Santa Maria-RS: balanço pós segundo turno das eleições 2020

Por Alex Barcelos Monaiar (*)

As eleições 2020 em Santa Maria confirmaram, nas urnas, a crescente polarização que vive a sociedade brasileira nos últimos anos. No caso santa-mariense, houve manutenção dos votos da esquerda, redução do centro e migração desses votos para a direita. Apesar do recorde de branco, nulos e abstenções, pelo efeito pandemia, manteve-se a correlação histórica recente das forças políticas no nível local. Assim como o campo da esquerda se reconfigurou, com o enfraquecimento do PT, o campo da direita também se reconfigurou com o fortalecimento de fascistas e ultraliberais.

 

Análise das eleições proporcionais

Por esquerda, considerando os partidos que nestas eleições colocaram candidaturas a vereança e/ou executivo, entende-se PT, PCdoB e PSOL. Esses partidos, em 2016, na votação para o legislativo, somaram 26.566 votos. Já em 2020, 27.084 votos. Ou seja, apesar da abstenção geral de 30%, praticamente mantiveram seu tamanho eleitoral. Destes, o PT foi o único a se reduzir na esquerda, cerca de 32% (de 24.817 votos caiu para 16.737). Enquanto na eleição de 2016 o vereador eleito menos votado do PT fez 2.008 votos, em 2020 o eleito mais votado fez 1.814 votos. O maior crescimento eleitoral foi do PC do B (1.014 para 6.348), seguido do PSOL (735 para 3.999). Apesar do crescimento eleitoral do PSOL (com a candidata mais votada da eleição) e da novidade, desta eleição, de partidos que não alcançaram o quociente eleitoral (6.267) disputarem a sobra, o PSOL ficou atrás do PTB, PL e PSL (que conquistou a última vaga). Nestes termos a bancada da esquerda manteve o tamanho de 4 vereadores, o PT perdeu 1 vaga e o PC do B conquistou 1.

Por centro entende-se PDT e PSB, partidos que não compõem a base do governo Bolsonaro, assinaram pedidos de impeachment contra Bolsonaro, mas não compõem o núcleo duro da esquerda. Estes dois partidos em 2016 (mais o REDE) conquistaram 28.248 votos, caindo para 17.555 em 2020. Ou seja, do centro, PDT e PSB tiveram a maior redução eleitoral, aproximadamente 38%, pouco mais de 10 mil votos. Apesar dos números, mantiveram o tamanho de 3 vereadores.

Por direita, considerando os partidos que nestas eleições colocaram candidaturas à vereança e/ou executivo entende-se PP, PSDB, DEM, PSL, PL, PTB, SOLIDARIEDADE, REPUBLICANOS, MDB, AVANTE, PSD e CIDADANIA. Todos partidos declaradamente apoiadores do Bolsonaro ou aliados do seu projeto de desmonte do Estado, direitos sociais e liberdades democráticas. O conjunto destes partidos alcançou, em 2016, 75.503 votos, crescendo para 86.698 votos em 2020, cresceram cerca de 15%. Desta forma, a direita tem a maior bancada com 14 vereadores eleitos.

Manteve-se, no legislativo municipal, a mesma correlação de forças das eleições de 2016.

 

Análise das eleições majoritárias

Partindo agora para a análise da majoritária/prefeito, esta é a segunda eleição em Santa Maria com segundo turno. Apresentaram-se 6 chapas, uma da esquerda (PT/PSD), uma do centro (PDT/PSB) e quatro da direita (PSDB/PSL, PP/MDB, REPUBLICANOS, CIDADANIA). Passaram para o segundo turno as chapas PP/MDB (35.218 votos) e PSDB/PSL (33.080). A chapa PT/PSD (31.843) ficou de fora por menos de 1%, ou seja 1.248 votos. Ainda no primeiro turno, PSOL e PCB lançaram nota orientando voto nulo para majoritária.

Para majoritária chama atenção que PDT/PSB fizeram votação menor (12.515) que o conjunto de vereadores(as) que os apoiaram, 17.555 (PDT/PSB) mais 6.348 (PCdoB), ou seja, receberam pouco mais que a metade dos 23.903 votos dos candidatos que os apoiavam. Mesmo tirando os votos do PCdoB, partido que em 2016 foi aliado do PT, nem mesmo a maioria dos candidatos à vereança do prefeito e do vice apostaram na sua chapa.

No segundo turno a chapa PSDB/PSL venceu com 71.927 votos contra 53.616 votos da chapa PP/MDB. Dos partidos que apresentaram candidaturas à majoritária, todos, à exceção do PT, declararam apoio à chapa PP/MDB, incluídos aí PDT, PSB, PSD, REPUBLICANOS e CIDADANIA, no entanto, mesmo que tivessem transferido 100% dos seus votos, ainda faltariam quase 4 mil votos para a vitória. Destes números pode-se concluir que o eleitorado não acompanhou suas lideranças no movimento de pragmatismo fisiológico, ou seja, apoio por cargos apesar de projetos e ideologias.

