“Só a mobilização da classe trabalhadora evita volta da extrema-direita”

Contribuição da tendência petista Articulação de Esquerda ao debate que o Diretório Nacional do PT fará no dia 8 de dezembro de 2023

1/ Fazemos um balanço globalmente positivo do primeiro ano de mandato do presidente Lula. Nos associamos ao esforço que o próprio governo fará, no sentido de divulgar a extensa lista de medidas positivas adotadas durante o ano de 2023. E, sem prejuízo de tantas outras ações, destacamos o seguinte: a derrota eleitoral da extrema direita, em outubro de 2022, assim como o fracasso da intentona golpista de 8 de janeiro de 2023; o regresso, ao governo federal, de forças políticas comprometidas com a soberania nacional, com o bem-estar social, com as liberdades democráticas e com o desenvolvimento; a retomada de políticas públicas que haviam sido abandonadas, sabotadas e destruídas desde o golpe de 2016, com destaque para o combate à desigualdade de gênero e étnica, para as políticas de saúde e educação, para a valorização do salário mínimo e para a política externa altiva e ativa; as medidas que sinalizam a retomada de uma política de desenvolvimento, seja no âmbito do incentivo ao consumo popular, seja na interrupção da privatização de empresas estatais, seja no combate à política de juros altos implementada pelo Banco Central. Entretanto, já governamos o país entre 2003 e 2016. Naquele período, também fizemos governos globalmente positivos. E isso não impediu que a direita nos derrubasse no golpe de estado de 2016. Tampouco impediu que a extrema-direita ganhasse as eleições de 2018 e governasse por quatro anos o país, impondo um retrocesso em todos os terrenos. Desta forma, mais importante do que exaltar para nós mesmos os nossos feitos, é discutir por quais motivos estes feitos ainda não foram capazes – como demonstram as pesquisas e a simples observação – de alterar de maneira substancial a correlação de forças existente na sociedade. Mais importante do que comemorar o passado, é construir no presente um futuro diferente, onde as forças de direita e de extrema direita, igualmente neoliberais, não sejam capazes de voltar ao governo; um futuro em que, entre outras mudanças, o Brasil deixe de ser primário-exportador e paraíso do capital financeiro.

2/ O êxito do governo Lula é decisivo, tanto para a batalha que travamos contra a direita tradicional, quanto para a batalha que travamos contra a extrema-direita. Embora diferentes em vários aspectos importantes, estas duas direitas convergem na defesa do programa neoliberal, ou seja, na defesa de um país primário-exportador, baseado na aliança entre o agronegócio, a mineração e o setor financeiro. Do ponto de vista estratégico, programático e histórico, o governo Lula fará toda a diferença à medida que ele contribua para desencadear um ciclo de desenvolvimento, com ampliação das liberdades democráticas, do bem-estar social, da soberania nacional e da integração regional. Mas para que isto aconteça, este ciclo de desenvolvimento deve, entre outras mudanças, superar nossa condição primário-exportadora e prisioneira do capital financeiro. O que, por sua vez, exige que o Estado brasileiro amplie substancialmente o investimento público. O Novo Arcabouço Fiscal, da forma como foi concebido e da forma como foi piorado pelo Congresso, não contribui nesse sentido. Em particular a política de déficit zero, combinada com o crescimento das despesas limitado a 70% da expansão das receitas, não fazem o menor sentido, salvo para quem defenda a redução do tamanho do Estado na economia e a prioridade para o atendimento dos senhores da dívida. É preciso lembrar, ademais, que o neoliberalismo na economia está profundamente atrelado ao autoritarismo na política, de modo que ceder para as posições neoliberais acaba, no limite, fortalecendo a extrema-direita.

3/ O governo Lula é resultado de uma campanha onde se falou de “reconstrução e transformação”. Entretanto, o slogan publicitário da administração iniciada em primeiro de janeiro de 2023 fala de “união e reconstrução”. O abandono da ideia de “transformação” é errado por dois motivos principais. O primeiro deles diz respeito aos nossos objetivos históricos: lutamos para vencer as eleições de 2022, não apenas para derrotar a extrema direita, mas também para contribuir na luta por um país soberano, democrático, igualitário, desenvolvido, integrado à América Latina e Caribe, um país socialista. E, sem defendermos ativamente essa perspectiva de médio e longo prazo, seremos derrotados pela direita e pela extrema direita na guerra cultural que eles movem contra nós. O segundo motivo pelo qual é errado abandonar a “transformação“ reside em que, sem transformação, não haverá reconstrução. Por exemplo: sem fazer os ricos pagarem impostos substancialmente maiores, não será possível nem mesmo retomar o que já foi feito. Assim sendo, tanto o Partido quanto o governo devem reincorporar, tanto no seu discurso quanto na sua prática, o compromisso com as transformações estruturais, por exemplo com a reforma agrária e com a reforma do sistema financeiro, com a revogação integral das contrarreformas sindical, trabalhista e previdenciária, com a retomada pública das estatais total ou parcialmente privatizadas, como é o caso da Eletrobrás e da Petrobrás, respectivamente.

