RJ: A intervenção, 40 dias depois

Olavo Brandão Carneiro

Primeiro é preciso reconhecer que a situação é grave e que há um desespero por segurança que não se resume a Zona Sul carioca.

Traficantes e milicianos voltaram a controlar vários territórios no Estado impondo restrições de circulação e regras econômicas como preço do botijão de gás, e em várias delas os tiroteios são rotina. E isto não se restringe as comunidades da capital fluminense, ocorre em várias cidades. Isto explica em certa medida o apoio que a ideia de ocupação das ruas por tropas militares possui entre a maioria da população.

No dia 16 de fevereiro foi anunciada uma intervenção federal no Rio de Janeiro, circunscrita à área da Segurança Pública. É de amplo conhecimento que a medida foi uma jogada política de Michel Temer para invisibilizar a derrota na reforma da previdência e tentar construir uma agenda positiva para o governo golpista ao dialogar com o senso comum de que a militarização é a saída para a violência cotidiana.

Tal medida, para o núcleo Temer/Moreira Franco/Eliseu Padilha, visa recolocar no tabuleiro das eleições 2018 o presidente Michel Temer, valorizando-o com uma retomada de popularidade que pudesse até especular uma reeleição ou ter protagonismo na sucessão cobrando compromissos para o porvir. Para o general Sergio Etchegoyen (ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional) configura um caminho para a disputa de hegemonia nas Forças Armadas.

O oportunismo da intervenção foi visível já no anúncio, quando nas declarações iniciais o presidente afirmou que “havendo voto para aprovar a reforma da previdência” se suspenderia o decreto de intervenção. O caráter eleitoreiro pode ser visto com a ausência de qualquer medida concreta da intervenção, com o general Braga Neto (chefe de o Comando Militar do Leste),nomeado interventor, se explicando que acabava de retornar de férias e precisava tomar pé da situação. Duas semanas depois o interventor dá coletiva para anunciar o Gabinete da Intervenção e defender um conjunto de medidas obvias como equipar e capacitar a polícia.

A intervenção e a disputa ideológica vêm construindoum ambiente social de estimulo ao desrespeito ou desprezo pelo contrato social vigente e um aumento de práticas fascistas. A execução da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes, as chacinas na Rocinha e Maricá, mais mortes de policiais são as expressões mais contundentes deste processo.

Contraditoriamente ao senso comum por “pau, porrada e bomba”, os comandantes da intervenção tem afirmado a necessidade de ações públicas mais amplas, porque reconhecem, como todos os especialistas, que uma ação bélica pura e simples é inútil para resolver a questão da violência no Rio e no Brasil.

O general Villas Boas, comandante maior do Exercito, logo após o decreto de intervenção pediu “garantias” aos militares de modo a não se ter nova Comissão da Verdade, uma verdadeira “licença para matar”. Posteriormente, as entrevistas e declarações têm sido na linha de que apenas a ocupação militar e temporária não resolverá o problema, de que é preciso outras políticas públicas.

“É fundamental uma ação de governo efetiva nas esferas econômica e psicossocial, além de medidas que abordem questões importantes como uma eventual reforma na legislação criminal e no processo penal, a necessidade de melhoria no sistema prisional, dentre outras.

Ele também explicitou um olhar incomum de militares para a questão da legalização de algumas drogas,
“Isso tem que ser tratado de forma científica, com abordagem bastante ampla, porque são vários os aspectos a serem contemplados. Tem o aspecto da segurança, mas sobretudo tem o aspecto, a questão da educação, a questão da saúde, a prevenção, enfim, várias questões”.

E permanece com declarações contraditórias como a de que a situação socioeconômica nada influencia a criminalidade, enquanto afirma que as ações sociais são importantes para permitir o avanço coordenado nas comunidades.

O general interventor, Braga Neto, foi a público dizer que era preciso aumentar o efetivo, reequipar o aparato de segurança pública, capacitar os agentes da segurança e enfrentar a corrupção nas polícias. Era a única coisa que tinha a apresentar, junto com o anuncio do “Gabinete de Intervenção Federal”, dez dias após o decreto da intervenção.

O descompasso entre os fatos reais e os interesses políticos parecem aumentar com a intervenção, são declarações dos comandantes militares tentando dar algum sentido a sua atuação para melhorar a segurança pública. O assassinato de Marielle exige resposta. O interventor Braga Neto pedindo 3 bilhões e Temer disponibilizando 1 bilhão. Rodrigo Maia, base de apoio do governo e presidente da Câmara, questionando de onde virão os recursos. Governo anunciando que estados e municípios podem se endividar com o BNDES para medidas na área de segurança, mas todos estão no limite de endividamento. Continuidade dos padrões de violência.

Medidas e declarações do governo/intervenção demonstram bem a ideologia de criminalização dos pobres e seu tratamento como cidadãos de segunda categoria, como a proposta de mandatos coletivos (nunca pedidos e expedidos na zona sul), o fichamento de moradores da Vila Keneddy, e a preocupação com uma suposta Comissão da Verdade. Esta ideologia sustenta em boa medida as execuções e uma fascistização da sociedadebrasileira.

Por sua vez as Forças Armadas, com o Exército no centro, estão de vez na arena do jogo político tentando melhor se posicionar na conjuntura, visando manter credibilidade em um novo exercício intenso e explícito de fazer política sem tanques e tropas contra o Congresso e governo de plantão.

Os golpistas não possuem um comando e projeto único. De um lado a quadrilha do MDB, de outro Rodrigo Maia/DEM, de outro Bolsonaro. Pela esquerda se destacam no cenário o PT e o Psol, ambos contra a intervenção, exigindo outra abordagem do problema da segurança pública. A esquerda tem observado que não é possível enfrentar a violência e o crime organizado sem articular geração de emprego e renda, politicas educacionais, sociais e culturais, e medidas específicas na área de segurança. Dentre estas medidas estão o policiamento de proximidade, plano de redução de homicídios, reforma das polícias e sua desmilitarização,mudança da política de guerra as drogas, investimento em investigação, combate a corrupção policial.

A professora Jacqueline Muniz explica a ineficácia de combater a violência com as Forças Armadas, instituição com papel e formação incompatíveis com a atuação urbana, além de operações de alto custo. Ela destaca que 10% (aproximadamente 35 milhões) do que foi gasto com a ocupação da Maré entre 2014 e 2015 era possível reestruturar toda a inteligência da Polícia Civil, atacando o braço econômico de traficantes e milicianos – muito mais efetivo no combate a violência e a criminalidade.

A situação do RJ é gravíssima, não é apenas na segurança pública, é na economia, na política, no social e cultural. É preciso recuperar um projeto de futuro para o estado, com políticas de geração de emprego e renda,investimentos em obras públicas, retomada de investimentos na cadeia de óleo e gás, recuperação da indústria naval, valorização da educação, ciência e tecnologia. 

Olavo Brandão Carneiro é membro do Diretório Estadual do PT-RJ

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