Por Valter Pomar (*)
Washington Quaquá
Só hoje, domingo dia dos pais, li uma matéria publicada no jornal Correio Braziliense, no dia 8 de agosto, acerca das eleições em Belford Roxo.
Lá se informa que o Diretório Nacional do PT, por 29 votos contra 25 e 11 abstenções, homologou uma decisão tomada pelo Diretório Municipal do PT de Belford Roxo, que decidiu apoiar a candidatura a prefeito de um cidadão alcunhado Waguinho, do MDB do Rio de Janeiro.
A mesma matéria atribui ao senhor Washington “Quaquá” a seguinte frase: “A política brasileira é absolutamente contraditória. A base da sociedade é pura contradição. Waguinho é um aliado tradicional do PT. Eu não diria que ele é bolsonarista. Ele é prefeito, é malandro. Se o Psol estivesse na presidência ele seria aliado do (Guilherme) Boulos. Essa turma (do PT) que é contra (a aliança) adora teorizar a Baixada tomando chope em Ipanema”.
Na frase acima, o que está entre parenteses foi incluído pelo jornal, não teria sido explicitamente dita pelo senhor Quaquá.
Chamo Quaquá de senhor, e não de companheiro, porque na minha opinião suas posições e práticas atuais ultrapassaram o limite do que eu considero cabível em um partido de esquerda.
No PED de 2018, ele gravou um vídeo publico, onde relativiza — “passa o pano” — atos de violência praticados contra fiscais de uma chapa oposta a sua. Recentemente, como também foi tornado público, deixou claro considerar aceitável a filiação ao PT de um cidadão acusado de vínculos com as milícias. E, agora, defendeu exitosamente duas alianças com políticos que fazem parte da base de apoio de Jair Bolsonaro.
Se ele se limitasse a defender estas posições, já seria grave. Mas ele vai além: Quaquá teoriza a respeito. Quer converter o vício em virtude.
Há algum tempo, quando eu ainda o chamava de companheiro, eu já havia dito que ele era o principal intelectual orgânico de um setor do Partido. O que ocorreu de lá até hoje confirma isto. Infelizmente, trata-se de uma péssima teoria, cuja aplicação prática converteria o PT em um vulgar PMDB.
No debate interno, Quaquá adora repetir frases como esta que foi publicada no Correio Braziliense, cujo único objetivo é desqualificar — cancelar? — não apenas as idéias que estão em debate, mas também o mensageiro destas ideias.
Vejam a frase: “Essa turma (do PT) que é contra (a aliança) adora teorizar a Baixada tomando chope em Ipanema”.
Da minha parte, nunca tomei chope em Ipanema e tampouco “teorizei” a Baixada. E tenho certeza de que os motivos dos integrantes do Diretório Nacional que se opuseram a esta barbaridade em Belford Roxo — Rui Falcão, Cícero Balestro, Marcos Sokol, Misa Boito, Joaquim Soriano, Maria do Rosário, Tiago Soares, Rosana Silva, Gabriel Medeiros, Moara Saboia, Vilson Oliveira, Tassia Rabelo, Natalia Sena, Mariana Janeiro, Sheila Oliveira, Lucinha do MST, Jandyra Uehara, Humberto Costa, Julio Quadros, Cida de Jesus, Ricardo Ferro, Misiara Oliveira, Patrick Araújo, Raul Pont e eu, Valter Pomar — não podem ser (des)qualificados como “conversa de bar”.
O argumento central utilizado pelo senhor Quaquá, na referida reunião do Diretório Nacional, em defesa da aliança com o tal Waguinho, foi de que ele não seria bolsonarista, mas sim “malandro”. Quaquá agregou que seria malandro “no sentido carioca da expressão”.
Não conheço Waguinho, mas sei de suas relações — públicas, aliás — com Bolsonaro. E não duvido de que ele tenha tido e possa voltar a ter relações amistosas com o PT e com outros partidos.
A questão é: por qual motivo chamar isto de “malandragem” e não de “oportunismo”? Não se trata, como pode parecer, apenas de uma malandragem verbal, para tornar o crime mais simpático. É mais do que isso.
Ao chamar de “malandragem”, Quaquá presta uma homenagem às reflexões feitas, há cerca de 100 anos, por Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, a respeito de como as relações políticas são vistas e como são abordadas pela elite brasileira e, a partir daí, pelas parcelas do povo que se submetem ao domínio ideológico das elites.
Chamar de malandro um bolsonarista oportunista corresponde ao que fez Regina Duarte, ao dizer que Bolsonaro era um homem dos anos 1950. Converteu uma prática política nefasta, uma postura ideológica que deve ser combatida, numa atitude pessoal, privada, íntima, relacional. E, com isso, se naturaliza o que deveria ser considerado inaceitável e, por isso, combatido.
Que Regina faça isso, normal. Que Quaquá o faça, inaceitável. Que uma maioria relativa da direção nacional do PT (29 a 25 com 11 abastenções) ceda a este tipo de argumento, é uma catástrofe. Especialmente levando em conta o que ocorreu no país, em 2016, quando “malandros” como Waguinho mostraram a que vieram e do que são capazes de fazer.
Quaquá, diferente de Waguinho, não é malandro. Ele defende explicitamente suas posições. E se elas prevalecerem, o PT vai degenerar irremediavelmente.
Antes que me esqueça: Quaquá usa e abusa em seu favor as realizações do governo de Maricá. Não conheço a cidade, mas de fato 99% do que ouço a respeito são elogios. O 1% crítico diz, por exemplo, que tudo seria muito diferente, não fossem os royalties do petróleo. E que, portanto, estamos diante de uma situação em certa medida “incomparável”.
Seja como for, como diria o próprio Quaquá, “a política brasileira é absolutamente contraditória”. Se Maricá é um exemplo positivo de políticas públicas, isto não implica em aceitar uma política que ultrapassa os limites de um partido de esquerda. E um partido de massas não é igual a um partido que tolera e incentiva práticas políticas de direita.
Para não dizer que não falei das flores: ao comprometer o país inteiro, o PT inteiro, com alianças como esta de Belford Roxo (e também de Itaboraí), o senhor Quaquá em certo sentido fez algo positivo: mostrou que não tem limites. Que ninguém alegue inocência, seja ao votar a favor, seja ao abster-se, como fizeram importantes dirigentes do Partido.
(*) Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do PT e professor da UFABC