“A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, em sua reunião de 23 de novembro, aprovou a seguinte resolução sobre a situação política e nossas tarefas.

1.Apoiamos e comemoramos a prisão preventiva de Jair Bolsonaro e demais condenados. Todos devem ser presos e cumprir integralmente sua pena. Sem anistia para os golpistas, que ademais são diretamente responsáveis pela morte de centenas de milhares de compatriotas, durante a pandemia da Covid 19.
2.O encarceramento dos golpistas não significará a “derrota final” da extrema-direita, uma corrente política que conseguiu penetrar profundamente na sociedade brasileira, expressando o ponto de vista de amplos setores do grande empresariado, com grande influência em setores médios e camadas populares. Muito ainda precisará ser feito para derrotar definitivamente a extrema-direita. A eleição de 2026 terá papel importantíssimo nisto.
3.Ainda não se sabe qual rumo tomará o clã de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2026. Se tentarem preservar seu “capital eleitoral” lançando uma candidatura presidencial própria, então no primeiro turno a direita e a extrema-direita estarão divididas em duas ou mais candidaturas presidenciais. Esta divisão, que à primeira vista as prejudicaria, ajudaria a levar a disputa presidencial para o segundo turno. Inclusive porque a existência de uma candidatura diretamente vinculada ao clã contribuiria para o esforço que as demais candidaturas da direita farão, de tentar se desvincular dos crimes cometidos pelo bolsonarismo. Confirmado este cenário, paradoxalmente, a prisão de Bolsonaro pode contribuir para o desempenho eleitoral das direitas.
4.Mesmo assim, a persistir o cenário atual, o mais provável segue sendo a reeleição de Lula no segundo turno das eleições de 2026. Entretanto, nada está definido e o cenário, como demonstram as pesquisas, segue muito difícil. De imediato, há quatro fatores que podem alterar negativamente a situação: a taxa de juros, a disputa em torno da segurança pública, o comportamento dos presidentes da Câmara e Senado, bem como a ingerência do governo Trump.
5.A gestão de Gabriel Galípolo segue mantendo o Banco Central como um instrumento à serviço dos interesses do capital financeiro. A julgar pela trajetória anterior de Galípolo, inclusive como diretor do BC, estava óbvio que isso aconteceria. Como em inúmeras outras indicações para cargos estratégicos, nosso governo escolheu um inimigo e deu a ele um álibi: a meta de inflação. O governo poderia ter feito aprovar, desde 2023, uma meta de inflação factível. Mas optou por uma meta inalcançável, que serve de pretexto supostamente técnico para o BC adotar uma taxa de juros brutal, que amplia a dívida pública, prejudica o cumprimento das metas fiscais, conduz a cortes no orçamento, reprime o crescimento e inviabiliza o desenvolvimento do país. O PT e o governo precisam ampliar muito a pressão pública sobre o Banco Central, ao mesmo tempo que deve agir para reduzir a meta de inflação e alterar as metas do Marco Fiscal. Uma vez que o Congresso bloqueia uma verdadeira reforma tributária e uma vez que o Banco Central mantém uma taxa de juros alucinada, o Marco Fiscal se converteu no que dissemos que seria: uma âncora que nos constrange, uma algema que nos aperta toda vez que nos movimentamos.
6.Vale lembrar que o Banco Central não está cumprindo nem mesmo seu papel de fiscalizar crimes cometidos no e pelo sistema financeiro. Os episódios envolvendo o ex-presidente do Banco Central, o Banco Master e os vínculos Faria Lima/ Primeiro Comando da Capital (PCC) são provas disso.
