Por Adalton Mendonça (*)
Segundo maior colégio eleitoral do Estado do Rio, São Gonçalo teve mais de 663 mil eleitores aptos a votar. No primeiro turno candidatos ao cargo de prefeitos e seus respectivos de votos foram respectivamente: Dimas Gadelha, 31,36%, (117.346 votos); Capitão Nelson, Avante, 22,82% (85.399 votos); Dejorge Patricio, Republicanos, 22,62%, (84.664 votos); Ricardo Pericar, PSL, 9,23%, (34.536 votos); Dr. José Luiz Nanci, Cidadania, 7,24%, (27.100 votos); Roberto Sales, PSD, 2,50%, (9.359 votos); Isaac Ricalde, PC do B, 2,34%, (8.775 votos); Rodrigo Piraciaba, PSB, 1,04%, (3.905 votos) e Dayse Oliveira, PSTU, 0,84%, (3.129 votos).
Os vencedores do primeiro turno foram, de um lado, o candidato Dimas Gadelha do PT e seu vice Marlos Costa do PDT. Obtiveram 31% dos votos no primeiro turno. De outro lado, o candidato do Avante, capitão Nelson e seu vice Sergio Gevu do PL, obtiveram 22%. Dimas contou com ajuda do atual prefeito e do candidato a prefeito de Niterói Rodrigo Neves e Axel Grael. Também contou com os candidatos de Maricá, Fabiano Horta e seu vice Diego Zeidan.
No segundo turno, pesquisas apontavam uma vitória folgada de Dimas, mas houve uma virada inesperada do capitão Nelson. Dimas ganhou em quase todas as zonas eleitorais de São Gonçalo; com exceção das zonas 132 e 133 que abrangem os bairros de Santa Isabel, Vista Alegre, Jardim Catarina e adjacências. Bases eleitorais do deputado Altineu Cortes, uma das lideranças ocultas nas campanhas da direita local. As zonas citadas, além de região considerada “área de conflito” entre milícias e traficantes é base eleitoral tradicional na família de Altineu.
No município, a aliança temporária entre partidos de esquerda e de centro-esquerda contra o Capitão Nelson, indicou o voto crítico em Dimas Gadelha no segundo turno. Movimentos sociais e Coletivos suprapartidários também fizeram esta opção visando derrotar o bolsonarismo e o fundamentalismo religioso no âmbito local. Também apontando uma possível unidade para 2022.
No primeiro turno, outros candidatos com o discurso de extrema-direita bolsonarista foram derrotados. Com exemplo os candidatos Roberto Salles do PSD e Ricardo Pericar do PSL. Estes cederam apoio, direta ou indiretamente ao Capitão Nelson. Assim também representantes da velha política local e do bolsonarismo mais belicista e de grupos religiosos.
As primeiras avaliações indicavam que o candidato Dimas Gadelha não iria inspirar confiança no eleitorado e não disputaria o segundo turno, mas graças à militância a campanha, que iniciou com cerca de 3% de votos, alcançou 31% no primeiro turno. Dimas foi criticado, interna e externamente, por não ter uma história nos quadros da esquerda e por não ter apoio unânime dentro do próprio partido. Aos poucos se tornou palatável para algumas lideranças religiosas e conquistou um bom número de defensores nas redes sociais e nas carretas por onde passava. Fez aliança com o bispo Abner Ferreira. O pastor presidente da Igreja Assembleia de Deus em Madureira, gravou vídeo pedindo votos para o candidato Dimas Gadelha (PT).
Além deste apoio, “importante” para uma das cidades mais evangélicas do país, Dimas decolou ao ampliar na campanha a participação de políticos e de candidatos de Maricá, de Niterói e do Rio de Janeiro. Projetou para São Gonçalo exemplos bem sucedidos de políticas públicas de Maricá como a moeda social Mumbuca e o Programa Tarifa Zero de transporte gratuito, o passaporte universitário, entre outros. Apresentou a ideia do Consórcio Intermunicipal de Economia Solidária. Ideia que já vinha sendo discutida na cidade no Coletivo Casulo e no GT Economia solidária do Seminário Integrado de Educação Popular.
