Sobre as declarações do general Pujol – nota da Articulação de Esquerda (PT)

As recentes declarações do comandante do Exército, general Edson Pujol, de que as Forças Armadas são “instituições de Estado” e não de governo; de que as Forças Armadas não têm partido; de que as Forças Armadas não pretendem “fazer parte da política governamental ou do Congresso Nacional”, e ainda, de que “a política” não deve entrar nos quartéis precisam ser recebidas com todas as cautelas e — em especial — submetidas ao teste da realidade recente e atual.

Frente ao governo neofascista, genocida e amplamente militarizado de Jair Bolsonaro, as declarações do comandante do Exército soam como progressistas e democráticas. Mas, ainda que venham a expressar autênticos desejos do general, elas não refletem o que realmente vem acontecendo no país, nem historicamente, nem no período posterior ao golpe de Estado de 2016, quando a presidenta Dilma Rousseff teve seu mandato interrompido por um impeachment fraudulento.

A Ditadura Militar representou o ápice da participação das Forças Armadas na política. As atrocidades que cometeu, o sangue que derramou e as medidas institucionais que adotou deixaram sequelas e cicatrizes profundas na sociedade brasileira. Mas o fim da Ditadura, em 1985, não representou o fim da atividade política dos militares.

Eles influenciaram o governo Sarney, reprimiram brutalmente a greve da Companhia Siderúrgica Nacional de 1988 — o que resultou no assassinato de três operários pelo Exército — e fizeram forte pressão sobre a Assembleia Nacional Constituinte para que as Polícias Militares não fossem extintas e para que fosse incluído o artigo 142, segundo o qual as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

As Forças Armadas continuaram a fazer política quando, aliados ao então ministro da Defesa, Nelson Jobim, seus comandantes rebelaram-se contra o Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH 3), em 2009, no governo Lula. Agiram da mesma forma ao sabotar e depreciar publicamente as investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), entre 2012 e 2014.

Tudo isso abriu caminho para o que veio a ocorrer em 2018, sob o governo golpista de Michel Temer, quando o então comandante do Exército, general Villas Boas, tornou-se o principal fiador da candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República. De modo totalmente ilegal, e contando com a anuência do Alto Comando do Exército, Villas Boas pressionou abertamente o Supremo Tribunal Federal para que não concedesse habeas corpus a Lula, ilegalmente preso por obra da Operação Lava Jato.

O general Hamilton Mourão, por sua vez, defendeu uma eventual intervenção militar e revelou que o Alto Comando havia se preparado para tal. Nenhum chefe militar foi punido e Mourão tornou-se candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro.

Posteriormente, o general Sérgio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional de Temer, e outros militares pressionaram e tutelaram a ministra Rosa Weber e o Tribunal Superior Eleitoral para que não houvesse investigação do disparo em massa de notícias falsas no Twitter financiado por empresários apoiadores de Bolsonaro, crime eleitoral gravíssimo.

Uma vez instalado o governo atual, vários oficiais-generais das três Armas foram nomeados ministros por Bolsonaro, e com o passar do tempo, milhares — vale repetir: milhares — de militares da ativa e da reserva foram chamados a exercer cargos na administração federal, em proporção semelhante à registrada na Ditadura Militar. Desse modo, a declaração do general Pujol de que tais nomeações são “decisão exclusiva da administração do Executivo” resulta inócua, até porque são cargos da esfera civil para os quais ninguém pode ser nomeado compulsoriamente.

Por outro lado, as Forças Armadas fizeram política, igualmente, ao pressionar o próprio governo Bolsonaro e o Congresso Nacional a aprovar uma reforma que aumentou expressivamente a remuneração dos oficiais e lhes concedeu um regime especial de Previdência, que lhes garante benefícios e regalias negados ao funcionalismo público civil e aos trabalhadores da iniciativa privada.

Assim, a profissão de fé do general Pujol no tocante a manter as Forças Armadas, como instituições, distantes do governo e da atividade política, choca-se com a realidade factual. Ao que parece, por divergir de certos aspectos das políticas adotadas pelo governo Bolsonaro, por exemplo a condução desastrosa das questões relativas à pandemia, o comandante do Exército procura preservar sua força de maiores desgastes. Mas não há sinais de que ele se oponha às reformas ultraliberais em curso, que sacrificam a população trabalhadora, ou à obra de destruição do Estado brasileiro e das riquezas nacionais promovida pelo governo Bolsonaro.