7.Os vínculos entre o crime organizado e o sistema financeiro são parte de um ecossistema mais amplo, dentro do qual parcelas da direita e da extrema-direita mantêm laços com o crime organizado. Ademais, o neoliberalismo e o “Estado mínimo” contribuíram e seguem contribuindo para o ambiente de insegurança pública existente em parte do território nacional. Portanto, as direitas são diretamente responsáveis por criar o problema para o qual agora oferecem, como suposta solução, uma política de insegurança resumida nas palavras “bala, porrada e bomba”. Esta política de insegurança é hegemônica nas direitas, tem grande ressonância na população e influencia inclusive setores da esquerda, como se viu durante muito tempo no governo da Bahia (que recentemente começou a adotar outra linha, fato que saudamos) e também se vê nas declarações criptofascistas do atual prefeito de Maricá (que, reiteramos, precisa ser levado à comissão de ética e afastado do palanque que ocupa na direção nacional do Partido). A política de insegurança defendida pelas direitas não resolverá os problemas de segurança realmente existentes, além de submeter a população negra, pobre e periférica a situações inaceitáveis do ponto de vista da democracia e dos direitos humanos.
8.É possível derrotar as direitas no debate da segurança pública. Mas para isso há pelo menos duas condições. A primeira delas: a esquerda deve oferecer uma frente unida em defesa de uma política de segurança pública eficaz, sem concessões ao populismo penal e punitivista, denunciando sempre a natureza criminosa e ademais ineficaz da política de insegurança defendida pelas direitas: afinal, o combate eficaz ao crime organizado exige inteligência e integração. A segunda condição é que nosso governo constitua o Ministério da Segurança Pública, tal como foi proposto pelo PT no debate sobre o programa de governo de 2022. Trata-se, sem dúvida, de uma escolha que comporta vários riscos; mas criar o Ministério é necessário, inclusive para reduzir a margem de manobra das direitas nessa questão. A criação do Ministério é também urgente, pois é bastante provável que outros governadores repitam o script adotado por Claudio Castro. Até porque a meta deles é a “bukelização” do Brasil (ou seja, a adoção aqui dos métodos adotados pelo presidente Nayb Bukele em El Salvador).
9.A conduta de Guilherme Derrite, secretário de segurança de Tarcísio de Freitas, na relatoria da Lei Antifacção, revelou de maneira didática o que as direitas querem. Misturando oportunismo eleitoral, lambança legislativa e confissão de culpa, Derrite propôs e foram aprovadas alterações no projeto elaborado inicialmente pelo governo, alterações cujo objetivo explícito é enfraquecer a ação do governo federal contra o crime organizado. Paradoxalmente, as lambanças de Derrite podem contribuir para estimular os apetites de outras candidaturas presidenciais, como por exemplo a de Ratinho Jr.
10.Seja como for, a disputa de 2026 será duríssima, como se pode ver pela escalada protagonizada por Motta e Alcolumbre, com críticas, sabotagens e ataques contra o Partido dos Trabalhadores e o governo. Os exemplos são inúmeros: IOF, PEC da Bandidagem, Derrite, indicação para o Supremo. Conforme devia estar óbvio desde quando a bancada petista os apoiou, Motta e Alcolumbre operam em favor das oposições.
11.Na mesma linha de não ter ilusões, não se deve confundir o recuo tático do governo Trump no tema das tarifas, com paz entre nós. Apesar de ser uma potência decadente, os Estados Unidos seguem poderosos o suficiente para causar todo tipo de dano. E quando são obrigados a recuar parcialmente (como no caso da Ucrânia), ficam ainda mais dispostos a se vingar noutras frentes. É assim que capitanearam um suposto “plano de paz” na Palestina, que na prática tenta reeditar os velhos protetorados coloniais. É assim, também, que fizeram de tudo para sabotar a COP 30, cujo resultado não é globalmente positivo, ao menos para aqueles que têm consciência da gravidade do colapso climático. É assim, finalmente, que os EUA operam para fazer da América Latina seu quintal, o que inclui o apoio direto a governos de direita (como Milei na Argentina), o garrote contra Cuba (onde a situação está se deteriorando com perigosa rapidez, sem que nosso governo ofereça a ajuda que temos a obrigação de conceder), as agressões contra o governo Cláudia no México e Petro na Colômbia. Destacamos a ameaça de intervenção militar contra a Venezuela, contra a qual nosso governo deve subir o tom de maneira mais enfática e direta.