4/ O ciclo de desenvolvimento que defendemos tem como um de seus objetivos converter o Brasil em uma potência industrial e tecnológica. Para atingir este propósito, em particular a reindustrialização, será preciso combinar em medida adequada o investimento estrangeiro e nacional, o investimento privado e público, a grande e a pequena empresa. Entretanto, não há dúvida acerca do protagonismo estatal, não apenas em outros ciclos, mas principalmente no ciclo de desenvolvimento democrático e popular que almejamos. Sendo este um dos motivos pelos quais o Brasil deve recuperar o pleno controle nacional e público da Petrobrás e da Eletrobrás, entre outras empresas estatais que foram e seguem sendo vítimas da sanha neoliberal. E o Banco Central não pode continuar sendo o defensor dos interesses do grande capital financeiro. O sistema financeiro brasileiro precisa estar sob controle público.

5/ Desde o fim da ditadura militar, em 1985, as forças armadas recuaram da intervenção direta na política, mas mantiveram a postura de tutelar, chantagear e ameaçar as liberdades democráticas. Tudo isso em articulação com o governo e com as forças armadas dos Estados Unidos. Esta aliança entre forças armadas brasileiras e os EUA foi fundamental para o sucesso do golpe de 2016, para a Operação Lava Jato, para a condenação, prisão e interdição eleitoral do companheiro Lula, assim como para a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Entre 2019 e 2022, ficou mais uma vez evidente que o comando das forças armadas está submetido a interesses estrangeiros e dominado pela extrema direita. Este domínio chegou ao ponto de altos comandantes terem estimulado, apoiado e acobertado a – ao final fracassada – operação golpista de 8 de janeiro de 2023. Agora, não basta processar e condenar os envolvidos na intentona golpista – todos os envolvidos, a começar pelos financiadores e pelos criminosos com fardas e medalhas. Além disso, é preciso tomar uma atitude democrática e responsável: mudar completamente a orientação predominante nas forças armadas, o currículo pró-ditadura adotado nas escolas de formação de oficiais, a doutrina de defesa nacional subordinada aos EUA, sem falar no combate aos comportamentos corporativos, corruptos e criminosos que ficaram tão evidentes no trato da pandemia da Covid 19. Para dar conta dessas tarefas, o primeiro passo é termos um ministro da Defesa que seja expressão do poder civil e não, como hoje, um braço dos militares contra o poder civil. Ademais, o PT reafirma seu apoio à mudança nos artigos da Constituição que servem de pretexto para o golpismo e para a militarização da segurança pública. Orientamos a bancada do PT na Câmara dos Deputados a contribuir para que a PEC que altera o artigo 142 da Constituição alcance as 171 assinaturas necessárias para tramitar.

6/ O PT recomenda ao governo que tome as medidas necessárias, no âmbito de suas atribuições, para desmilitarizar a segurança pública brasileira e especialmente desmilitarizar as Polícias Militares. O povo pobre, negro e periférico não pode ser tratado, pelas polícias, como forças inimigas a abater. Por essas razões é inaceitável que tenha sido dado aval à aprovação da Lei Orgânica das Polícias Militares (LOPM), que aguarda sanção do presidente Lula. Além de renovar os dispositivos que davam grande poder e autonomia a essas corporações armadas e manter sua vinculação ao Exército, o projeto ainda amplia suas atribuições, permitindo às Polícias Militares “planejar, orientar, coordenar, supervisionar e executar ações de inteligência e contrainteligência” (artigo 5º, inciso XI do projeto de lei). É fundamental que a LOPM, tal como está, seja vetada por Lula, porque a nova lei vai na contramão das liberdades democráticas e fortalece o Terrorismo de Estado que ceifa milhares de vidas negras todos os anos no Brasil, vide as recentes chacinas em São Paulo (Baixada Santista), na Bahia e no Rio de Janeiro. É preciso mudar totalmente a lógica punitivista predominante no sistema de justiça, a chamada política de “guerra às drogas” e de encarceramento em massa. Entre outras medidas nesse sentido, reafirmamos a proposta – debatida e apresentada pelo Partido, durante a campanha eleitoral – de criação do Ministério da Segurança Pública, lembrando que isso só terá efeitos positivos se este ministério estiver desde o início orientado por concepções civis, democráticas e de esquerda. E exigimos a retirada imediata, do decreto 11.498/2023, dos incentivos para construção de presídios pelo setor privado. O sistema prisional não pode nem deve ser espaço para parcerias público-privadas.