Dimas Recebeu forte apoio do vice-presidente nacional do PT, Washington Quaquá, da Deputada Federal Benedita da Silva e de outras lideranças estaduais. No segundo turno assinou uma carta de compromisso com um grupo de evangélicos “para evitar fakenews”, segundo ele. Nesta, entre outros assuntos, seria contra o aborto, mesmo não sendo tema da competência de um prefeito. A carta foi mal recebida pela esquerda. Mas, segundo ele, “fizemos um campanha limpa e com propostas”, alcançando mais de 183 mil votos, (49,22%) vencendo em cinco das sete zonas eleitorais da cidade.
Por outro lado, o candidato eleito, capitão Nelson, também não foi poupado em críticas e denúncias durante a campanha. Jornais lembraram sua participação num vídeo com o Deputado Federal Otoni de Paula, PSC. Deputado investigado pelo STF como suspeito de comandar uma rede de fakenews em São Gonçalo. Segundo a mídia, a campanha de Dimas denunciou à Justiça Eleitoral que foi atacada através de uma série de notícias falsas em redes sociais e em um jornal impresso, distribuído gratuitamente na cidade.
Em um dos casos, Dimas Gadelha aparece ao lado da Deputada federal Flordelis, PSD, denunciada por suspeita de ser a mandante da morte do marido, o pastor Anderson. Com o título ‘Flordelis apoia Dimas’, a fakenews não obteve sucesso. Foi rapidamente desmentida pela própria parlamentar. O partido de Flordelis estava, na verdade, apoiando a candidatura do Capitão Nelson.
O capitão Nelson recebeu apoio do candidato derrotado no primeiro turno, Deputado Roberto Salles, (PSD); que o parabenizou pela campanha de união ideológica com o “fora, PT”. De forma discreta, o Deputado Federal Altineu Côrtes, PL apoiou e coordenou parte da campanha do capitão. Segundo o Jornal de São Gonçalo, “nas sombras, Altineu Côrtes comanda a campanha de Capitão Nelson”, enquanto participa do governo Nanci, indicando secretários e bases políticas.
Mesmo com alto índice de rejeição, Altineu Côrtes influenciou apoios para o capitão. A estratégia de Altineu, até fevereiro antes da pandemia, seria a reeleição do prefeito José Luiz Nanci. O capitão Nelson seria o plano B. Mas Nanci, após perder no primeiro turno, também escondeu o apoio ao capitão, pois assim como Altineu, apresentava altos índices de rejeição pela péssima administração da cidade.
Outros candidatos derrotados também se uniram contra o PT. O candidato Dejorge Patrício, Republicanos, perdeu a chance de ir ao segundo turno para disputar contra Dimas Gadelha por uma diferença de 735 votos. Passou então a apoiar o capitão como alternativa da extrema-direita e atraindo votos do partido do bispo Crivella e do tio deste, o bispo Edir Macedo.
O capitão Nelson Ruas, reformado da Polícia Militar, vereador e ex-deputado estadual, obteve 50,79% dos votos e Dimas Gadelha recebeu 49,21%. Votos nulos somaram 11,07% enquanto 223.352 eleitores não compareceram às urnas, somando uma abstenção de 33,65%. A preocupação com a pandemia, somada ao descrédito na política, afastaram muitos eleitores. A título de comparação, a cidade do Rio de Janeiro teve 35,45% de abstenções. Número que vem crescendo a cada pleito.
Capitão Nelson também recebeu apoio do Presidente da República e de quase todos os candidatos derrotados no primeiro turno. Ricardo Pericar, PSL e Roberto Sales, PSD, aliados do presidente, também declararam apoio ao capitão no segundo turno.
