Os jornalões atacam Lula

Por Valter Pomar (*)

Prova de que Lula mandou muito bem ao escolher Moscou para comemorar os 80 anos da vitória contra o nazifascismo é a reação histérica dos jornalões.

A respeito, GloboFolha e Estadão publicaram textos carregados de ódio, bílis e fezes.

Mas, no meio do besteirol vintage anticomunista, há trechos reveladores acerca do que pensam os intelectuais da classe dominante brasileira.

(Ver ao final a íntegra dos textos que citarei a seguir.)

No texto publicado por O Globo, é dito que “a democracia liberal está ameaçada”. Note-se: o que estaria ameaçada é um tipo específico de democracia, a “liberal”.
A extrema-direita estaria por toda parte. E além disso haveria “a ameaça do imperialismo militar russo” e os “os riscos da eventual hegemonia econômica da ditadura chinesa”. Sem falar do “fogo amigo”. Ou seja, os porta-vozes da classe dominante brasileira estão se sentido como aquele cachorro que caiu do caminhão de mudança: não sabem para onde ir.

Neste contexto, reconhece-se que “a celebração do aniversário de 80 anos da vitória na Segunda Guerra Mundial” é “simbólica: serve como alerta contra os riscos do extremismo e faz parte da luta da democracia pela sobrevivência”. Mas também se diz que “Lula poderia festejar em qualquer lugar —inclusive no Brasil, de onde se ausenta em demasia —, mas escolheu Moscou. Haverá quem diga que faz sentido, já que a antiga URSS era nossa aliada contra o nazismo. Mas o Brasil entrou na guerra por causa dos Estados Unidos e sempre combateu sob o comando de generais americanos. Nunca tivemos contato com os russos”.

Cá entre nós, o Brasil entrou na guerra por conta de uma pressão combinada. De um lado, os EUA. De outro lado, a pressão dos setores democráticos e de esquerda no Brasil, inclusive os “russos”, quer dizer, os comunistas. Ademais, o fato de nossas tropas estarem submetidas ao comando dos EUA (o que explica parte do comportamento dos generais brasileiros depois da guerra) não elimina uma verdade histórica: a derrota do nazi-fascismo deveu-se em primeiro lugar ao esforço soviético. E, podemos agregar, a derrota do imperialismo nipônico deve-se em primeiro lugar ao sacrifício do povo chinês.

Outro trecho interessante do texto do Globo é o seguinte: “Além disso, a aliança era acidental e incômoda: Alemanha e URSS eram regimes totalitários similares, comandados por ditadores paranoicos e sanguinários. Antes de se unir à luta contra o nazi fascismo, Stálin assinou um pacto de não agressão que permitiu a Hitler iniciar a guerra. A URSS ficou com Finlândia, Repúblicas Bálticas e metade da Polônia — e a ocupação soviética foi tão brutal quanto a alemã. (O governo da Polônia no exílio se aliou aos países ocidentais, não à URSS.)”

De fato, a aliança era incômoda: entre 1933 e 1939, o nazismo tinha muitos simpatizantes nos países europeus, inclusive na França e Inglaterra. E na véspera da guerra, é conhecido o esforço que estes dois países fizeram para empurrar os nazistas contra a URSS. Fizeram isso porque para a classe dominante daqueles países a URSS era percebida como sendo um perigo maior do que os nazistas. Sendo esse o contexto, criticar o Pacto Molotov-Ribbentrop sem falar nada de Munique é de um unilateralismo vergonhoso.

O texto do Globo é a reclamação de que Lula teria “esnobado” Zelenski “por quase dois anos”. Citar dois anos e falar de “esnobar” é malandragem pura, como pode constatar que ler isso aqui: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c51pe7vn9y5o

Mas o mais importante do texto publicado pelo Globo é a afirmação segundo a qual “Hitler e Stálin eram parecidos, e Putin se parece com os dois. Não apenas por ser um ditador totalitário que tem o hábito de assassinar adversários, mas também por questões geopolíticas”. (….) Só não vê a semelhança, só ignora o risco, quem quer”. De fato, só quem quer ignora o “risco” embutido neste tipo de interpretação, acompanhada da seguinte ameaça: “Não é apenas ignorância histórica e estupidez política, é a mais grave agressão diplomática (depois de muitas) às democracias europeias até agora. Ela terá consequências”.

