Por Mateus Santos (*)
Em 8 de abril, Bernie Sanders anunciou sua desistência na corrida entre os pré-candidatos à presidência dos Estados Unidos pelo partido democrata. Num processo que contou com nomes como o do ex-prefeito de Nova York, o magnata Michael Bloomberg e do antigo vice-presidente estadunidense Joe Biden, o cenário hoje é de caminho aberto para este último, que já gozava de grande vantagem (1435 x 984 delegados).
Considerado uma relativa surpresa no pleito de 2016 ao ter ficado em segundo lugar nas primárias, o senador chegou a liderar em alguns momentos a atual disputa interna entre os democratas, mas sucumbiu diante do rápido crescimento de Biden, inclusive sendo vencido em Estados que, segundo especialistas, poderiam ter lhe dado um melhor resultado.
Tendo a simpatia de um eleitorado mais jovem e progressista, as propostas de Sanders em torno de uma discussão estrutural sobre o Estado e a sociedade estadunidense se constituíram em esperança para as esquerdas em todo mundo, quanto a possibilidade de alguma mudança no centro do capitalismo. Temas como o sistema de saúde, o sistema carcerário e o ensino superior pareciam ser fundamentais no desenvolvimento de um contraponto ao avanço dos setores mais conservadores.
Uma vez mais, contudo, uma candidatura desta natureza não decolou. Diante do radicalismo da situação, a principal oposição estadunidense parece se acomodar diante de um nome moderado, defensor do legado Obama. Com idade avançada, não se sabe ao certo se o senador de Wermont tentará, numa provável disputa em 2024, emplacar seu nome no interior da corrida democrata.
O fracasso de Sanders expressa a necessidade de um debate fundamental sobre a organização dos setores mais progressistas e de esquerda nos Estados Unidos. Tal discussão passa não somente pelas condições da política atual estadunidense, mas também pelo entendimento de verdadeiros entraves históricos na formação da República Estadunidense.
Em meio ao desafio de construir um Estado Nacional a partir do último quarto do século XVIII, democracia, liberdade, cidadania e autonomia foram conceitos caros às elites estadunidenses, moldados e discutidos conforme o contexto de um Estado sem uma nação, de um Estado composto por vários estados e de um grito de liberdade diante da existência da escravidão. Na própria narrativa de independência das 13 colônias, as clivagens entre as elites locais e a Coroa Britânica ocuparam a totalidade das análises explicativas, deixando de lado outras concepções políticas fundamentais, como aquelas defendidas e empreendidas por outros setores da sociedade no Atlântico Norte, tais como os marinheiros e os escravos. No primeiro território independente do Novo Mundo, a capacidade de incisão dos mais pobres e de outros setores da sociedade esteve comprometida diante dos combates ao que se chamou de “excesso de democracia”.
Entre moderações e silenciamentos, políticas abertas de ódio e racismos velados, a democracia estadunidense caminhou como um sistema representativo sem promoção de uma efetiva representação de todas as forças políticas que se apresentam como reais alternativas naquela sociedade. No âmbito de um sistema praticamente bipartidário, Democratas e Republicanos disputam governos entre si, mas, de certa maneira, mantêm o poder, na medida em que não expressam divergências sistêmicas e estruturais quanto às concepções de EUA e de mundo.
Olhando para a conjuntura mais recente, consensos políticos entre os partidos mais competitivos são cada vez mais visíveis. Do ponto de vista da Política Externa, por exemplo, o engajamento aberto à chamada Guerra ao Terror durante o mandato do Republicano Bush deu lugar a outra forma ainda perversa de relacionamento com os países do Sul Global. Intervenções militares diretas e indiretas, além de guerras híbridas marcaram o mandato do Democrata Obama.
Como defendeu M. J. Heale, as promessas de 1776, em certa medida, não saíram totalmente do papel. A luta por direitos e transformação estrutural nos EUA é ainda tarefa cotidiana de muitos indivíduos excluídos e oprimidos pelo manto do “Sonho Americano”. A superação de tal condição passa necessariamente pela negação das estruturas políticas que sustentaram um projeto de poder para poucos. A reorganização dos setores mais progressistas e de esquerda, indo além da bipolaridade partidária, é condição necessária para a denúncia de uma situação autoritária.
(*) Mateus Santos é militante do PT Bahia