Dos partidos de esquerda, o PCdoB foi o único a declarar apoio a uma das chapas de direita. O partido lançou uma nota chamando “voto crítico” à chapa PSDB/PSL. A justificativa foi impedir a “reação fascista” representada pela chapa PP/MDB, dado o apoio que essa recebeu de setores e figuras bolsonaristas como o senador Heinze (PP). Importante dizer “setores”, pois a chapa que o PC do B declarou apoio tinha o PSL como vice, contava com apoio do DEM, além do prefeito do PSDB, que declarou apoio ao Bolsonaro no 2º turno em 2018 dizendo que “não sujaria meus dedos digitando 13”.

 

Brancos, nulos e abstenções

Em Santa Maria (SM), no primeiro turno, brancos, nulos e abstenções, somaram 37,4%, ou, 71.356 eleitores que não votaram em nenhuma chapa. Já no segundo turno, brancos, nulos e abstenções somaram 41,84%, ou 78.739 eleitores. Enquanto Porto Alegre (POA) e São Paulo (SP), exemplo de eleições polarizadas, apresentaram manutenção da abstenção e redução de brancos e nulos do 1º para o 2º turno, 4% (POA) e 1,8% (SP), Santa Maria apresentou crescimento de 3% na abstenção e crescimento de 1,9% de brancos e nulos. Estes números mostram que, apesar da pandemia, em Santa Maria houve um movimento político de rejeição a projetos similares/idênticos (PSDB/PSL x PP/MDB). Tal fenômeno em Santa Maria é comparável com o 2º

turno das eleições de 2016 em Porto Alegre (PSDB x PMDB) onde a abstenção também cresceu 3%, assim como brancos e nulos que também cresceram 3%. Além de PSOL e PCB, o PT também orientou pelo branco e nulo no segundo turno.

 

Derrota do PT no 1º turno em 2020

Tal qual o segundo turno em 2016, que o PT perdeu para o PSDB por 226 votos (0,16%), a derrota do PT no primeiro turno de 2020, por 1.248 votos (0,93%) pode ser atribuída a muitos fatores, alguns mais estratégicos, outros menos. No segundo turno daquela eleição, apontamos a necessidade de polarização da campanha contra a coalizão golpista representada por Temer (PMDB) a nível nacional e pelo nosso oponente Jorge Pozzobom (PSDB) a nível local. No primeiro turno desta, a polarização contra os mesmos golpistas e, agora, principais representantes do bolsonarismo a nível local, Pozzobom/Décimo (PSDB/PSL) e Cechin/Harrison (PP/MDB). Erros estratégicos que nos custaram a pequena diferença de votos em ambas as eleições, pois certamente perdemos votos ideológicos que não identificaram no PT a alternativa de resistência/enfrentamento ao avanço da extrema direita, como de simpatizantes e antigos eleitores que se convenceram do PT ser mais um entre outros partidos.

Em 2020 o erro estratégico é evidenciado pela espúria aliança com o PSD, partido da base de apoio do governo Bolsonaro. Tal aliança seguiu a lógica pragmática de escolher para vice o nome do segundo vereador mais votado de 2016, ignorando todas contradições do PSD com nosso projeto de sociedade de defesa da classe trabalhadora em nível estadual/nacional, ignorando que o PSD apoiou a chapa adversária ao PT em 2016 e que o candidato do PSD apoiou Bolsonaro em 2018.

O efeito interno foi de redução da participação e discussão do petismo sobre a chapa majoritária e eleições. Este movimento desmobilizador, no entanto, começou desde a construção da indicação petista (Luciano Guerra) para a chapa, nome este que precisava ser construído e legitimado junto à base petista, a exemplo da proposta de 13 plenárias do PT nos bairros, aprovada em diretório e não executada. A consolidação da chapa, do prefeito ao vice, cumpriu a mera formalidade de aprovação nas instâncias decisórias, restando à grande maioria dos quase 7 mil filiados expressar suas opiniões nas conversas informais e redes sociais. Apesar disso, ou talvez por isso, a militância petista e simpatizantes somaram-se em peso aos grupos de discussão do programa de governo, disparado o melhor dentre os demais apresentados. Restando a dúvida, se eleitos fôssemos, de quais secretarias seriam entregues ao PSD e qual compromisso teriam com nosso programa, dado que praticamente não participaram da elaboração.

O efeito externo foi de confusão ideológica sobre nosso projeto. Nossa campanha não usou a polarização da sociedade para diferenciar os projetos representados nas eleições. Ficaram de fora a defesa do PT e seu legado para o Brasil, colar e combater o bolsonarismo representado principalmente pelas duas candidaturas, Pozzobom (PSDB) e Cechin (PP), que foram para o

segundo turno. O combate ao atual governo e seus dois representantes resumiu-se a criticá-los como maus gestores. Nessa linha, quem ganhou foi Cechin (PP), legitimando-se nas urnas como principal opositor do atual governo (mesmo sendo vice). A extensão desse efeito se viu na confusão do petismo e da esquerda no segundo turno que pensava em votar no gestor, supostamente menos bolsonarista, apesar de ambos serem anti-PT e sustentarem projetos de destruição dos direitos da classe trabalhadora em todos os níveis. Cabe também destacar que as candidaturas à vereança do PSOL (chamou voto nulo) e PCdoB (apoiaram PDT/PSB) fizeram, juntas, 10.347 votos, 12% destes votos seriam suficientes para o PT ir ao segundo turno caso não tivesse feito uma aliança tão contraditória e indigesta.