Uma última passagem, para concluir: “Lula poderia ir a Moscou a qualquer tempo, mas escolheu este momento simbólico, em que as democracias celebram a vitória contra as tiranias, para confraternizar com Putin, Xi Jinping, Maduro e mais dúzia e meia de liberticidas”. O problema, ó X&#@*% que escreveu este texto, é que na derrota da “tirania” nazista, os povos soviéticos e o Exército Vermelho tiveram a primazia.

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Passemos agora para o que disse um editorial da Folha, intitulado “Deferência de Lula a Putin constrange o Brasil” e publicado dia 9 de maio.

Causa vergonha alheia ver um jornal que apoiou a ditadura, tentar agora falar em nome do Brasil. Mas sigamos.

Segundo a Falha de S. Paulo, não haveria “qualquer vantagem estratégica na presença de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no cortejo a Vladimir Putin. Sua viagem a Moscou para o beija-mão do autocrata abala a imagem do Brasil, ao permitir a leitura de parcialidade ante o ataque movido pelo russo à Ucrânia”.

Falha esquece que Lula, certo ou errado, criticou a agressão da Rússia contra a Ucrânia. Mas sempre disse que para acabar com a guerra era preciso combinar com os russos. “Parcialidade” é cometida por quem fala em paz, mas evita tratar com os russos.

(Não sei como o Manual de Redação da Folha deixa passar frases como a de que a guerra da Rússia contra a Ucrânia é condenada “pela maior parte das democracias do mundo, com exceção do Brasil”. Mas é compreensível: não basta condenar, tem que mandar armas e dinheiro, tem que aplaudir o ditador Zelensky, tem que dizer que a Otan é um ninho de pombos que nada tem que ver com a guerra etc.)

Falha também esquece que os BRICS são estratégicos para o Brasil, especialmente nesses momentos de guerra comercial e tarifária. Guerra desencadeada pelos Estados Unidos, diga-se.

Um ponto alto do editorial da Falha de São Paulo é a seguinte frase: “O presidente brasileiro posou para a propaganda do regime russo ao lado de líderes autoritários unidos pelo terceiro-mundismo, a doença infantil do anti-imperialismo”. A pergunta é: o imperialismo existe? O Sul Global existe? De que lado deve estar o Brasil? Ao lado da Europa onde a extrema-direita cresce e que é cúmplice do genocídio de Israel? Ou ao lado do governo Trump?

O editorial da Falha diz que Lula, ao ir a Moscou, pode “constranger o Brasil perante a União Europeia, um dos maiores parceiros comerciais e reduto antagonista de Putin após a meia-volta errática de Trump”.

Em se tratando de União Europeia, constrangimento mesmo é ler o seguinte: “Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os Territórios Palestinos Ocupados, pediu que altos funcionários da União Europeia, incluindo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e a representante da União Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança, Kaja Kallas, sejam acusadas ​​de cumplicidade em crimes de guerra por seu apoio à campanha genocida de Israel na Faixa de Gaza“.

O melhor de tudo, neste editorial da Falha, é ler que “a deferência ao russo não pode ser equiparada ao cultivo de boas relações com o autoritário Xi Jinping. A China, afinal, é outro destino decisivo das exportações nacionais e não move no momento guerra contra uma nação soberana —em que pesem ameaças perenes contra Taiwan”.

Primeiro, Taiwan não é uma nação soberana. Segundo, não tem preço ver um “liberal” demostrando que seus princípios democráticos são cotados em dólares. E também em “renminbis”.

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Agora vamos ao editorial do Estadão, publicado dia 10 de maio e intitulado “Lula em Moscou: o dia da infâmia”.

Segundo o porta-voz dos bandeirantes quatrocentões, “a imagem de Lula na Praça Vermelha, ladeado por facínoras para ver o desfile de mísseis que vão massacrar inocentes na Ucrânia, marcará o dia da infâmia da política externa brasileira.”

Dizer que a ida de Lula a Moscou foi um “vexame moral” é, digamos, uma questão de ponto de vista. Afinal, como já foi dito, nossa moral é diferente da deles. Mas dizer que foi um “fiasco geopolítico para o Brasil” é pura ignorância. Como até a Falha percebe, se não for por outros motivos, o mero pragmatismo recomendaria cultivar boas relações com os integrantes dos BRICS, inclusive porque só tem um jeito de acabar com a guerra: combinando com os russos.

Ocorre que o Estadão considera que o regime russo “encarna o que há de mais próximo ao fascismo hoje” (…) A semelhança com as ambições irredentistas de Hitler (…) é óbvia demais para ser ignorada”.

Se for para levar a sério esta afirmação, devemos concluir que o Estadão está fazendo soar as trombetas da terceira guerra mundial. Infelizmente para eles, a vida está muito confusa, como eles mesmos reconhecem ao dizer que “o gesto de Lula também o aproxima do presidente dos EUA, Donald Trump. Ambos têm apreço por autocratas, disputam um lugar no coração de Putin e culpam a Ucrânia por uma guerra de agressão que a Rússia começou”.

Um trecho importante do editorial do Estadão diz assim: “Como em todos os governos petistas, Lula conduz uma política externa pautada não por interesses de Estado, mas por taras ideológicas e por sua ambição de ser festejado como vedete terceiro-mundista. Foi assim na aloprada mediação nuclear com o Irã, em 2010. É assim na contemporização sistemática de ditaduras como Cuba, Venezuela e Nicarágua”.

Ler isto deve decepcionar e muito os amigos do governo e da esquerda brasileira que comemoraram três decisões recentes do governo, a saber, a de retirar o embaixador brasileiro da Nicarágua, a de não reconhecer o resultado das eleições da Venezuela e a de não aceitar a entrada da Venezuela nos BRICS. Afinal, o que o Estadão está dizendo é que não basta ajoelhar, tem que rezar e muito!

Obviamente, o que também está em jogo é 2026. Segundo o Estadão, além de “conspurcar” a “memória dos combatentes da Força Expedicionária Brasileira”, Lula teria jogado “mais uma pá de cal na tal “frente ampla democrática” que o elegeu em 2022, sequestrando aquele pacto cívico para usá-lo como instrumento de autopromoção ideológica”.

Tudo isso porque o Brasil, segundo o Estadão, estaria se afastando “dos polos democráticos e reformistas do mundo” e se aproximando “da constelação sombria de regimes autoritários do novo eixo de caos”. Nessa hora me dá saudade do agente 86. Pois afinal se há um eixo do caos neste mundo de 2025, sua capital é Washington e sua sucursal é Bruxelas.

Estar em Moscou no dia 9 de maio de 2025 foi um acerto de Lula e da política externa brasileira. O ódio dos jornalões apenas confirma isso.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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SEGUEM OS TEXTOS COMENTADOS

O Globo

Coluna: Lula em Moscou: o lado errado da História

Ricardo Rangel, empresário

08/05/2025

Não é novidade que a democracia liberal está ameaçada. Nunca, desde a derrota do nazifascismo em 1945, a extrema direita esteve tão forte, e ela está por toda parte: Trump, Le Pen, Orbán, Bolsonaro etc. Recentemente, o segundo lugar nas eleições alemãs ficou com a extremista Alternativa para a Alemanha (AfD), e o vencedor teve dificuldade para formar um governo (na última vez em que um cenário parecido ocorreu, em 1930, ele abriu caminho à ascensão de Hitler).

A situação internacional tampouco é fácil. Há a ameaça do imperialismo militar russo, os riscos da eventual hegemonia econômica da ditadura chinesa e o fogo amigo. Trump rasga a Constituição como quem troca de roupa, defende extremistas estrangeiros, desorganiza o comércio internacional.

A celebração do aniversário de 80 anos da vitória na Segunda Guerra Mundial, nesta semana, é simbólica: serve como alerta contra os riscos do extremismo e faz parte da luta da democracia pela sobrevivência. Lula poderia festejar em qualquer lugar —inclusive no Brasil, de onde se ausenta em demasia —, mas escolheu Moscou. Haverá quem diga que faz sentido, já que a antiga URSS era nossa aliada contra o nazismo. Mas o Brasil entrou na guerra por causa dos Estados Unidos e sempre combateu sob o comando de generais americanos. Nunca tivemos contato com os russos.

Além disso, a aliança era acidental e incômoda: Alemanha e URSS eram regimes totalitários similares, comandados por ditadores paranoicos e sanguinários. Antes de se unir à luta contra o nazi fascismo, Stálin assinou um pacto de não agressão que permitiu a Hitler iniciar a guerra. A URSS ficou com Finlândia, Repúblicas Bálticas e metade da Polônia — e a ocupação soviética foi tão brutal quanto a alemã. (O governo da Polônia no exílio se aliou aos países ocidentais, não à URSS.)

De toda forma, se a justificativa para a presença de Lula na Rússia é a antiga aliança com a URSS, como fica a Ucrânia, também ex-república soviética? Qual a justificativa para prestigiar um antigo aliado e insultar o outro? Lula quis reduzir o papelão marcando, em cima da hora, uma visita a Volodymyr Zelensky — isso depois de esnobá-lo por quase dois anos. O presidente da Ucrânia mandou dizer que tem mais o que fazer, classificou a ida de Lula a Moscou como “ato hostil” e cogita reduzir o status diplomático na relação conosco.