7/ A Constituição promulgada em 1988 proíbe, no seu artigo 220 parágrafo quinto, o “monopólio ou oligopólio da comunicação”. Mais de três décadas se passaram, durante as quais o PT conquistou por cinco vezes a Presidência da República. Entretanto, o oligopólio da mídia, fortalecido pela ditadura militar, não só prossegue existindo como tornou-se um fundamental agente político e instrumento das políticas neoliberais hegemônicas. Não haverá democracia plena no Brasil, enquanto a comunicação empresarial for dominante. Cabe ao governo brasileiro tomar as medidas necessárias para cumprir os princípios estabelecidos na Constituição de 1988. Mas para isso é preciso, como passo mínimo, que o ministro da Comunicação não seja um defensor do oligopólio.

8/ Apesar dos esforços assassinos do governo Bolsonaro, a pandemia da Covid 19 foi detida pelo Sistema Único de Saúde. Coerente com isso, o PT vai continuar lutando para ampliar e aperfeiçoar o SUS, combatendo a mercantilização da saúde, as terceirizações e a tentativa – alardeada por setores do Ministério da Fazenda – de alterar o piso constitucional da Saúde. O piso constitucional da saúde e da educação, a política de elevação do salário-mínimo e a previdência pública são políticas civilizatórias. Não aceitamos que – a pretexto de aperfeiçoar os pisos, como vem sendo defendido por setores do Ministério da Fazenda – se abra caminho para alterar as regras atualmente vigentes.

9/ O PT é de opinião que o setor empresarial privado e o chamado “modelo Sobral” não podem seguir hegemonizando a cúpula do ministério da Educação. É preciso destruir completamente a herança deixada pelo bolsonarismo na área da educação, a começar pela revogação do chamado Novo ensino médio e pelo fechamento de todas as escolas cívico-militares. Mas é preciso ir além disso. Devemos usar os próximos três anos de governo Lula para fortalecer o sistema público em todos os níveis. É urgente que o Ministério apresente um plano amplo e estruturado de fortalecimento da educação pública, o que pressupõe: i) compromisso de zerar, no médio prazo, a fila de vagas em creche no país inteiro; ii) fortalecer de maneira decisiva a educação em tempo integral no ensino fundamental; iii) fortalecer o ensino médio, bem como dos Institutos Federais; iv) apresentar urgentemente um plano de fortalecimento e expansão das universidades federais. Ressaltamos que é inadmissível que no campo da educação, onde os governos Lula e Dilma promoveram uma transformação importante, estejamos ainda entregando tão pouco.

10/ Entre 1989 e 2022, ocorreram nove eleições presidenciais. Destas, a candidatura petista venceu 5 e ficou em segundo lugar em 4. Entretanto, em nenhuma das referidas eleições conseguimos construir uma maioria de esquerda no Congresso nacional. Isso ocorre devido a um conjunto de motivos, entre os quais o sistema eleitoral, a desproporcionalidade na composição da Câmara, o absurdo papel revisor do Senado, a compra de votos, a influência do poder econômico e do oligopólio privado de comunicação. Outro fator que também influi é a tática e a política de alianças adotada pelo próprio Partido, seja no processo eleitoral, seja na ação de governo. Fazendo o balanço de conjunto, é preciso reconhecer que aquela tática vem fortalecendo a direita, que usa a influência resultante para conseguir mais concessões, num círculo vicioso que acaba resultando nesta sucessão de legislaturas, cada uma mais conservadora e fisiológica que a anterior. O PT reafirma sua defesa de uma reforma política, que inclua – entre outras medidas – as listas partidárias. O PT não está de acordo com a opção, adotada pelo governo, de ceder espaços no ministério para partidos ou personalidades que apoiaram o governo Bolsonaro e, inclusive, nele votaram nas eleições de 2022. O PT considera que a única maneira de escapar das armadilhas implícitas na chamada governabilidade institucional, consiste em fortalecer a consciência, a organização e a mobilização dos setores populares. Tarefas que competem ao Partido dos Trabalhadores, às organizações do campo democrático e popular, mas também competem ao governo.