Na eleição de 2020, o PT teve seu pior desempenho (31.843 votos, 23,96% dos votos válidos) de candidatura majoritária dos últimos 20 anos. Pior inclusive que 2012 quando o PT saiu sozinho com chapa petista contra a direita e setores da esquerda e alcançou 37.113 votos, 24,64% dos votos válidos. O que traz a pergunta: se os votos da aliança com PSD de fato vieram, qual então foi o tamanho real do PT para majoritária nestas eleições?

Por fim, nem toda derrota eleitoral é uma derrota política. Cabe agora avaliar os efeitos da derrota eleitoral: o vice da nossa chapa, Mortari (PSD) declarou apoio ao candidato do PP, inclusive aparecendo na sua propaganda eleitoral; o petismo ficou confuso com as duas candidaturas da direita e entrou em crise com a direção do partido, por ter coligado com PSD e agora orientar voto branco/nulo/abstenção; o sindicalismo, movimentos sociais e entidades representativas da classe trabalhadora local não se mobilizaram para defender o projeto apresentado pelo PT nestas eleições; um vereador petista que não foi reeleito anunciou sua desfiliação, atacou o partido e declarou voto para o PSDB logo após o primeiro turno; a chapa de vereadores reduziu em 32% sua votação; o PSDB venceu com 57,2% dos votos, 18 mil a mais que a segunda chapa, mais que dobrando sua votação do primeiro turno.

Importante registrar que, apesar das limitações estratégicas da aliança, e de recursos, o PT conseguiu viabilizar condições mínimas de material, assessoria jurídica e propaganda de TV e Rádio para todos seus candidatos à vereança. Também houve um operativo de campanha em todos bairros da cidade com dedicação exemplar do deputado estadual do PT, Valdeci Oliveira, tentando resgatar na memória do povo as conquistas das duas gestões municipais que teve como prefeito da cidade. Igualmente dedicados foram o candidato petista Luciano Guerra e sua esposa Cibele, indo a pé, no asfalto e no barro, subindo e descendo ladeiras, de casa em casa pedindo votos.

 

Presente e futuro do PT em Santa Maria

Apesar de tudo, o PT continua sendo o maior partido da cidade com quase 7 mil filiados, tem uma das maiores bancadas na Câmara (3), um deputado estadual e um deputado federal. Mas mais do que isso: tem uma militância forte inserida nos movimentos sociais, coordenando as

principais lutas de resistência à retirada de direitos e ao fascismo que tem crescido com base nos projetos ultraliberais de desmonte do Estado dos últimos anos. Militância essa que já manifesta à direção a necessidade de ser escutada, pois é ela que está na luta diária na defesa da classe e do PT contra aqueles que tiram nossos direitos (PSD, por exemplo). Oposição, resistência e militância são as palavras que ganham força no petismo em Santa Maria após o resultado das eleições de 2020.

A militância petista e a nova bancada eleita terão o enorme desafio de fortalecer a coesão interna do partido na oposição ao novo governo PSDB/PSL. Para quem não se iludiu que as diferenças entre PSDB/PSL e PP/MDB no nível local são menores que as semelhanças entre ambos com o governo estadual Leite (PSDB) e governo federal Bolsonaro (PSL), isso implica, mais uma vez, uma ação local sintonizada com a polarização nacional que vive o país. Trocam de cadeiras os agentes da direita, mas mantém-se o projeto fascista ultraliberal de desmonte do Estado, ataques à classe trabalhadora e destruição da vida. Mais do que condições eleitorais, as lutas dos próximos anos contra o desemprego, a fome, a COVID-19 e o genocídio da população negra e periférica, definirão as condições de vida que estaremos para resistir e reivindicar projetos políticos alternativos aos que ganharam força desde o golpe de 2016 e eleição de 2018.

Agora, para que possamos criar as condições de futuras vitórias eleitorais, é preciso urgentemente mudar a estratégia e a direção que nos levou ao pior resultado eleitoral das últimas décadas. Só assim, enquanto partido da classe trabalhadora, reconstruiremos a esperança do povo santa-mariense por uma cidade com mais participação popular (trabalhadores, juventude, idosos, mulheres, negros, LGBTQI+, deficientes, migrantes), mais povo no orçamento, direito à moradia, SUS e SUAS fortalecidos, transporte público como direito, justiça tributária, respeito aos povos indígenas, mais economia solidária, emprego e renda, mais agricultura familiar e agroecologia, mais socialismo e menos barbárie.

(*) Alex Barcelos Monaiar é psicólogo, servidor público municipal e militante da Articulação de Esquerda em Santa Maria


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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