A festa para comemorar a vitória do capitão também foi manchete na mídia. Circulou uma foto do capitão comemorando a vitória, em São Gonçalo, com um ex-policial indiciado pela participação da morte do irmão do Deputado Federal Marcelo Freixo. O ex-policial teria sido presidente da Escola de Samba Porto da Pedra. Foi apontado como um dos mandantes do crime ocorrido em junho de 2006. Mais de 300 pessoas se reuniram no Comitê Eleitoral na Rua Coronel Rodrigues para ouvir os agradecimentos do capitão à população gonçalense, “ao presidente Bolsonaro e as igrejas que nos apoiaram”.
Capitão Nelson veio para São Gonçalo com quatro anos de idade. Foi fuzileiro naval e ingressou na Polícia Militar alcançando a patente de capitão. Foi eleito vereador em 2004 e em 2018. Foi candidato a deputado estadual. Não foi eleito, mas ocupou uma cadeira em 2019 como suplente, depois do afastamento do titular. Sua principal bandeira política foi à defesa da segurança pública. Defendeu o programa “São Gonçalo Presente” em todos os distritos. Além da criação de um “Centro Municipal de Comando e Controle” para coordenar as diversas ações de segurança.
Se, nesta eleição, o “não voto” bateu recorde, é importante frisar também que a abstenção foi uma opção política de 223.352 eleitores. Mais que a soma dos votos dados ao capitão, 189.719. Em tese, a vitória foi para o medo e para a ideia do “quanto pior melhor”.
A cidade conta com sete zonas eleitorais e 589 seções de votação. Dimas venceu em cinco. Observamos que, por zonas eleitorais, a vitória de Dimas ocorreu nos bairros centrais, com maior escolaridade mas sem uma grande margem de diferença. Na zona de número 36, que compreende os bairros de Itaoca, Porto do Rosa, Mutuá, Fazenda dos Mineiros, Boaçu, Centro, Nova Cidade, Mutuapira e Brasilândia, Dimas recebeu 28.843 enquanto o capitão Nelson 23.166. Na zona eleitoral 68, que corresponde aos bairros da Brasilândia, Patronato, Porto da Pedra e Zé Garoto, Dimas recebeu 25.437 e o capitão Nelson 21.192. Na zona 69, bairros: Almerinda, Anaia Pequeno, Arsenal, Coelho, Colubandê, Engenho Do Roçado, Ipiiba, Jockey Club, Maria Paula, Rio do Ouro, Tribobó, Dimas obteve 23.333 e o capitão Nelson 23.039. Na zona 87, bairros: Barro Vermelho, Engenho Pequeno, Lindo Parque, Nova Roma, Ponte Paraguai, Santa Catarina, Tenente Jardim, Venda da Cruz e Zé Garoto, Dimas recebeu 27.431 e o capitão Nelson 21.523. Por último, Dimas também venceu na zona eleitoral 135, que corresponde aos bairros de Água Mineral, Alcântara, Centro, Colubandê, Galo Branco, Mutondo, Rocha e São Miguel. Dimas recebeu 34.271 votos e o capitão Nelson 31.525.
O capitão Nelson venceu em apenas duas zonas, Na zona eleitoral 132, que corresponde aos bairros: Apolo III, Guaxindiba, Jardim Catarina, Jardim Catarina Novo, Laranjal, Marambaia, Monjolo, Santa Luzia e Vista Alegre. Obtendo 30.488 votos e Dimas 21.457 votos. O capitão também venceu na zona 133; bairros: Amendoeira, Laranjal, Pacheco, Sacramento e Santa Isabel. Capitão Nelson obteve 38.786 votos e Dimas 23.039.
