Por Natália Sena (*)
No dia 19 de abril de 2020, o presidente Jair Bolsonaro participou e discursou em um ato que pediu “intervenção militar”, em frente a um quartel do Exército, em Brasília. Não foi a primeira vez: em 15 de março de 2020, quando a aglomeração de pessoas já era considerada um fator de risco para a transmissão do Covid-19, Bolsonaro participou de um ato que pediu o fechamento do STF e do Congresso Nacional. Há quem fique surpreso: como pode um presidente eleito na democracia defender um golpe? Confesso que surpresa fico quando vejo, especialmente na esquerda, quem ache que Bolsonaro foi eleito na democracia ou tem alguma legitimidade democrática.
Em 2018, falamos em alto e bom som: eleição sem Lula é fraude. Mesmo assim, decidimos participar do processo eleitoral e a nossa candidatura foi ao segundo turno. Mas o fato é que se confirmou o que dizíamos, a eleição sem Lula foi uma fraude e a fraude se consumou com a vitória de Bolsonaro. E é sempre bom lembrar que a fraude teve início em 2016, com o golpe disfarçado de impeachment contra a presidenta Dilma; seguiu com a prisão de Lula, necessária para tirar da disputa o candidato preferido do povo; e se consolidou com a utilização de uma máquina criminosa de produção e disseminação de fake news antes e durante o processo eleitoral, que segue atuando até hoje através do conhecido “gabinete do ódio”.
Portanto, Bolsonaro é um presidente fruto de um golpe, de uma fraude eleitoral, de crimes. Ele existe como presidente graças à colaboração explícita da Operação Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro como ministro é a principal expressão disso. Bolsonaro está envolto à escândalos dos mais diversos, desde a rachadinha de Queiroz até o assassinato de Marielle e Anderson. Sua relação com as milícias é cada dia mais evidente. Seus filhos políticos são metralhadoras de ódio e de mentiras.
É sempre bom lembrar, também, que a fraude de 2018 teve o aval explícito do STF e do TSE. O TSE impediu o registro da candidatura de Lula, mesmo contra toda a sua própria jurisprudência consolidada, e o STF negou a liberdade de Lula em diversas ocasiões. Mais de um ano após a eleição, esse aval ficou ainda mais evidente, pois o STF concedeu a Lula o direito de recorrer em liberdade, o que significa que, em 2018, ele já tinha esse direito. Fica nítido, mais uma vez, que a operação para impedir Lula de concorrer na eleição teve a atuação direta do Judiciário brasileiro.
Ainda durante a eleição, o PT, a nossa coligação e outros partidos e coligações que disputaram a eleição presidencial de 2018, apresentaram impugnações ao TSE, através de ações de investigação judicial eleitoral, denunciando crimes cometidos pela chapa Bolsonaro-Mourão. Esses crimes são de disseminação de informação falsa, uso de perfis falsos em redes sociais, caixa dois, uso indevido de bancos de dados de contatos de eleitores, abuso de poder econômico, doação empresarial. Algumas dessas ações ainda estão tramitando no TSE, em fase de produção de provas, e muitas provas foram produzidas pela investigação ainda em curso na CPMI das fake news. Essas ações têm como pedido a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, pelo TSE, o que implicaria na convocação de novas eleições, conforme o artigo 81 da Constituição. Também por isso, não é correto afirmar que Bolsonaro tem alguma legitimidade democrática, e isto nós já estamos denunciando desde 2018. Sua chapa deveria ter sido impugnada e sequer poderia ter tomado posse, diante dos crimes eleitorais que cometeu.
O que veio depois da posse confirmou, mais uma vez, tudo que dizíamos na eleição. Trata-se de um governante ilegítimo que em um um ano e quatro meses de governo cometeu inúmeros crimes comuns e de responsabilidade. Motivos para impeachment não faltam, e os mais evidentes são os que comentei no início do texto: participação em atos, discursos e incitação de ações que atentam contra a existência do STF, do Congresso Nacional, que pedem intervenção militar e fechamento democrático. Isto para não falar nos atentados contra a soberania nacional e os direitos sociais. Portanto, além da fraude eleitoral, no exercício do mandato Bolsonaro já comprovou a sua total e absoluta ilegitimidade para o cargo.
É diante de tudo isso e de uma crise aprofundada pela pandemia do Covid-19 que se dá o debate na esquerda sobre o que fazer e o que propor de saída política acerca do governo Bolsonaro. Em novembro de 2019, houve uma votação no congresso nacional do PT acerca do assunto, e foram derrotadas as posições que defendiam que o PT deveria dizer, naquele momento, que apoia o “FORA BOLSONARO” ou que encamparia, de alguma forma, a luta pelo fim do governo Bolsonaro. Prevaleceu, em novembro de 2019, a posição que ainda não seria o momento para defender isto e que o momento correto seria a eleição de 2022.