Neste cenário, alguns setores da esquerda deixam-se entusiasmar pelo recado dado pelo general Pujol, havendo até mesmo quem se disponha a declarar-lhe apoio em virtude de suas declarações. A estes, cabe sempre lembrar que alguns anos atrás algumas lideranças de esquerda — bem impressionadas por comentários dúbios do general Villas Boas em entrevista concedida à revista Veja, supostamente favoráveis às liberdades democráticas — pretendiam escrever ao então comandante do Exército, para saudá-lo por suas afirmações. Acabaram sendo demovidas da ideia, o que lhes salvou de um vexame frente ao papel que Villas Boas desempenhou no tríplice golpe, sem esquecer de pressões anteriores que exerceu sobre o governo do Distrito Federal para que não fosse erguido o Memorial em homenagem ao presidente Jango.

A verdade é que a doutrina vigente, na prática, entre os militares, continua sendo a da “Segurança Nacional” da Ditadura Militar, caracterizada, entre outras coisas, por identificar e eliminar “inimigos internos”; que são na maior parte das vezes movimentos e organizações populares, partidos de esquerda, intelectuais e lideranças ligadas às classes trabalhadoras. Basta lembrarmos que ainda se comemora o golpe de 1964 nos quartéis, ou mesmo da infiltração recente de agentes do Exército em mobilizações populares com fins de vigilância, provocação e prisão de militantes. Portanto, é a lógica doutrinária presente entre os militares que vê o povo organizado e em luta por direitos sociais, trabalhistas, por ampliação das liberdades e por reformas estruturais como uma ameaça — como um inimigo.

Nossos governos implementaram importantes programas de reaparelhamento e fortalecimento das Forças Armadas, de recomposição de soldos e dos orçamentos ligados à área, na ilusão de que isso seria o suficiente para que tais instituições cumprissem um papel “profissional” e interessado na soberania nacional. Mas isso é insuficiente: não basta impulsionar ganhos materiais, precisamos ter uma linha política capaz de incidir e disputar seus rumos.

Pois as Forças Armadas realmente existentes são autoritárias, antinacionais, sintonizadas com os interesses das classes dominantes e hegemonizadas pelos EUA. Portanto, a nossa linha deve ser a de alterar e modificar profundamente o caráter dessas instituições.

Por tudo o que foi exposto anteriormente, reiteramos a necessidade de o Diretório Nacional do PT incorporar, ao Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil, as seguintes diretrizes:

“Para que as Forças Armadas passem a cumprir seu estrito papel de defesa da soberania nacional, há que revogar o artigo 142 da Constituição Federal, frequentemente utilizado para alegações de teor intervencionista e antidemocrático. Ainda que o STF já tenha se pronunciado a respeito, vetando corretamente a interpretação desse dispositivo como capaz de validar um suposto ‘poder moderador’ das Forças Armadas, sua existência serve apenas a setores golpistas interessados em atacar a democracia”.

“As chamadas operações de ‘Garantia da Lei e da Ordem’ (GLO) prestam-se na maior parte das vezes a cumprir um papel deletério do ponto de vista da democracia. Esse mecanismo, portanto, deve ser extinto.”

“Revogação de normas inconstitucionais que garantam julgamento pela Justiça Militar de militares que cometerem crimes contra civis em operações como as de GLO e similares, como a Lei 13.491/2017, sancionada pelo golpista Michel Temer”.

“Cumprimento integral das recomendações do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), de 2014, em especial: I) reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pelos crimes cometidos durante a Ditadura Militar; II) revisão da Lei da Anistia de modo a garantir a punição dos agentes da Ditadura Militar que cometeram crimes de tortura, assassinato e outros; III) abertura dos arquivos militares; IV) revogação da Lei de Segurança Nacional; V) desmilitarização das Polícias Militares; VI) “Reformulação dos concursos de ingresso e dos processos de avaliação contínua nas Forças Armadas e na área de segurança pública, de modo a valorizar o conhecimento sobre os preceitos inerentes à democracia e aos direitos humanos”; VII) “Modificação do conteúdo curricular das academias militares e policiais, para promoção da democracia e dos direitos humanos” (Capítulo 18, p. 964-967 e 971).”

Se queremos que as Forças Armadas realmente cumpram um papel positivo no desenvolvimento nacional, soberano e democrático, elas precisam ser reformadas. As de hoje, como estão, continuam a respaldar golpes, tutelam um governo neofascista, sustentam um programa neoliberal e entreguista, colocam em risco a integração regional com a projeção de conflitos militares com países vizinhos, ameaçam liberdades democráticas e terminantemente negam-se a reconhecer o seu passado autoritário e a modificarem seu papel “moderador” do sistema político.

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda

17 de novembro de 2020

 

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