11/ O golpe de 2016 foi, simultaneamente, parlamentar, midiático e judicial, além de contar com o respaldo da mão forte e nada amiga das forças armadas. Depois, as contradições no interior da classe dominante levaram o governo Bolsonaro a entrar em choque com a maioria do Supremo Tribunal Federal, choque que persiste até hoje. Este elemento tático – desconsiderado em recente votação no Senado pelo líder do governo, motivo pelo qual o Diretório Nacional do PT o adverte publicamente – não deve nos levar a perder de vista a necessidade de introduzir reformas profundas no sistema de justiça como um todo. Não contribuiu, para tais reformas, a maioria das escolhas feitas, desde o primeiro governo Lula até o atual, quando da indicação de ministros do STF. É desolador ver um ministro indicado por Lula votar contra direitos democráticos e trabalhistas básicos. Assim como é horripilante ver um reacionário converter-se, por nossa indicação, Procurador Geral da República.

12/ Como nos governos Lula e Dilma (2003-2016), nossa política externa é uma das dimensões mais avançadas do governo. Por isso mesmo, ela sofre uma pressão brutal, tanto das oligarquias e de seus representantes na burocracia, quanto dos governos imperialistas e com eles alinhados. Neste sentido, é importante que o Partido reforce sua atuação internacional, no sentido de dar suporte à ação do governo ou ajudar a corrigir desvios de rota e insuficiências. Dentre estas insuficiências, o PT considera que o governo brasileiro deve mudar sua relação com o estado de Israel. Não se pode fechar os olhos frente ao genocídio contra Gaza, ao apartheid interno e ao desrespeito – desde 1948 – às resoluções da ONU. Isso não se faz só com discurso, especialmente com discursos que equiparam os dois lados, Estado colonizador e povo colonizado. É preciso adotar medidas concretas, que devem começar pela imediata revogação de todos os acordos Brasil-Israel no plano militar e de tecnologia de monitoramento, inclusive no âmbito da ABIN. Também no âmbito da política externa, o PT conclama a sociedade a intervir no debate sobre a política nacional de Defesa, sob pena dela consagrar os princípios de defesa hemisférica defendidos pelos Estados Unidos.

13/ O governo Lula é um governo em disputa. Isso se expressa na composição do ministério e demais escalões da administração, onde coabitam desde partidos de esquerda até setores que apoiaram o bolsonarismo no segundo turno das eleições presidenciais. Apoiamos a decisão de promover uma reforma ministerial, nas empresas estatais e nas agências, ouvindo o PT e demais forças de esquerda, retirando totalmente os quadros da extrema-direita, nomeando pessoas comprometidas com o programa de governo vitorioso. A disputa pelos rumos do governo Lula se expressa, também, nas políticas implementadas pelo governo, nas opções que ele faz e/ou deixa de fazer. Nesse sentido, o Partido dos Trabalhadores reafirma que – sempre apoiando o governo contra a oposição – seguirá lançando mão, toda vez que necessário, tanto da crítica política, interna e/ou pública, quanto do voto de suas bancadas e da mobilização de forças sociais em apoio às políticas que sejam coerentes com a enorme esperança despertada pela eleição do Presidente Lula, no sentido de reconstruir e transformar o Brasil, conquistando dias melhores para a classe trabalhadora e para a maioria do povo brasileiro. Nesse mesmo espírito, o PT considera que o governo precisa fortalecer seus instrumentos de coordenação política, em particular com a direção do Partido dos Trabalhadores. A experiência de todas as nossas administrações, a começar pelos governos Lula e Dilma, confirmaram ser imprescindível o diálogo permanente entre os petistas que estão ocupando posições executivas no governo, as bancadas do partido no Congresso Nacional e o Diretório Nacional do Partido. O PT é o maior partido do Brasil, com uma militância poderosa e contamos com a preferência partidária de aproximadamente um terço da população brasileira. É preciso mobilizar esse potencial para fazer a disputa político-ideológica na sociedade em regime permanente. Para isso, é fundamental que o PT reafirme seu programa de transformação social, fortaleça sua identidade visual e reforce sua estrutura interna, de modo a promover a formação e a mobilização permanente da sua militância. Entre outros motivos porque, como disse recentemente o presidente Lula, “só a mobilização evita volta da extrema-direita”.

Assinam:

Jandyra Uehara

Júlio Quadros

Natália Sena

Patrick Campos

Valter Pomar

Uma resposta

  1. Quero reforçar o que já tenho dito.
    Precisamos fazer brilhar a nossa estrela.
    Não com disputa de cargos, mas com a construção de um projeto,que seja o nosso diferencial .Que as pessoas possam dizer,este partido me representa.Proponho pensar uma nova estrutura na produção de alimentos..Que é o elo de ligação e tre campo e cidade.Assim como o Estado estruturou a Emater para implantar os agrotóxicos,o nosso Governo envolver a militância petista para pensar este projeto e sua implantação na sociedade.
    Como?
    Fazendo acontecer!!!!!!!

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