Por Valter Pomar (*)
Comecei a militar no PT em 1982 e me filiei em 1985.
Era uma época de grandes lutas e de grandes debates.
Um dos temas em debate era o socialismo.
Pudera.
Foi quando aconteceu a “queda do Muro de Berlim”, o “massacre da Praça da Paz Celestial” e a desaparição da União Soviética.
Uma das questões que apareciam naquele debate era a crítica ao modelo de Estado e de partido que existiam nos chamados países socialistas.
E um dos alvos da crítica era o chamado “culto à personalidade”.
O que se combinava com a crítica feita pelo PT ao caciquismo, ao coronelismo e ao cupulismo existentes na política brasileira, inclusive em partidos de esquerda.
Para citar um texto do início dos anos 1990: “A democracia é a vida do PT. Sem esta seiva, nosso projeto se exaure, fenece. Ninguém, nenhum parlamentar, nenhum prefeito, nenhuma liderança, nem mesmo o Lula, pode se sobrepor às maiorias e às decisões democráticas legitimamente firmadas no interior do PT”.
Várias décadas depois, muita coisa mudou no mundo, no Brasil e no PT.
Um exemplo de mudança é a frase citada no título deste texto: “Se o Lula quer, quem sou eu para questioná-lo?”
Antes que me perguntem, a frase é real e foi escrita hoje, 8 de novembro de 2021.
De fato, se o Lula quer almoçar salada de chuchu, é um problema dele.
Mas a candidatura a vice-presidente da República é um problema nosso, é um problema de toda a esquerda, a começar pelos petistas.
Lula tem influência suficiente para convencer ou até para derrotar quem pensa diferente.
Mas quem pensa diferente tem o dever de lutar pelo que acredita.
A não ser, é claro, para quem aderiu ao “culto à personalidade”.
Ou ao culto dos que tentam falar em nome da tal “personalidade”, mesmo que a própria tenha outra opinião ou não tenha se pronunciado a respeito.
Isto posto, vamos ao artigo do Celso Rocha de Barros, publicado na Folha de S. Paulo de 8 de novembro, falando da “Chapa Lula/Alckmin”.
Barros diz ter “dúvidas se é possível”, mas acha que a chapa Lula e Alckmin seria uma “boa ideia”, porque permitiria “juntar o ajuste macroeconômico do PSDB com a redistribuição de renda do PT”.
Lindo, né?
Infelizmente, a realidade conspira contra.
Acontece que o “ajuste macroeconômico” do PSDB resultou em privatização, desnacionalização, desindustrialização, financeirização, desemprego e – portanto – gerou uma “redistribuição” de riqueza e renda em favor dos ricos.
Temer e Bolsonaro deram continuidade ao mesmo “ajuste macroeconômico” neoliberal implementado pelos tucanos. E o resultado é ainda mais “redistribuição” em favor dos ricos.
É por isso -e não por falta de criatividade – que não existem “acordos possíveis” entre o programa macroeconômico do PT e o do PSDB.
Claro que um governo de esquerda pode não ter força suficiente para aplicar seu programa de conjunto. Mas isto é diferente de assumir como se fosse seu o programa do inimigo.
Um exemplo deste desacordo de fundo entre PT e PSDB está na seguinte frase de Celso de Barros: “no longo prazo, a sindicalização é a melhor maneira de tornar a regulamentação estatal desnecessária”.
Barros acha que isto poderia ser um ponto de acordo entre PT e PSDB: mais sindicatos e menos Estado.
Da minha parte, tenho dificuldade de escolher as palavras certas para falar de alguém que – em pleno século 21 e no meio de uma pandemia – defende tornar “desnecessária” a regulamentação estatal.
Precisamos de “mais sindicatos” e de “mais Estado”!
Vou pular as pessoas citadas por Barros (Marina Silva, Bernard Appy, Tabata Amaral, Nelson Barbosa, Guedes – não sei por qual motivo ele não cita Palocci) e passo direto à conclusão.
Segundo Barros, “transformações profundas podem ser negociadas. Mesmo se a chapa não sair, é de uma solução com esse espírito que o Brasil precisa para voltar, não ao que era, mas ao caminho para o que queremos que seja”.
Barros sabe muito bem que esta aliança não vai acontecer.
Se não fosse por outro motivo, pela bizarrice. Vamos combinar: depois de Temer, querer Alckmin é sadomasoquismo.
O que interessa a Barros é que o PT aceite o “espírito” da coisa, ou seja, incorpore no seu programa o ajuste neoliberal tucano.
Se o PT caísse nessa armadilha, estaria se suicidando como alternativa.
Como já disse o poeta: “mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução”.
(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT