Artigo de Natália Bonavides (deputada federal PT RN) publicado originalmente na edição 198 do Jornal Página 13.
Previdência: o ataque continua
O relatório da PEC 06/2019, que trata da reforma da previdência, foi apresentado na comissão especial da Câmara dos deputados no dia 13 de junho, pelo relator Samuel Moreira (PSDB/SP).
O conteúdo do relatório mantém a lógica de penalizar os mais pobres, que embasa essa reforma. Os trabalhadores terão que pagar mais para a previdência, trabalhar mais tempo e receber menores benefícios, ou até não receber, diante da dificuldade em atingir os novos critérios para a aposentadoria. Em resumo: o relatório ameniza alguns pontos do perverso projeto apresentado pelo governo, mas segue sendo um duro golpe nos direitos da classe trabalhadora brasileira.
Acerca das questões que foram modificadas em relação ao projeto original, os principais destaques são para capitalização, aposentadoria rural e benefício de prestação continuada (BPC). Sabemos que a retirada de alguns desses temas do relatório é fruto da pressão popular oriunda da mobilização contrária à reforma da previdência, mas também não podemos ter ilusões sobre a natureza destrutiva do projeto, que segue sendo muito ruim.
Quanto à capitalização, por exemplo, fala-se explicitamente na Câmara sobre um acordo com o governo para que seja apresentada uma nova PEC que trate exclusivamente do tema da capitalização, já no próximo semestre. Fala-se também em reincluir a capitalização no projeto, através de emenda ao relatório. Ou seja, a retirada deste tema do relatório não significa de forma alguma um movimento de desistência de entregar a previdência do nosso povo para os banqueiros administrarem, mas sim um adiamento da discussão. Aliás, o próprio relator falou expressamente que é favorável a capitalização e que a retirada deste tema do relatório visa apenas separar os debates. Segundo ele, primeiro devemos reformar o sistema existente e depois debater a mudança de sistema, o que seria a capitalização.
Por outro lado, o relatório manteve pontos fundamentais e absolutamente desumanos. Um dos mais importantes é a regra de cálculo da aposentadoria, que passará a exigir 40 anos de contribuição para que o beneficiário receba o valor total do benefício. A maioria da população brasileira, sobretudo os mais pobres e as mulheres, já enfrenta dificuldades para atingir o tempo de contribuição exigido hoje, que é de 15 anos. Isto se agrava ainda mais com desemprego e informalidade crescentes, especialmente após a reforma trabalhista.
Hoje, com 15 anos de contribuição, é possível receber uma aposentadoria que leva em conta no seu cálculo pelo menos 85% da média salarial, considerando os melhores salários recebidos na vida do trabalhador. Caso a reforma seja aprovada nos termos do relatório, a aposentadoria só poderá ocorrer após 20 anos de contribuição e com apenas 60% da média salarial, considerando os piores salários. Ou seja, quem já trabalha muito e ganha pouco vai ter que trabalhar mais e por mais tempo, para no fim das contas receber bem menos. Isto se conseguir o tempo necessário para receber alguma coisa.
O relatório também manteve a imensa maldade que o governo que fazer com professores e professoras. O aumento da idade mínima e do tempo de contribuição, tanto no serviço público quanto no privado, faz com que passem mais tempo em sala de aula, enfrentando superlotação, múltiplas jornadas, infraestrutura precária e violência nas escolas. São mudanças que atingem com mais força as mulheres, que são 80% da categoria e ainda carregam o papel social do trabalho doméstico, que não é remunerado nem conta para a aposentadoria.
Em resumo, o relatório mantém a essência da reforma, que, ao contrário do que é proclamado pelo governo, não combate privilégios. A maior parte da “economia” que o governo quer fazer é em cima de trabalhadores do setor privado, que possuem menores salários e são mais vulneráveis ao desemprego. Enquanto isso, o governo não mexe nos verdadeiros privilégios, que beneficiam banqueiros e grandes empresários e prejudicam as contas públicas, como a questão do pagamento dos juros da dívida pública, além das renúncias fiscais, perdões e parcelamento de dívidas, isenção de imposto sobre lucros e dividendos, por exemplo.
No dia que este artigo está sendo escrito (24 de junho de 2019), ainda está em curso o debate sobre o relatório apresentado na comissão especial da Câmara. A bancada petista está firme em sua posição contrária e aproveita o debate para denunciar ao povo brasileiro o imenso perigo que corremos caso essa reforma seja aprovada. Após o término dos debates e votação do relatório, o projeto seguirá para discussão no plenário da Câmara, e a perspectiva é que o projeto seja votado ainda no primeiro semestre.
A greve geral do dia 14 de junho e as mobilizações de maio em defesa da educação deixaram evidente que a classe trabalhadora, os estudantes, a militância que defende os direitos e democracia, não irão ficar passivos diante de tantos desmontes, pois sabemos que só com muita mobilização popular derrotaremos esse perverso projeto. E é isso que faremos, parafraseando o presidente Lula em uma de suas últimas entrevistas: lutar, lutar, lutar!!
Natalia Bonavides é deputada federal (PT RN)