O ano de 2020 trouxe um agravamento imenso na situação política, econômica e social no Brasil e no mundo. Os motivos para defender o “FORA BOLSONARO” só cresceram, seja pelo programa aplicado pelo governo, seja pelas cada vez mais fortes evidências dos crimes por ele cometidos e dos vínculos com milícias no Rio de Janeiro, seja pela posição explicitamente golpista adotada pelo presidente, que convoca e participa de atos contra a democracia. Ora, não é de se surpreender que, sabendo ele próprio que é fruto de uma fraude, tente de todas as formas eliminar o que para ele são empecilhos ao exercício autoritário das atribuições presidenciais, mesmo que esses empecilhos sejam os aliados de ontem e que defendam o mesmo programa ultraliberal que ele, como é o caso de Maia, Dória e STF, por exemplo.
A cereja do bolo de tudo isso é a forma assassina como Bolsonaro se comporta diante da pandemia. Minimiza seus efeitos, afirmando tratar-se de uma “gripezinha”; defende soluções sem embasamento científico, como a cloroquina; propõe ações comprovadamente ineficazes, como é o caso do chamado “isolamento vertical”. Estes são exemplos da mais nova modalidade de crime cometido por Bolsonaro, os crimes contra a saúde do povo brasileiro. Sem falar na imensa contaminação da sua comitiva que foi aos Estados Unidos e voltou espalhando o vírus por Brasília.
É óbvio que, diante de tudo isso, aumente a pressão para que o PT mude de posição sobre o que defender e fazer para acabar o quanto antes com o governo Bolsonaro. E é nesse contexto que foram realizadas reuniões da executiva nacional, em 26 de março, e do diretório nacional, em 09 de abril. No entanto, ambas as reuniões deliberaram por, mais uma vez, recusar que a posição oficial do Partido seja pela adoção da palavra de ordem “FORA BOLSONARO” ou qualquer outro conteúdo que indicasse que o PT embarcaria na luta pelo fim desse governo assassino.
Foi diante dessa incompreensível insistência em manter na retranca o principal instrumento de luta da classe trabalhadora brasileira contra seus opressores, que é o Partido dos Trabalhadores, que militantes, dirigentes nacionais, estaduais e municipais, importantes lideranças públicas, ex-presidentes do PT, parte considerável da bancada federal e as tendências da chamada esquerda partidária convocaram e realizaram a plenária nacional dos #militantesEmDefesaDaVidaForaBolsonaro, em 18 de abril de 2020.
Fica cada dia mais difícil sustentar a posição que atualmente é a que o PT formalmente defende. Um dia após a plenária, aconteceu o fato que foi relatado no início deste texto, participação e discurso de Bolsonaro em ato que pediu intervenção militar e AI-5.
O presidente Lula se manifestou sobre o fato afirmando que “a mesma Constituição que permite que um presidente seja eleito democraticamente têm mecanismos para impedir que ele conduza o país ao esfacelamento da democracia e a um genocídio da população”. Imagino que Lula não ache que Bolsonaro foi eleito democraticamente e que esteja apenas afirmando, corretamente, que há mecanismos constitucionais para impedi-lo de seguir destruindo o Brasil e agindo contra a vida. Fernando Haddad chamou Bolsonaro de “verme” e afirmou corretamente que “o dia do fora chegou”, perguntando: “até quando os democratas suportarão tanta provocação, sem nada fazer?”. Acontece que os reais democratas já não suportam faz tempo, mas há aqueles que são democratas retóricos, e que seguirão com muita dificuldade de romper totalmente com o seu projeto, que não é democrático, é ultraliberal e ajudou a colocar o neofascista onde ele está. Por fim, a presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann, afirmou publicamente que concorda com Haddad e que “chegou a hora do fora Bolsonaro”, concluindo que “o PT continuará com esse debate em suas instâncias e não faltará ao país”. Correto, e antes tarde do que nunca, embora não veja sentido em citar as instâncias, antes esquecidas, quando ela e Haddad assinaram manifesto não aprovado em instância alguma.
É fato que dizer “FORA BOLSONARO” não vai resolver os problemas, e não há ninguém que pense o contrário. O que precisamos é dizer isso, apontar que esta é a única saída política possível para resolver o problema da saúde, do emprego e da renda, e ao mesmo tempo agir conforme esta posição, dando ao “FORA BOLSONARO” o conteúdo programático que é necessário para termos êxito: é Fora Bolsonaro, Fora Mourão, seu governo e suas políticas. Não aceitamos o neofascismo de Bolsonaro nem estaremos junto do ultraliberalismo de Maia e Dória.
Aguardamos com ânimo que o debate nas instâncias do PT possa avançar, que o Partido saia da atual situação de retranca em que estamos e avancemos para o “FORA BOLSONARO” não apenas como palavra de ordem, mas com o conteúdo que esta palavra de ordem significa nas nossas ações práticas, na luta social e institucional.
O PT não pode faltar ao povo brasileiro!
(*) Natália Sena é advogada e integrante da executiva nacional do PT