12.O governo dos Estados Unidos tem interesse em conseguir, no Brasil, o mesmo resultado que conseguiu na Bolívia (onde a direita ganhou as eleições presidenciais) e caminham para conseguir no Chile (onde as candidaturas da direita obtiveram maioria no primeiro turno das eleições presidenciais). Neste contexto, caso a situação evolua para uma criminosa agressão militar contra a Venezuela, estaremos diante de uma situação com desdobramentos políticos que podem ser imprevisíveis. Lembrando que a lógica dos EUA é a dos mafiosos: não se importam de serem malvistos, lucram com o medo. E nossas classes dominantes têm muito medo.
13.Outra das indefinições relativas a 2026 é a própria tática eleitoral do Partido dos Trabalhadores. A respeito, tem sido divulgada a seguinte tese: nossas prioridades seriam a presidência e o Senado, neste caso para impedir que a extrema-direita conquiste maioria qualificada. Mas é preciso complementar e precisar nossos objetivos. Nosso objetivo principal é reeleger Lula, em condições de realizarmos um próximo mandato superior ao atual. Isso inclui, é claro, ampliar nossa bancada no Senado. Mas nosso desempenho nas eleições para o Senado será muito melhor se apresentarmos, na maioria dos estados, a começar pelos eleitoralmente mais importantes, chapas fortes de esquerda para disputar os governos, a Câmara e as Assembleias Legislativas. É um erro, portanto, tratar do Senado isoladamente; ou achar que será possível eleger senadores petistas sem ter campanhas petistas fortes.
14.Vitorioso na eleição presidencial de 2026, Lula não poderá disputar a eleição presidencial de 2030. Este momento é aguardado ansiosamente pela direita, seja aquela que seguirá insistindo em saídas golpistas, seja a que buscará nos suplantar eleitoralmente. Por isso devemos ter em nossa chapa de 2026 uma candidata petista à vice-presidência, o que contribuirá tanto para complicar eventuais planos golpistas, quanto para alavancar uma candidatura petista em 2030. Esta solução não implica em romper a aliança com o PSB, pois o melhor desenho eleitoral é que Geraldo Alckmin integre nossa chapa majoritária em São Paulo, especialmente caso Tarcísio de Freitas confirme sua candidatura presidencial.
15.Além de reeleger Lula, aumentar o tamanho de nossas bancadas parlamentares, manter e ampliar o número de estados governados pela esquerda, nossa campanha eleitoral em 2026 deve ter como um de seus objetivos construir uma maioria popular em favor das reformas estruturais necessárias a que o Brasil tenha efetiva soberania alimentar, energética, produtiva, digital, comunicacional, ambiental e militar. O próximo mandato de Lula precisa ir além das políticas públicas e iniciar as reformas estruturais indispensáveis para que o Brasil deixe de ser primário-exportador, paraíso do capital financeiro e um dos campeões mundiais da desigualdade social. Precisamos acabar com a escala 6×1, reduzir a jornada de trabalho, fazer os ricos pagarem impostos, revogar as reformas golpistas de Temer, enterrar a contrarreforma administrativa que está tramitando no Congresso. Estes objetivos só serão alcançados se o Partido, os aliados de esquerda, o sindicalismo, os movimentos sociais e a cidadania democrática implementarem uma política consistente de conscientização, organização e mobilização popular.
16.A derrota da PEC da bandidagem demonstrou que é possível enfrentar e derrotar a correlação de forças, favorável à direita, existente no Congresso nacional. Como a tendência é que – por mais que consigamos ampliar a bancada da esquerda – as direitas continuem tendo maioria na próxima legislatura, é imprescindível darmos um salto de qualidade na organização das classes trabalhadoras, das mulheres, das juventudes, dos negros e negras, dos lgbt, dos quilombolas e dos indígenas, no campo e na cidade, nas empresas, nas escolas, nos locais de moradia, nos espaços de cultura e lazer. Este salto de qualidade é urgente, entre outros motivos porque as direitas seguem atacando a classe trabalhadora em todos os terrenos possíveis, como se vê nos índices de violência contra a mulher, contra negros e negras, contra os lgbt, quilombolas e indígenas. Outro exemplo disso são as reiteradas tentativas de cassar mandatos de parlamentares petistas, como o da vereadora Brisa (Natal, RN) e do deputado Renato Freitas (Paraná), a quem estendemos nossa solidariedade, assim como destacamos a importância e o vigor da Marcha das Mulheres Negras.