A maior parte dos países europeus viveu anos sob ocupação e opressão nazistas, e metade se libertou de Hitler para cair sob a opressão soviética. Hitler e Stálin eram parecidos, e Putin se parece com os dois. Não apenas por ser um ditador totalitário que tem o hábito de assassinar adversários, mas também por questões geopolíticas.

Hitler anexou a Áustria, intimidou as potências ocidentais para lhe darem um pedaço da Tchecoslováquia (depois tomou o país inteiro), invadiu a Polônia e jogou o mundo numa guerra devastadora. Putin anexou a Crimeia e invadiu a Ucrânia, e líderes como Trump e Lula dão a entender que ficará tudo bem se ele ficar com (só) mais um pedaço do país. Só não vê a semelhança, só ignora o risco, quem quer.

Lula poderia ir a Moscou a qualquer tempo, mas escolheu este momento simbólico, em que as democracias celebram a vitória contra as tiranias, para confraternizar com Putin, Xi Jinping, Maduro e mais dúzia e meia de liberticidas. Não é apenas ignorância histórica e estupidez política, é a mais grave agressão diplomática (depois de muitas) às democracias europeias até agora. Ela terá consequências.

Lula, alvo de uma tentativa de golpe de Estado, vive elogiando e defendendo a democracia, mas suas ações contrariam suas palavras. Karl Marx escreveu que o critério da verdade é a prática, e a prática de Lula mostra que sua defesa da democracia é da boca para fora. Só vale em benefício próprio.

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Folha

Editorial: Deferência de Lula a Putin constrange o Brasil

09/05/2025

Não há qualquer vantagem estratégica na presença de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no cortejo a Vladimir Putin. Sua viagem a Moscou para o beija-mão do autocrata abala a imagem do Brasil, ao permitir a leitura de parcialidade ante o ataque movido pelo russo à Ucrânia.

Comemoravam-se 80 anos do Dia da Vitória contra o nazismo, com a entrada do Exército Vermelho em Berlim. O feito militar se deu após a morte de 27 milhões de pessoas da União Soviética na Segunda Guerra Mundial.

O presidente brasileiro posou para a propaganda do regime russo ao lado de líderes autoritários unidos pelo terceiro-mundismo, a doença infantil do anti-imperialismo. Na pretensão de opor à força global dos Estados Unidos, fazem mesuras ao czar de um país que de potência tem só o arsenal atômico.

Lula presenciou não a justa celebração do fim do mais letal conflito da história da humanidade, e sim a glorificação de outro atual, condenado pela maior parte das democracias do mundo, com exceção do Brasil. A guerra de mais de três anos travada pelo gigante nuclear contra a ex-república soviética já causou 1 milhão de mortes, de acordo com estimativas difíceis de verificar.

Ninguém ignora em Brasília que tal agressão foi precedida pela tomada da Crimeia, uma década antes, pelo mesmo Putin. O pretexto para seu expansionismo belicoso seria, desta feita, a iminente adesão ucraniana à Otan.

Na parada militar moscovita, deu-se outra patranha, a de que a Rússia “foi e sempre será uma barreira indestrutível contra o nazismo, a russofobia e o antissemitismo”. Em cinismo, Putin se irmana a Donald Trump ao instrumentalizara tragédia do Holocausto de forma mendaz.

O gesto de Lula pode soar diplomático, ao prestigiar uma das nações fundadoras do BRICS, porém serve mais para desqualificá-lo no sonhado papel de mediador entre Rússia e Ucrânia. E, decerto, para constranger o Brasil perante a União Europeia, um dos maiores parceiros comerciais e reduto antagonista de Putin após a meia-volta errática de Trump.

A deferência ao russo não pode ser equiparada ao cultivo de boas relações com o autoritário Xi Jinping. A China, afinal, é outro destino decisivo das exportações nacionais e não move no momento guerra contra uma nação soberana —em que pesem ameaças perenes contra Taiwan.

Lula teria feito melhor ao Brasil se, em vez de participar de convescote com autocratas, cuidasse das articulações políticas em que seu governo, ainda envolvido em um escândalo bilionário, colhe mais derrotas que vitórias.

