Socialismo e correlação de força

Por Valter Pomar (*)

Um dos debates que surgem, quando discutimos o programa de transformação do Brasil que está sendo analisado pelo PT,  é do que exatamente estamos falando.

De um programa para as eleições 2020?

De um programa emergencial, que deve ser apresentado no Congresso nacional, como alternativa imediata para os problemas imediatos?

De um programa de salvação nacional, para o day after ao Bolsonavírus?

Ou de um programa de médio prazo?

A ausência de definição clara causa todo tipo de mal-entendido.

Por exemplo, leva algumas pessoas a descartar determinadas propostas, não pelo mérito, mas por conta da correlação de forças.

Como parece óbvio, a correlação de forças é um argumento muito importante no debate de curto prazo, no debate tático.

Não é absoluto, mas é importante.

Mas mesmo esta importância relativa da correlação de forças é um argumento que perde muita relevância, se estamos discutindo temas de médio e longo prazo.

Por exemplo: todos dizem ser a favor da igualdade social.

Mas é óbvio que não há condições de estabelecer a igualdade social, digamos, amanhã.

Apesar disso, não conheço quem utilize a “correlação de forças” como argumento para ser contra a inclusão da igualdade social como meta programática.

Neste caso, o pressuposto é que a igualdade pode ser construída, ao longo de um processo no qual se criarão as condições.

Neste sentido, afirmar como meta construir a igualdade faz parte do próprio processo de acúmulo de forças.

Paradoxalmente, quando se fala de incluir no programa, explicitamente, o objetivo de construir o “socialismo”, é comum que alguém invoque o argumento da correlação de forças.

O argumento seria correto, é óbvio, se alguém estivesse propondo como  meta emergencial (para amanhã, por exemplo) “construir o socialismo”.

Afinal, construir o socialismo supõe  que a classe trabalhadora disponha dos meios para determinar o rumo geral da sociedade.

E estes meios não estão disponíveis hoje, nem amanhã. Supõe, entre outras tantas coisas, que a classe trabalhadora controle instrumentos de poder que, hoje e amanhã, não estão nem estarão ao nosso dispor.

Mas se o debate é sobre incluir o socialismo como nossa meta programática, um objetivo de médio prazo, para o qual devem convergir nossos esforços, qual é o sentido de questionar esta meta com o argumento da “correlação de forças”?

A única razão que me ocorre é: atrapalha.

Supostamente, atrapalharia nossos objetivos eleitorais, atrapalharia nossas propostas emergenciais, atrapalharia nossa luta contra Bolsonaro, falar de socialismo, mesmo que deixemos claro que se trata do socialismo como uma meta de médio prazo.

Claro que quem chega a esta conclusão, precisa responder duas coisas: 1/por qual motivo não defende abandonar, oficialmente, a luta pelo socialismo? 2/se não pelo socialismo, pelo que mesmo acumulamos forças?

A conclusão, na minha opinião, é inescapável: tem um setor da esquerda para quem o tema do socialismo se tornou um incômodo.

É seu direito pensar assim.

Mas poderiam enfrentar o debate de mérito, ou seja, explicar por quais motivos consideram que o socialismo não é a melhor alternativa estratégica idônea à crise sistêmica em que o mundo e o Brasil estão metidos.

(*) Valter Pomar é professor da UFABC e membro do Diretório Nacional do PT

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