se o PT apoiar os pleitos do PSB.

Toma lá, dá cá.

E atenção: o vice não entra na conta de perdas e ganhos. Pois Alckmin é de “um campo político que não é o nosso” e “se ele vai ser convidado para ser vice, não cabe ao PSB, cabe ao PT”.

Por isso, provavelmente, o Rio de Janeiro não entra na conta da “reciprocidade”: o PT é apoiado em 4 estados pelo PSB, o PSB pede apoio do PT em 4 estados e o Rio fica fora da conta pois o Freixo é um recém-chegado. Aliás, reproduzo na integra a seguinte passagem da entrevista:

Em meio às discussões com o PT, ouvimos que o sr. estaria contrariado com declarações que Marcelo Freixo (PSB) teria dado de apoio a Haddad em São Paulo. O sr. conversou com ele?

Ele esteve esta semana comigo, conversamos. Eu expressei publicamente não só a minha opinião, mas expressei uma certa indignação que houve de muitas pessoas no PSB, que acharam inadmissível a declaração dele. Ele diz que foi invenção da jornalista, mas a verdade é que não houve um desmentido no dia seguinte sobre a matéria.

Depois de ouvir tudo isto, a Folha fez a pergunta óbvia:

“Qual a vantagem de formar a federação, se existem tantos impasses?”

Resposta: “A federação se torna um instrumento poderoso eleitoralmente nessas eleições, para eleger, no caso do PSB, mais três ou quatro deputados, não mais que isso”.

Ou seja: não é o futuro do Brasil, não é a unidade da esquerda, não é a eleição de Lula. A federação serve, segundo o presidente do PSB, para eleger “três ou quatro deputados, não mais que isso”.

E completou: “Tem de se examinar se essa vantagem é suficiente para entrar na federação ou não. Porque eu não consigo ver outras vantagens para o futuro”.

Novamente, pergunto: Siqueira está falando sério ou está esticando a corda para conseguir mais concessões?

Seja qual for o motivo real, a entrevista de Siqueira confirmou uma de suas teses: “política é uma parceria de mão dupla. De mão única, acaba dando uma trombada”.

Depois de fechar os olhos para muita coisa, depois de fazer inúmeras concessões, depois de colocar em risco a higidez do Partido, os petistas defensores da federação se viram diante de uma situação um pouco, digamos, constrangedora.

E, se entendi direito o ocorrido, o deputado José Guimarães foi escalado para responder. Veremos na continuação a resposta do deputado, num certo sentido ainda mais interessante do que a entrevista de Siqueira.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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