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Estadão

Opinião: Lula em Moscou: o dia da infâmia

10/05/2025

A imagem de Lula na Praça Vermelha, ladeado por facínoras para ver o desfile de mísseis que vão massacrar inocentes na Ucrânia, marcará o dia da infâmia da política externa brasileira

Ao tomar parte nas celebrações do “Dia da Vitória” em Moscou – data em que a Rússia festeja a vitória na 2ª Guerra contra o nazismo alemão e que o autocrata Vladimir Putin usa para fazer propaganda de seu regime tirano –, o presidente Luiz Inácio Lula da Silvas e/ou não um triunfo diplomático ou um gesto de realismo pragmático, mas um vexame moral e um fiasco geopolítico para o Brasil. Ao lado de autocratas de todos os cantos, Lula foi aquilo que os antigos agentes secretos soviéticos chamariam de “idiota útil”: um ocidental deslumbrado e voluntarioso – e descartável após servir às ambições do império russo.

Em teoria, a participação de um presidente brasileiro nas comemorações do fim da 2ª Guerra poderia significar a celebração da liberdade contra a tirania, da coragem do povo russo, do papel civilizatório da Rússia nas artes, nas letras, nas ciências, ou mesmo uma oportunidade para um estadista astuto tecer alianças diplomáticas num mundo multipolar– e até explorar canais para promover uma paz justa entre Rússia e Ucrânia. Na prática, Lula foi o exato oposto.

O cortejo foi a peça de propaganda fabricada por um regime que encarna o que há demais próximo ao fascismo hoje: uma autocracia que envilece sua nação e oprime seu povo, silenciando a oposição, perseguindo minorias, fraudando eleições para sustentar um líder vitalício adornado por uma iconografia imperial. É também um Estado predador, que desestabiliza governos, invade vizinhos e massacra civis sob a bandeira fraudulenta da “desnazificação”. A semelhança com as ambições irredentistas de Hitler, que invocava a germanidade para saquear territórios da Checoslováquia e da Polônia, é óbvia demais para ser ignorada.

Ironicamente, o gesto de Lula também o aproxima do presidente dos EUA, Donald Trump. Ambos têm apreço por autocratas, disputam um lugar no coração de Putin e culpam a Ucrânia por uma guerra de agressão que a Rússia começou.

Como em todos os governos petistas, Lula conduz uma política externa pautada não por interesses de Estado, mas por taras ideológicas e por sua ambição de ser festejado como vedete terceiro-mundista. Foi assim na aloprada mediação nuclear com o Irã, em 2010. É assim na contemporização sistemática de ditaduras como Cuba, Venezuela e Nicarágua. E é assim também, à custa da credibilidade internacional do Brasil, na relação amistosa com Vladimir Putin, um déspota que reintroduziu a guerra na Europa e exumou a guerra fria, flertando com um conflito mundial nuclear.

Ao celebrar o imperialismo de Putin, Lula, numa só tacada, surrou os princípios constitucionais que regem a política externa brasileira – autodeterminação dos povos, prevalência dos direitos humanos e solução pacífica dos conflitos. Também conspurcou a memória dos combatentes da Força Expedicionária Brasileira que tombaram ombro a ombro com os aliados europeus em nome da liberdade na 2ª Guerra. E jogou mais uma pá de cal na tal “frente ampla democrática” que o elegeu em 2022, sequestrando aquele pacto cívico para usá-lo como instrumento de autopromoção ideológica.

O resultado é que o Brasil se afasta dos polos democráticos e reformistas do mundo e se aproxima da constelação sombria de regimes autoritários do novo eixo de caos. Em vez de se mover com pragmatismo e independência num mundo multipolar, Lula opta por um multilateralismo de fachada, que relativiza regras, desrespeita tratados e consagra a lei do mais forte – justamente a lógica que mais prejudica um país como o Brasil, que não dispõe do poder das armas ou do dinheiro, só da diplomacia, da persuasão e da adesão às normas internacionais para proteger seus interesses.

A imagem de Lula na Praça Vermelha, ladeado por facínoras, assistindo ao desfile de tanques e mísseis que vão massacrar inocentes na Ucrânia e outros povos, marcará na História o dia da infâmia da política externa brasileira, um dia em que o Brasil, sem ganhar rigorosamente nada em troca, arruinou seus princípios republicanos e democráticos, bajulando criminosos de guerra e adulando ditadores por puro capricho do demiurgo petista.

O chanceler paralelo Celso Amorim disse que Lula iria a Moscou como um “mensageiro da paz”. Foi apenas um mensageiro da torpeza.

 

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