Esta distribuição espacial abre mil possibilidades de interpretação. Não foi só antipetismo criado por fakenews e por influência religiosa. São locais de origem rural onde há o reacionarismo e suas derivações. Locais onde foi difícil superar o bolsonarismo. Locais de conflito com milícias e o tráfico de drogas. Enfim, enfrentam a violência diária. A disputa foi acirrada e a mídia passou a divulgar a influência de grupos paramilitares. Segundo o portal do Jornal o Globo: https://oglobo.globo.com/brasil/eleicoes-2020/prefeito-eleito-de-sao-goncalo-foi-citado-na-cpi-das-milicias-24774321, o prefeito eleito foi citado no relatório final da CPI das Milícias da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro em 2008. Na época, o político foi apontado como chefe de um grupo paramilitar que atuava no bairro Jardim Catarina. Atualmente a região também é disputada pela maior facção do tráfico do Estado.
O capitão Nelson nega envolvimento com a milícia e aponta soluções para o combate ao tráfico. Citou o combate às barricadas e as ruas fechadas pelos traficantes. Citou o retorno às aulas e a revitalização de escolas fechadas. Destacou que dará atenção para a área de segurança da cidade e município. Ressaltou que esses problemas afetam todas as esferas do município. Pois, segundo ele, o avanço do crime tem atrapalhado a expansão dos negócios e comércio do município. “Logicamente eu sou uma andorinha só. Nós vamos solicitar o apoio do governo do Estado e do governo federal para que a gente consiga restabelecer a ordem em São Gonçalo”.
Concluindo. Esta eleição, apesar da vitória do conservadorismo local, acabou fortalecendo o PT no município. Pela primeira vez o partido chegou ao segundo turno com chances reais de vitória. São Gonçalo mantém a sua característica rural num tecido urbano. A zona eleitoral de Santa Isabel, por exemplo, num passado recente era rural e com pouca relação com os bairros centrais e litorâneos. Distante dos eixos de crescimento dos trilhos da estrada de ferro. Seu processo de formação foi bem diferente. Com coronéis e barões. Sua primeira expansão não foi emergente, mas complementar aos loteamentos. Continuou crescendo sem ações de planejamento. Sem água, luz, esgoto e asfalto. Servindo como limite aos municípios de Maricá e Itaboraí e, há muito tempo, área de influência da família Coutinho. Tivemos o deputado José Carlos Coutinho, passando pelo vereador e comerciante Zeca do Tecido e atualmente com Altineu Cortes. Além de outros políticos locais.
A vitória apertada da extrema-direita e a grande quantidade de abstenções mostra que o bolsonarismo não está em ascensão mesmo com a vitória do candidato aliado. As duas zonas onde este ganhou comprovam esta ideia. A nítida redução da influência da direita na cidade também foi marcada pela sensação de “saco cheio” de ter que “votar nos mesmos” e cansados da polarização política. O “fora PT” também não decolou. Daí a sinergia com outros partidos que ofereceram o voto crítico. Os quase 50% de votos no Partido dos Trabalhadores, comparados com eleições anteriores, foi um grande avanço.
A demanda da população continua sendo por políticas públicas na saúde, emprego, segurança, água, asfalto e educação. Nesse embalo, desenha-se a construção de uma frente de centro-esquerda com propostas reais de políticas públicas. Propostas que possam suplantar o clientelismo e o assistencialismo. Como uma alternativa que repita a união que assistimos na cidade no dia 28/11, quando o PT, PCdoB, Psol, PDT entre outros, caminharam lado a lado na militância por Dimas como alternativa ao bolsonarismo.
Por fim, a retórica do PT como grande derrotado não se sustenta em números nacionalmente. Em 2016, o PT foi eleito em quatro dos cem maiores municípios, e agora foi para sete. Manteve o número de seis milhões de pessoas governadas. O PT manteve-se estável nacionalmente e cresceu localmente elegendo dois vereadores. O PSOL cresceu elegendo o professor Josemar e apresentando novos quadros. Enfim, a luta continua!
(*) Adalton Mendonça é sociólogo e membro da AE do Rio de Janeiro