17.A violência política de gênero e raça representa um obstáculo à democracia brasileira, atingindo de maneira desproporcional as mulheres que ocupam ou buscam ocupar espaços de poder e decisão, como parlamentares e membros de executivas partidárias ou governamentais. Essa violência, que pode se manifestar de formas simbólicas, psicológicas, físicas e até sexuais, inclusive no ambiente digital, busca desqualificar e reprimir a participação feminina, especialmente a de mulheres negras, LBTQIA+, periféricas e defensoras de direitos humanos. Em contraste com ataques a homens, que tendem a focar em sua atuação política e gestão, a violência contra mulheres frequentemente ataca corpo, aparência, vida privada, família e capacidade intelectual, perpetuando a visão de que a política não é um lugar que lhes pertence. A violência política de gênero e raça se insere nesse contexto de polarização como uma tática para silenciar vozes progressistas e manter a sub-representação feminina e negra, dificultando a implementação das reformas e a construção da maioria popular em favor de um projeto de soberania nacional e combate à desigualdade. A baixa representatividade feminina, especialmente em prefeituras e no Congresso, e a lentidão na aplicação da Lei n. 14.192/2021, que trata da violência política de gênero, mostram que o caminho para uma democracia. As tentativas de cassação de vereadoras no Brasil, de norte a sul, se manifestam de diversas formas, sendo as principais a violência política de gênero e raça e as acusações de fraude à cota de gênero nas eleições. Esses casos demonstram como o mandato feminino, especialmente o progressista, é constantemente alvo de perseguição política.
18.Discutir como enfrentar a situação descrita neste documento deveria ser uma das tarefas dos encontros setoriais do PT. Infelizmente, vários setoriais do Partido foram contaminados pelos mesmos processos degenerados que vimos operar no PED 2025. A esse respeito, destacamos mais uma vez o comportamento inaceitável adotado, principalmente no estado do Rio de Janeiro, pelo grupo vinculado ao prefeito de Maricá, Washington Quaquá. Milhares de pessoas foram inscritas, não para promover o debate legítimo, mas para tomar de assalto as direções de vários setoriais. Quaquá utiliza como álibi o que vem sendo feito de positivo pela prefeitura de Maricá, mas oculta que temos perdido as eleições presidenciais na cidade, um dos efeitos colaterais de sua orientação política de conciliação com a extrema-direita, de caciquismo, promiscuidade e enriquecimento pessoal. A secretaria-geral do nosso Partido, que há duas gestões vêm obstruindo a instalação da comissão de ética contra Quaquá, deve ser pressionada e responsabilizada publicamente por cumplicidade.
19.O 8º congresso nacional do PT, por enquanto marcado para o último final de semana de abril, também deveria ser um espaço adequado para tratar dos desafios políticos e organizativos do atual momento histórico. Mas para que tenhamos um Congresso de verdade, é necessário que os documentos em debate sejam debatidos na base do Partido e que esta possa mandatar as delegações, eleitos em novos encontros presenciais, precedidos por um recadastramento, tal como previsto no estatuto do Partido. Mas, pelo menos até o momento, a direção nacional do Partido escolheu fazer o 8º Congresso com a delegação eleita no PED 2025, indicando ainda que o número de delegados/as será menor do que o reunido no encontro nacional realizado no início de agosto deste ano. Insistimos na necessidade do debate ser feito na base, com eleição de novas delegações, precedidas de recadastramento, para que as resoluções aprovadas sejam de fato a expressão do que nossa base defende.
20.Defendemos a necessidade de envolver a base nos debates políticos, entre outros motivos porque a situação em 2026, assim como em 2025, deve sofrer várias reviravoltas. Nada está decidido, nada está definido. Podemos vencer, vamos vencer, mas à condição de que lutemos muito e que lutemos certo!
