Por Wladimir Pomar (*)
As eleições municipais de 2020 produziram recados de diferentes tipos. Por exemplo, ao bolsonarismo, impuseram diferentes derrotas a suas várias alas, em geral indicando que grandes camadas da população brasileira se deram conta do engodo de suas promessas e do ridículo de seus projetos e atitudes. O “mito” não passou de uma enganação, e a descoberta disso levou a perdas eleitorais significativas, não só a um de seus filhos, mas também a inúmeros candidatos explicitamente apoiados por ele.
Por outro lado, será um engano supor que a constatação acima é a única a ser apreciada numa análise dos resultados eleitorais deste ano. Não se pode esquecer que, para a vitória de 2018, aquele “mito” teve o apoio de uma larga coalizão da direita e do centro político. Bem antes daquela eleição, os principais representantes das correntes de direita, da “civilizada” à troglodita, forjaram planos e ações midiáticos, mobilizadores e policiais, para emparedar o PT, inclusive judicialmente, tendo a Lava Jato como principal instrumento. Tais planos e ações levaram tanto à condenação e à prisão de Lula, e ao golpe do impedimento de Dilma, quanto à criação do mito e sua vitória eleitoral.
O que impressiona na criação desse mito é o fato de que o sistema midiático, hoje em boa parte em choque com ele, jogou o papel principal nessa terrível enganação. Tal sistema tinha conhecimento pleno de que estava forjando um ente que nada tinha a ver com a figura real, incapaz sequer de aprovar um projeto como parlamentar. Ou seja, embora fosse quase universalmente conhecida a completa inapetência, ou incompetência, do ex-capitão, quase expulso do Exército por atos tendentes ao terrorismo, para assumir qualquer cargo público, toda a direita e todo o centro político jogaram pesado, irresponsavelmente, para que ele pudesse assumir a direção dos destinos do país.
Nessas condições, não deixa de ser interessante que alguns analistas do centro político e, também, da “direita civilizada”, agora culpem as “limitações” do PT pelo sucesso eleitoral de Bolsonaro em 2018. Para eles, o PT teria demonstrado ser incapaz de introduzir mudanças estruturais, principalmente quando tentou realizá-las, e de enfrentar com sucesso os fortes ataques da mídia dominante. Esta não só teria produzido tais ataques, que paralisaram o PT, como teria ajudado a forjar os mecanismos de difusão das fake news, que tiveram papel importante na Lava Jato, em outras operações de demonização do PT e da esquerda, e na vitória eleitoral de Bolsonaro.
É verdade que o PT tem tido dificuldades em analisar sua própria responsabilidade na virada política eleitoral da esquerda para a direita, sofrida pelo Brasil a partir de 2013-2014. Até hoje parece não estar convencido de que errou estrategicamente ao adotar políticas neoliberais no governo, e não considerar a luta contra a corrupção como uma disputa política de forte impacto social. E que sua estratégia de combate à Lava Jato limitou-se, em geral, aos aspectos jurídicos, deixando de lado os aspectos políticos, muito mais importantes, que demandavam inclusive ações para livrar-se de alguns de seus dirigentes que sofriam denúncias sólidas, a exemplo de Palocci, que ainda por cima se esforçou em corroborar as denúncias lavajatistas.
Essa inação custou caro ao PT, principalmente com a condenação de Lula e com sua impossibilidade de enfrentar a disputa eleitoral contra o “mito”. E, também, tem lhe custado caro não conseguir enfrentar criticamente a análise de seus erros do passado e analisar mais adequadamente as tendências principais da direita política. Parece não dar muita atenção ao esforço considerável dessa direita em fazer renascer suas correntes fascistas / nazistas, que alguns comentaristas adoçam como “novos populismos de direita”.
Sem analisar criticamente a história, seja a geral, seja a sua própria, parte considerável do PT parece achar que a vida útil dessa direita “mitológica” será efêmera, seja pela incapacidade de se reproduzir mundialmente, seja porque enfrenta crescente resistência onde estava tentando se consolidar, como na Bolívia, Chile e no próprio Estados Unidos, seja porque nas atuais eleições municipais brasileiras sofreu um rastro de derrotas.
Dizendo de outro modo, parte do PT tende a considerar que, além da direita fascista estar sofrendo derrotas em quase toda parte, a participação petista nas disputas municipais brasileiras foi vitoriosa, não havendo nada a corrigir em sua linha e atividade política. Então, bastaria seguir adiante, aguardar o fracasso total das correntes fascistas, assim como o fortalecimento da direita civilizada, permitindo que a democracia brasileira se abra novamente para novos experimentos petistas de governo.
Um dos problemas dessa visão consiste em que todas as experiências brasileiras passadas, que tiveram tal pensamento como orientação básica, acabaram por desaparecer na história, sem deixar muitas saudades. Nessas condições, talvez tenha chegado o momento do PT reexaminar criticamente seu passado, adotar medidas corajosas para superar seus erros políticos e organizativos, e recuperar sua capacidade de organização e de luta para enfrentar os desafios do presente e do futuro.
Dizendo de outro modo, não basta ao PT ter um programa que aponte para o futuro. Tal programa, além de mobilizador, precisa ser indutor da organização e da luta de grandes contingentes populares, capazes de enfrentar tanto as hostes bolsonaristas remanescentes, quanto aos demais setores políticos reacionários, racistas e fascistas. Ainda há tempo para tudo isso.
(*) Wladimir Pomar é jornalista e escritor político